A INTRUSA - CAPÍTULO 31 - (29/09/2025)

   

A INTRUSA

CAPÍTULO 31

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI.


CENA 1. APARTAMENTO DE LUCINHA. SALA DE ESTAR. INT. DIA

 

SONOPLASTIA — “DO I WANNA KNOW?” – ARCTIC MONKEYS – INSTRUMENTAL

 

A trilha parece agora ecoar do inferno — distorcida, distante, como uma dança maldita que não quer acabar.

O corpo de Rubinho está no chão, caído sobre o notebook ainda conectado à tomada. A tela tremeluzente projeta luz azulada sobre seu rosto contorcido. Da boca entreaberta, um fio de baba e sangue escorre lentamente. A carne ainda fumega discretamente. Um de seus braços repousa de forma inerte sobre o teclado.

A morte foi rápida, mas não silenciosa — e o silêncio agora é ensurdecedor.

Patrícia está de joelhos, o celular tremendo nas mãos enquanto termina a ligação para o resgate. Sua voz embargada, a respiração curta.

PATRÍCIA — Ele tá morto! Por favor, venham rápido. Por favor!

Aos fundos, Laura cambaleia entre os móveis, visivelmente alterada. O vestido vermelho grita contra a iluminação triste do apartamento. A maquiagem derretida, o olhar vidrado, o corpo suando.

Ela segura uma taça de vinho vazia, como se fosse um cetro de poder. Ri alto, descontrolada, e gira sobre si mesma, tropeçando no tapete.

LAURA - (exaltada, teatral) Alguém me explica essa vibe "CSI São Cristóvão"? (pausa, rindo descontroladamente) Ai, Rubinho! Podia ao menos ter feito um escândalo antes de morrer! Que desperdício dramático!

Ela gira, tropeça, ri de si mesma. Se aproxima do corpo, faz uma reverência torta.

LAURA - (soprando, debochada) Não repara a bagunça, viu, querido. A vida é curta e o apartamento é alugado...

Patrícia se ergue, cambaleante, e segura Laura com firmeza pelos ombros. O desespero no olhar agora se mistura à indignação.

PATRÍCIA - (gritando) Selma, pelo amor de Deus! Você tá completamente fora de si! Vem, vem pro quarto. Agora!

LAURA - (rindo e chorando) Ai, meu bem, se eu tivesse consciência de mim mesma, eu já tinha morrido há anos!

CORTA PARA:

CENA 1B. APARTAMENTO DE LUCINHA. QUARTO DE PATRÍCIA. INT. DIA

Patrícia praticamente arrasta Laura até o quarto. A vilã cambaleia, ri sozinha, depois chora, depois ri de novo. Uma sequência de surtos como numa peça tragicômica. Laura se joga sobre a cama com os braços abertos, como se se entregasse a um altar invisível.

LAURA - (exclamando) Três mortos, amor! E ainda é terça! (pausa, rindo sozinha)  A semana mal começou e já tem plot twist o suficiente pra duas temporadas de série ruim da Globoplay.

Patrícia tenta tirar os sapatos dela. Laura resiste, depois colabora com uma risada maníaca. Puxa Patrícia para perto e sussurra no ouvido, com um tom entre o sedutor e o perturbador:

LAURA - (sorrindo)Se eu te contasse o que tá na minha cabeça… você ia me internar ou me dar um talk show. Ou os dois!

Ela gargalha, depois silencia de repente. O riso vira suspiro. A loucura vira calma.
Como se o delírio cansasse o próprio corpo.

A câmera recua. Vemos, pela porta entreaberta, o corpo de Rubinho ao fundo — a morte recente ainda impregnando o ar. O quarto é um útero tenso, prestes a parir uma tragédia maior.

CORTA PARA:

 

CENA 2. MANSÃO DOS MONTESINO. ESCRITÓRIO. INT. DIA

 

Luz fria, precisa. A modernidade estéril do escritório contrasta com o peso das revelações. A delegada Clara, firme mas com os olhos cansados, encara a tela do notebook enquanto o Técnico, um rapaz magro e meticuloso, avança o vídeo quadro a quadro.

Na tela, uma mulher de cabelos negros sobe a escadaria lateral da mansão, sem pressa, como se conhecesse o terreno. Minutos depois, ela desce, olhos baixos, rosto oculto pelas sombras da varanda.

CLARA - (sem tirar os olhos do vídeo) E o rosto?

TÉCNICO - (sem emoção) Nada. Ela conhecia cada ponto cego. Fez um balé entre as câmeras. Profissional.

Clara respira fundo. Seu maxilar se contrai. Bate na mesa. Quase em sussurro, como um presságio:

CLARA — A assassina.

Nesse instante, a porta se abre.
Policial 1 entra trazendo Empregada 1, uma mulher simples, mas com os olhos atentos, daqueles que veem mais do que deviam e falam menos do que podem.

EMPREGADA 1 — Eu a vi. A mulher. A tal empregada que ninguém conhecia. Disse que se chamava Gabi.

CLARA - (se ergue, ágil) Consegue fazer um retrato falado?

EMPREGADA 1 - (firme, quase ofendida pela dúvida) Eu tenho memória fotográfica, doutora. Nunca esqueço um rosto que me dá calafrio.

CLARA - (para o Policial 1) Quero o desenhista aqui em cinco minutos. Prioridade total.

Nesse momento, o celular de Clara vibra.
Ela atende. A voz do outro lado é inaudível. Mas
 o rosto dela se transforma. Algo entre o choque e o luto contido. Um instante só — ela desliga.

CLARA - (seco) Mudança de planos. Rubinho. Acabaram de matar o rapaz no apartamento da Lucinha.

O silêncio que se instala é de chumbo.
Clara pega a bolsa, já se dirigindo à porta.

CLARA - (sem virar para trás) A assassina resolveu não perder tempo. E nós também não podemos.

CORTA PARA:

 

CENA 3. MANSÃO DOS MONTESINO. COZINHA. INT. DIA

 

Luz natural entra pela janela. O dia tenta começar, mas a casa ainda parece soterrada pela tragédia.

Vivi, que todos acreditam ser Carolina, está sentada à mesa, envolta em um robe de cetim, cabelos desalinhados, olheiras fundas, mãos trêmulas sobre uma caneca de café. A porcelana branca contrasta com o vermelho nos olhos.

Daniel entra, sem barulho. Evita olhá-la de imediato. Abre o armário, pega uma xícara. Silêncio incômodo. Familiar.

Ele se aproxima, se serve, e só então quebra o gelo.

DANIEL - (baixo) Como você tá?

VIVI - (tenta sorrir, falha) Como alguém que perdeu três vidas em uma semana. E uma identidade também.

Ele senta. O peso do corpo dele na cadeira parece ecoar. Os dois olham para a fumaça do café.

DANIEL - (firme, direto) Você perdeu um filho também. O nosso filho.

VIVI - (imóvel, sem ar) Como você sabe?

DANIEL - (olhos úmidos, porém contido) A Lívia me contou. Quando tudo desabou. Quando ela admitiu a farsa, jogou na minha cara. Como uma vingança final.

Vivi abaixa os olhos.
O silêncio vira peso. Ela tenta falar, mas a culpa prende as palavras no peito.

VIVI - (voz falha) Eu não consegui. Fui covarde. Quis te poupar ou talvez me poupar de você. Eu não sei.

DANIEL — Se você tivesse me dito, talvez eu tivesse ficado. Talvez a gente tivesse sobrevivido.

A mão dele se aproxima da dela. Não a toca de imediato — apenas roça os dedos. Ela não recua.

 

SONOPLASTIA – “AMOR, MEU GRANDE AMOR” – ANGELA RÔ RÔ.

Eles se encaram. Há uma intimidade trincada, mas ainda viva. Um amor doente, ainda pulsante. Um silêncio que grita: “E se?”

VIVI — Você acha que ainda dá tempo?

DANIEL - (sincero, sem dramatismo) Só se você quiser.

Ela sorri. Breve. E logo se levanta. O momento se parte.
Pega a caneca. Bebe um gole.

VIVI - (quase fria) O café tá amargo. Mas é o que temos.

Ele sorri de volta. Não como quem venceu, mas como quem ainda acredita.

CORTA PARA:

 

CENA 4. MANSÃO DOS GODOY BUENO. ESCRITÓRIO. INT. DIA

 

SONOPLASTIA — “I PUT A SPELL ON YOU” – ANNIE LENNOX.

 

Luz dourada de fim de tarde entra por uma das janelas. O escritório é clássico, ostentoso, cercado de livros e objetos de poder.

Valquíria e Isabella estão sentadas em poltronas opostas, com taças de mimosa na mão. A tensão é palatável, mas servida com gelo e cítricos.

VALQUÍRIA - (suave, venenosa) Eu sei quem está por trás disso tudo. Ou melhor, sei quem acha que pode brincar de justiceira no nosso tabuleiro.

ISABELLA - (sorri com desdém, voz macia, tom de ameaça) Pues deténla, cariño. Está atrayendo demasiada atención. E tú sabes que a los Godoy Bueno no les gusta que hagan demasiadas preguntas, especialmente sobre tus negocios.

VALQUÍRIA - (tom frio, mas elegante) Isso será resolvido ainda hoje. Eu não costumo deixar pontas soltas. Você sabe disso.

ISABELLA - (ergue a taça, sardônica) ¿Lo sé? Yo solo sé que si esto no se arregla puedo tomar el control de la empresa. Por el bien de todos, claro.

VALQUÍRIA - (um riso curto, controlado) Você sonha com isso há anos. Mas sonhar nunca tirou ninguém da sombra.

ISABELLA - (voz grave, baixando o tom)No olvides que Armand es hijo del único hombre que amaste de verdad. Y ese hijo, aunque bastardo, heredó acciones suficientes para decidir el futuro de este império. Combinadas con las mías, tú quedas fuera del tabuleiro.

VALQUÍRIA - (firme, sem piscar) O império é meu, Isabella. Porque só eu tive estômago pra sujar as mãos quando era preciso. Você sempre terceirizou sua crueldade.

ISABELLA - (sorri, doce como veneno de monja)Y tú, querida, sempre confundiste poder com lealdade. Éste mundo está cambiando. Y quizás ya no haya lugar para alguien como tú.

VALQUÍRIA - (levantando-se, seca) Talvez. Mas até lá, eu ainda sou a única que decide quem vive e quem cai.

As duas se encaram. Duas mulheres duelando sem levantar a voz.


A sonoplastia sobe, como uma promessa de guerra civil interna.

CORTA PARA:

CENA 5. MANSÃO DOS GODOY BUENO. QUARTO DE HÓSPEDES. INT. DIA

 

SONOPLASTIA – PADAM PADAM – KYLIE MINOGUE

 

O quarto é espalhafatoso como lari pacotão — um mix de luxo exagerado e kitsch afetivo. Lari, de camisola de plumas e um turbante lilás com broche de flamingo, está sentada na cama, falando ao telefone em viva-voz. Uma taça de espumante pela metade repousa no criado-mudo ao lado de um potinho de uvas descascadas.

LARI - (se abanando com um leque de paetês)  Olha só, Nanny. Eu vou ser bem direta porque já tô toda mijada de nervoso. Tu vai dar um close certo e vigiar aquela palhaça da Madson, ouviu? Rudolfe tá bolado, tá achando que ela tá viva e metida num rebuceteio lá no Rio!

NANNY WHO - (do outro lado, aflita) Viada do céu! Tu tá dizendo que ela tá foragida e deu a real errada pro boy francês? (pausa curta, mais baixa) E eu que deixei ela sair pra ver a véia! Foi visitar a vó, mona! Aquela drag centenária da Casa da Luz Perpétua!

LARI - (grita em falsete)  Aaaaah, minha Nossa Senhora das Perucas Voadoras! Tu deixou a bicha sair? (abaixa o tom, venenosa) Nanny se essa racha cai na pista e Rudolfe caça ela antes da gente, o bafão vai ser capa da Caras com direito a lágrima no candelabro!

NANNY WHO — Lari, tu acha que ele tá tramando? Que tá no Rio mesmo?

LARI — Amor, esse francês é mais falso que loiro da Hebe. Se ela tiver viva mesmo, ele vai achar o momento de dar o último grito de independência em pleno Leblon!

Silêncio breve. Ambas sentem o peso do perigo.

LARI — Faz o seguinte, pega o Uber Black, vai na casa da véia, e se Madson estiver lá, tranca a quenga no banheiro. E me liga.

NANNY WHO - (voz mais firme) Tá! Close será dado. Se essa baranga tentar levantar da cinza, eu taco glitter na cara dela e digo: “Volta pro armário, Madson!”

LARI - (rindo nervosa) Ai, mana se isso der certo, eu te dou uma bolsa da Louis Vuitton falsificada que só eu tenho no Brasil.

CORTA PARA:

 

CENA 6. CORA RESIDENCIAL SÊNIOR PREMIUM. QUARTO DE TEREZA. INT. DIA

 

SONOPLASTIA — “L’HYMNE À L’AMOUR” – EDITH PIAF – INSTRUMENTAL

 

O quarto é branco, silencioso, intensamente limpo. Uma pequena janela deixa entrar a luz da tarde.

Tereza, de cabelos muito brancos e penteados com elegância, está sentada numa poltrona junto à janela. Seus olhos cegos estão voltados para o nada, mas seu rosto parece escutar tudo. Ela ouve passos suaves no piso encerado. Sorri.

TEREZA - (voz fraca, doce)  Raquel, você trouxe os remédios?

Pausa. Uma respiração segura.

MADSON - (sussurra, trêmula) Não, vó. Sou eu. Madson.

Um silêncio. O mundo parece parar. Tereza vira o rosto em direção à voz. Estende a mão com cuidado. Madson se ajoelha diante dela. As duas mãos se encontram.

TEREZA = (voz entrecortada) Madson? Mas disseram que você que você tinha morrido...

MADSON - (em lágrimas contidas) Morri sim, vó. Morri pra eles. Morri pra ele. (baixa os olhos, firme) Ele me matava todo dia. Com palavra, com olhar. Às vezes com o silêncio. Às vezes com a mão mesmo.

Tereza aperta a mão da neta. Chora em silêncio. Sua expressão envelhecida é de dor e culpa.

MADSON - (continua, com coragem) Ele me seguia em todos os lugares. No palco, nos ensaios, em casa. Quando tentei ir embora, ele disse que ninguém acreditaria em mim. Que iam rir da minha história.
(pausa) E eu acreditei. Por isso eu sumi. Por isso menti pra todo mundo. Até pra você.

TEREZA - (baixinho, arrasada) Eu devia ter visto. Ter ouvido seu silêncio. Me perdoa, meu amor. Me perdoa por não ter te salvado.

As duas se abraçam. É um abraço longo, trêmulo, entre duas mulheres feridas pelo tempo e pela sociedade. O sol banha as duas como um perdão tardio.

SONOPLASTIA SOBE LEVEMENTE.

CORTA PARA:

 

CENA 7. APARTAMENTO DE LUCINHA. QUARTO DE PATRÍCIA. INT. DIA

 

Luz morna entra pela janela entreaberta. Um vento leve movimenta a cortina. Laura está largada na cama, jogada como uma boneca cara que alguém esqueceu. O vestido vermelho amassado, um salto ainda no pé, o outro jogado no chão. A maquiagem borrada revela mais do que esconde: uma mulher vencida por si mesma.

Ela abre os olhos devagar. A cabeça pesa. Geme. O som de uma presença se impõe.

LAURA - (entredentes, ainda grogue) Ai é você, morte? Chegou atrasada. A festa já acabou, meu amor...

Um vulto à porta. Ele se define. É Clara. Clara, rígida, vestida com sobriedade, o olhar como um bisturi.

CLARA — Você tem ideia do que fez, Selma?

LAURA - (ri, amarga) Selma? Que intimidade. Achei que você ia me chamar de espírito zombeteiro (espreguiça-se) Eu não fiz nada, querida. Só fui à balada, tomei uns goles, uns tombos e terminei aqui. (RI) Derretida igual ao Rubinho. Só que com mais classe.

CLARA — Você passou a noite com a Patrícia? E encontrou um corpo e começou a rir? Acha isso normal?

LAURA — Ah, minha flor, se eu achasse alguma coisa normal nessa vida, eu vendia em frasco. (sorri com escárnio) Não lembro de tudo. Mas sei que a gente dançou. Riu. Bebeu (susurra) Talvez tenhamos nos amado, ou talvez eu tenha só tropeçado no tapete. Quem sabe?

CLARA - (severa) Isso não é brincadeira, Selma. Alguém morreu. E você estava ali.

LAURA - (senta-se, apoiando o corpo com dificuldade) Olha, Clara, né? Eu sou da teoria de que todo mundo tem seu dia de Rubinho. Uns mais espetaculares, outros mais fritos. Eu? Eu só fui uma espectadora privilegiada do colapso geral.

CLARA — Você é fria.

LAURA — Não, amor. Eu sou prática. E, neste momento, com muito sono.
(boceja) Agora, se me dá licença, a ressaca precisa de silêncio e penumbra.

Laura deita de novo. Vira-se de costas. Clara a observa, incrédula. O tempo parece parar. A câmera fica em Clara.

CORTA PARA:

 

CENA 8. CORA RESIDENCIAL SÊNIOR PREMIUM. CORREDOR. INT. DIA

 

SONOPLASTIA – “SWAN LAKE, OP. 20 – ACT II, PART 1” – TCHAIKOVSKY

 

Um corredor clinicamente branco. A luz é levemente azulada, difusa, fria como a rotina da velhice. O ar cheira a desinfetante caro. O silêncio pesa.

Madson fecha a porta do quarto de Tereza com delicadeza, como quem guarda uma joia de volta à caixa. Ela ajeita o lenço sobre os cabelos com gestos precisos, ensaiados. Os óculos escuros encobrem os olhos marejados, mas a tensão agora governa seu corpo.

Seus saltos baixos tocam o piso vinílico com discrição. Ela caminha com a postura de quem quer desaparecer. Passos elegantes, mas urgentes. O vestido comportado, bege, quase uniforme, reforça o disfarce.

No fundo do corredor, as portas do elevador se abrem. Delas surge Rudolfe, impecável em um blazer de linho cru. Ele anda como quem possui o lugar. Para repentinamente. Os olhos se fixam em Madson. Uma silhueta. Um movimento. Um ritmo inconfundível.

RUDOLFE - (sussurrando, como se a memória do nome ainda queimasse na língua) Madson?

Ela não se vira. Mas sente. O sangue gela.

Sem mudar o ritmo, dobra à direita. Natural. Como se fosse buscar um chá. Mas o coração bate como sirene. Rudolfe começa a andar.
Não corre. Ele caça. Com a calma de quem saboreia o medo da presa.

Um jogo de gato e rato se inicia. Cada curva do corredor é um risco. Cada enfermeira que passa é uma esperança.
Madson desliza entre os idosos, os acompanhantes, os ruídos abafados de um aparelho cardíaco ao longe.

Vira à esquerda, olha em volta, vê uma porta entreaberta: armário de limpeza. Entra. No corredor, rudolfe aumenta o ritmo.
Ele avista uma mulher de costas. O mesmo lenço. O mesmo andar. Ela vira.

Uma enfermeira negra. Um sorriso educado. Não é Madson.

Rudolfe para. Inquieto. Incrédulo. O olhar varre o ambiente como radar. Mas não encontra nada.

Dentro do armário, escuro, Madson se encolhe entre panos de chão, produtos de limpeza e solidão. Sua respiração ofegante quase rompe o silêncio. O rosto colado à parede, suando.

Sua expressão mistura pavor, fúria e triunfo. Ela escapou. Mas sabe que não por muito tempo.

CORTA PARA:

 

CENA 9. HOSPITAL ALBERT EINSTEIN. ALA PSIQUIÁTRICA. INT. DIA

 

SONOPLASTIA — ANOTHER DAY IN PARADISE – CAT VS CAT & JOYNER  - INSTRUMENTAL

 

Um corredor clinicamente limpo. Gelo e vidro. As portas de vidro da ala psiquiátrica se abrem com um suspiro automático. Carlos e Vivi entram.

Vivi está rígida. Uma elegância pálida. O rímel borrado da noite anterior ainda resiste como símbolo de dignidade.

Na recepção, Helena, assistente social da ala, se levanta com gentileza.

HELENA - (doce, burocrática): Dr. Carlos, obrigada por não deixar a sua filha desamparada neste momento.

Ela lança um olhar sutil a Vivi, tentando decifrar o desconforto. Vivi sorri de canto, tentando parecer mais presente do que está.

Carlos hesita. Suspira. E, como quem larga uma bomba, solta com suavidade cirúrgica:

CARLOS – Carolina é a filha biológica de Olívia.

Helena demora meio segundo para reagir. A máscara de funcionária cordial treme por um instante. Ela apenas assente, como quem recebe um segredo antigo que sempre suspeitou.

VIVI - (interrompe, a voz trêmula) Eu posso vê-la?

Helena faz um gesto com a cabeça, compreensiva. Mas o silêncio que se segue é ensurdecedor.

A câmera se afasta lentamente. Vemos os três de longe, pequenos diante da parede envidraçada. Três figuras, três passados, três versões da verdade.

SONOPLASTIA SOBE LEVE.

CORTA PARA:

FIM

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