A INTRUSA - CAPÍTULO 28 - (25/09/2025)

  

A INTRUSA

CAPÍTULO 28

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI


CENA 1. HOSPITAL ALBERT EINSTEIN. QUARTO DE VIVI. INT. NOITE

A luz é baixa, envolta em penumbra. O quarto tem a frieza limpa de um hospital de elite, mas carrega, naquele momento, o calor de tensões pessoais à flor da pele. A porta ainda balança levemente do impacto emocional da cena anterior.

Vivi está sentada na cama, o olhar fixo no vazio, tentando recompor o que restou da serenidade. Marco Aurélio permanece de pé, próximo à porta, enquanto Daniel — ainda tomado pela emoção — respira fundo, tentando digerir o clima.

VIVI
Não está acontecendo nada, Marco Aurélio.

Daniel dá um passo à frente. A tensão entre ele e Vivi é quase física, densa, cortante. Ele olha diretamente nos olhos dela, machucado, mas ainda apaixonado.

DANIEL
Você tem certeza disso?

VIVI
(simples, seca)
Tenho.

Daniel sorri com amargura. Sua postura endurece, mas a voz ainda carrega resquícios de ternura.

DANIEL
Mesmo com a gravidez de Lívia e com ela constantemente rejeitando ele ele não vai desistir do amor deles.

Ele sai. A porta se fecha suavemente, deixando um silêncio pesado no ar.

Marco Aurélio se aproxima da cama com um cuidado que não é apenas físico — é emocional. O clima muda: é agora só entre os dois.

MARCO AURÉLIO = Você sente algo por Daniel?

VIVI – Não tenho.

O silêncio seguinte é profundo. Marco a observa com olhos penetrantes, buscando algo que vá além da superfície.

MARCO AURÉLIO
Daniel ama Carolina, não você.

VIVI
(concorda com a cabeça, sem hesitar)
Sim.

MARCO AURÉLIO - Eu amo você. Vivi. E quero ficar com você de verdade.

Vivi fecha os olhos por um instante, como quem quer fugir de tudo. Mas abre-os com firmeza.

VIVI - Eu tenho sentimentos por você... mas até que tudo seja resolvido e eu possa deixar de viver a vida de Carolina, eu não posso me aproximar de ninguém enquanto eu finjo ser quem não sou.

A última frase paira no ar como uma confissão dolorosa. Marco baixa o olhar, respeitando o limite. Ele segura a mão dela. É um gesto pequeno, mas carregado de sinceridade.

A câmera se afasta lentamente, deixando os dois emoldurados no quarto, numa espécie de bolha emocional, onde nada pode ser dito além do que já foi. A vida pulsa nas entrelinhas.

CORTA PARA:

CENA 2. SÃO PAULO. AMANHECER. EXT.

SONOPLASTIA — “AVE MARIA” – JOANNA

A cidade ainda dorme, mas há algo de sagrado no ar. O céu começa a clarear com uma delicadeza quase cinematográfica — tons azulados se fundem ao dourado tímido do sol que desperta por trás dos prédios da Avenida Paulista. O som de sinos ao longe pontua a melodia sagrada.

CORTA PARA:

CATEDRAL METROPOLITANA DE SÃO PAULO – FACHADA

A imponência da Catedral se impõe diante do nascer do sol. A câmera se aproxima em travelling lento, reverente. Fiéis começam a chegar em silêncio, como sombras devotas que brotam da madrugada. Um casal idoso faz o sinal da cruz. Uma criança acende uma vela. Há fé, há luto, há promessa.

A escadaria da Catedral é lavada por luz — a luz da redenção, da verdade que se anuncia. Um novo dia começa, mas algo pesa no ar: há segredos prestes a emergir. O silêncio da manhã é cheio de presságios.

CORTA PARA:

 

CENA 3. CATEDRAL METROPOLITANA DE SÃO PAULO. INTERIOR. DIA

 

A sonoplastia da cena precedente continua enquanto contemplamos a imensidão da Catedral abriga um silêncio solene. Vitrais antigos derramam cores sobre os bancos de madeira escura, onde a elite paulistana se reúne com falsa compostura. O clima é de tragédia grega — contido, ritualístico, mas com algo latente prestes a explodir.

O caixão de Lucinha repousa no altar principal, cercado por orquídeas brancas e coroas fúnebres de luxo. Uma foto da falecida em sua juventude reluz em moldura dourada, lembrando a todos da mulher que um dia foi luz — e agora, enigma.

Vivi, com os braços ainda enfaixados, está sentada ao lado de Marco Aurélio. A dor em seu olhar não é apenas pelo luto — é culpa, confusão e medo. Daniel, duas fileiras atrás, não tira os olhos dela. Para ele, ainda é Carolina. Para ela, a mentira pesa cada vez mais.

Valquíria surge como uma Odete Roitman de luto: chapéu com véu de renda, um tailleur preto imaculado, óculos escuros dentro da igreja. Ela observa tudo com um desdém aristocrático, como se enterrasse mais um incômodo do que uma amiga da família.

Cecília, discreta e triste, segura um lenço de linho. Ao seu lado, Carlos observa tudo como quem arquiva os gestos de cada um. Patrícia e Rubinho, mais à frente, estão visivelmente emocionados.

Laura — que todos conhecem como Selma — surge na lateral da nave. Está impecável, mas carrega um olhar gelado, ausente de emoção. Quando se aproxima do caixão, o clima muda. Ela abaixa o rosto, finge um gesto de oração e sussurra entre os dentes:

LAURA - (sussurrando) Que o diabo te receba de braços abertos...

Ela sorri, quase imperceptível, e retorna para seu lugar sem cruzar os olhos com ninguém. Patrícia, que observa de longe, estranha o gesto.

Vivi então se aproxima do caixão. Toca de leve a madeira polida. Sua expressão vacila, a emoção transborda. Ela fala baixo, apenas para Lucinha:

VIVI - Me perdoa por não ter acreditado em você.

Rubinho se aproxima em seguida, seus olhos marejados.

RUBINHO - Você foi o amor da minha vida. Vai ser pra sempre.

Patrícia segura sua mão, e ao se colocar diante do caixão, respira fundo, contida, quase orgulhosa.

PATRÍCIA -Adeus, mãe. E obrigada por tudo. Até pelas dores.

A música cresce, preenchendo cada fresta da catedral. O padre retoma a cerimônia, entoando versos em latim. O incenso sobe lentamente, como se os segredos da morte procurassem um caminho para o céu.

A câmera sobe, revelando toda a grandiosidade do templo, os fiéis imóveis, e o rosto sereno de Lucinha — agora, finalmente em paz. Ou talvez não. Há algo no ar que avisa: a verdade ainda não foi enterrada.

CORTA PARA:

 

CENA 4. CATEDRAL METROPOLITANA. EXT. DIA

Rudolfe está parado na multidão, vestindo um terno bem cortado, os olhos fundos pela dor. Ao seu lado, rostos enlutados. Uma figura reluzente surge entre as coroas de flores: Val Marchiori, elegante, teatral.

VAL MARCHIORI - Rudolfe, meus sentimentos... Estava fora do Brasil, mas senti tanto a falta da Madson nas aulas de natação.

RUDOLFE - (confuso) Natação? Madson não sabia nadar.

VAL MARCHIORI - (leve, quase rindo) Ah, ela aprendeu, meu bem. Era ótima! Nadávamos três vezes por semana, lembra?

Val desaparece entre os convidados. Rudolfe fica parado, tentando processar o que ouviu. Algo não fecha.

A câmera se desloca até Vivi e Marco Aurélio, que respiram aliviados perto de uma fonte lateral, em busca de ar puro após a cerimônia. O silêncio é quebrado por saltos batendo contra o mármore da catedral.

Lari Pacotão surge com um vestido preto justíssimo, luvas de renda e um véu mínimo, acompanhada de Armand, que ostenta um look vintage europeu, e perfume demais.

ARMAND - (sincero) Mi más profundo pésame.

VIVI - (educada) Obrigada, Armand.

LARI PACOTÃO - (sussurrando, em Pajubá leve) Mana, que bafão. Podemos trocar um xabú só entre as manas?

VIVI - (olha ao redor, assente) Claro, Lari.

LARI PACOTÃO - Bicha, cê acredita que a veia do Armand teve o siricutico de vir pra SP por causa desse enterro? Tô passadeeenha. A véia tá em looping com a morte da Lucinha. Mas, na moral, vamo falar sério: tu acha mesmo que o povo queria tombar a bicha errada?

VIVI - (olhos firmes) Não acho. Tenho certeza. A bala era pra mim.

LARI PACOTÃO - Então cola comigo: a mana que deu o passadão na Carolina deve tá no seu corre. (pausa) Fecha na minha: a próxima mana da fileira pode ser você.

VIVI - Eu vou descobrir quem é antes. Antes que ela tente de novo.

Nesse momento, vemos Laura, que todos conhecem como Selma, aproximando-se em silêncio. Ela começa a escutar a conversa com um meio sorriso, ficando a poucos metros.

VIVI - E a Madson, como tá lá no Rio?

LARI PACOTÃO - Ai, mana, tá ótima com a Nanny Who, dando close e jogando no carão. Mas real oficial? Tô tão na loucura que nem consegui dar a atenção que ela merece. Mas ela tá vivíssima, bicha. Em todos os sentidos.

Laura sorri discretamente ao fundo.

Corte seco para Rudolfe, que encara o túmulo ainda aberto. Laura se aproxima.

LAURA - Rudolfe, meus sentimentos. O balé brasileiro perdeu a sua estrela mais brilhante.

RUDOLFE - Obrigado…

LAURA - Mas sabe o que é estranho? Juro que vi uma mulher IGUAL à Madson no Rio… semana passada. Estava com ela. (aponta para Lari, que está com Vivi)

 O sangue de Rudolfe ferve. Ele não espera explicações. Avança feito um raio, segura o braço de Lari Pacotão com força.

RUDOLFE - (alterado) Onde está a minha mulher?

LARI PACOTÃO - Ai, mana, tira a pata! Tá me estrupiando!

ARMAND - (intervindo, tenso) - ¡Oye! ¡Suéltala ahora!

Armand empurra Rudolfe. Os dois trocam socos, empurrões. A multidão se assusta. Câmeras de celulares começam a gravar. Vivi tenta intervir.

RUDOLFE - (gritando, apontando para as duas) Lucinha está morta e se vocês estão forjando a morte da Madson, vão se juntar a ela!

Ele se afasta, em fúria. De longe, a delegada Clara assiste tudo, impassível, de braços cruzados na escadaria da catedral. Um close em Laura, sorrindo com gosto. Ela conseguiu o que queria: criou o caos perfeito.

LARI PACOTÃO - (ofegante, caindo no banco) Puta que pariu, mana isso aqui virou cena de filme da Lady Gaga.

VIVI - (eletrizada) Ele sabe de algo, deixamos um detalhe escapar.

LAURA - (sorriso vitorioso, quase sussurrando para si) Mais um passo, mais perto do fim.

CORTA PARA.

 

CENA 5. SÃO PAULO. EXT. DIA

 

SONOPLASTIA — “LES FILLES DÉSIR” – VENDREDI SUR MER

 

A cidade pulsa.
São Paulo, inquieta e orgulhosa, se exibe em detalhes: um helicóptero risca o céu cinza; um carrão preto desliza na Marginal; um casal se beija apressado na porta de um restaurante em Higienópolis; uma mulher elegante briga discretamente ao celular na calçada da Oscar Freire.

Tudo é movimento, luxo e tensão. A trilha eletrônica francesa dá um ar de erotismo e desdém, como se a cidade soubesse de todos os seus segredos — e os guardasse apenas por diversão.

A câmera sobe, gira e mergulha para revelar a fachada imponente da mansão dos Godoy Bueno: mármore claro, palmeiras perfeitas, um portão fechado como o coração de seus moradores.

Um silêncio elegante se impõe. O caos de fora para na porta.

CORTA PARA:

 

CENA 6. MANSÃO DOS GODOY BUENO. ESCRITÓRIO. INT. DIA

Luz filtrada por cortinas de linho. O escritório de Valquíria é uma extensão do seu ego: móveis de madeira nobre, tapeçaria persa discreta, livros de capa dura que nunca foram lidos. Há um cheiro de poder antigo no ar.

Valquíria, vestida em um conjunto Chanel bege, está sentada à frente da lareira apagada. Um copo de vinho branco repousa ao lado de um tablet com as notícias do dia. Ela ergue os olhos e sorri ao ver Isabella, que entra com o andar altivo de quem acredita que o mundo é pouco.

VALQUÍRIA - (abrindo os braços com sarcasmo contido) Que prazer ver você, Isabella. Ainda mais sabendo como detesta descer até o nosso solo tupiniquim...

ISABELLA -(virando os olhos) Esto es una tortura. Este país es una mezcla de ruido, sudor y gente que no sabe cerrar la boca. Pero vine porque no puedo permitir que ese matrimonio ridículo ocurra.

Valquíria se serve de mais vinho e a observa como quem vê uma aliada e uma ameaça ao mesmo tempo.

VALQUÍRIA - (rindo baixo) Então é verdade? A Lari Pacotão vai mesmo casar com o Armand?

ISABELLA - (séria, venenosa) No mientras yo respire. Esa travesti disfrazada de influencer jamás será parte de mi familia. Ya tengo un plan. Está en marcha.

Valquíria ergue a taça como quem brinda ao caos.

VALQUÍRIA - Aconselho que se apresse. O convite já chegou. Está todo bordado. De Paris.

Isabella se inclina na poltrona, cruza as pernas com elegância cruel e cospe mais uma pérola:

ISABELLA - Ellos tienen mi dinero y pésimo gusto. Como todos los que creen que el lujo es ostentación. Yo vengo de cuna.

As duas riem. Não há afeto, só prazer mútuo em destruir juntas.

CORTA PARA:

 

CENA 7. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA DE ESTAR. INT. DIA

A luz da tarde entra pelas enormes janelas da sala, revelando o luxo discreto da decoração: tons neutros, arte moderna nas paredes e taças de cristal cintilando como armadilhas.

Armand, trajando um linho bege impecável, gira a taça de vinho entre os dedos com prazer. Lari Pacotão, com um vestido preto de seda e botas de salto altíssimo, cruza as pernas com classe performática.

Vivi, que todos acreditam ser Carolina, está sentada próxima à lareira apagada, mais contida. Marco Aurélio, ao lado dela, parece atento a tudo — mas finge desinteresse.

ARMAND - (deliciado) Este vino es como un recuerdo de infancia. En mi casa, en Granada, mi abuelo tenía uno similar. Pero este es más... provocador.

MARCO AURÉLIO - (sarcástico, erguendo a taça) Se quiser, levo você até a minha adega. Mas aviso: lá embaixo os segredos são mais intensos que o vinho.

ARMAND - (ri com sofisticação) Entonces vamos. Los buenos secretos siempre merecen ser descubiertos.

Eles se afastam lentamente, deixando as duas mulheres a sós.

LARI = (bem-humorada, mas com algo de alerta no olhar)
Menina esse bofe me deu calor.

VIVI - (sem sorrir) Cuidado, Lari. Calor demais às vezes vira incêndio.

Antes que Lari possa responder, a empregada entra com discrição e anuncia:

EMPREGADA - Tem um rapaz lá fora, o Rubinho.

Rubinho entra, ainda vestindo o luto como armadura. Ele abraça Vivi com força — o abraço é de desespero e confusão. Em seguida, aperta a mão de Lari, que observa com desconfiança gentil.

VIVI - (séria) Rubinho, o que você está fazendo aqui?

RUBINHO - (olhos firmes) Eu acho que o que a Lucinha descobriu tá naquele notebook e te envolve, Carolina. Eu ainda não entreguei pra polícia.

LARI - (com leve incredulidade) Mas por quê?

RUBINHO - (seco, decidido) Porque eu quero matar quem fez isso. Com as minhas próprias mãos.

O silêncio cai como um golpe. Vivi o encara.

VIVI - (baixa, firme) Você precisa entregar isso à delegada. Isso é muito sério.

RUBINHO - (inflexível) Mais sério ainda é o que ela sofreu. E ninguém vai ficar impune. Nem que eu tenha que ir até o inferno pra buscar esse desgraçado.

Enquanto a tensão cresce, a câmera se desloca lentamente para o fundo da sala. Entre sombras e colunas de mármore, uma silhueta se destaca: Laura, está escondida, ouvindo tudo, estática. Seu olhar denuncia o inesperado: ela pode ter deixado uma ponta solta — e isso, para Laura, é inaceitável.

O sangue deixa seu rosto. Mas seus olhos brilham.

CORTA PARA:

FIM

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