O PREÇO DA VIDA - CAPÍTULO 08 (10/10/2025)

 


O PREÇO DA VIDA 


criada e escrita por: Luccas Sanza 


Capítulo 08


CENA 01. PENSÃO DE CLARA. SALA. INT. NOITE.


Júlio fica estático. O sangue parece sumir do rosto. Na entrada, Edna — a mãe — surge com um sorriso cansado, mas cheio de ternura. Atrás dela, Fabinho equilibra duas malas e observa o amigo, meio sem jeito.


EDNA — Não vai me convidar pra entrar, filho? Hein?


JÚLIO — (ENGASGADO) Cla... claro, mãe. Que surpresa... ver a senhora aqui.


Edna entra devagar, observando cada canto da sala. A câmera acompanha o olhar dela: paredes simples, cheiro de comida, o rádio chiando um samba antigo.


Um ambiente modesto — mas acolhedor.


FABINHO — (TENTANDO ALIVIAR O CLIMA) Falei pra ela esperar, Júlio, mas cê conhece a dona Edna… Quando bota uma coisa na cabeça, não tem quem tire.


EDNA — (RINDO) Ah, Fabinho... eu só quis ver meu filho. Um mês longe e sem notícia!


Você me promete que vai trabalhar no Rio e depois some… Como é que uma mãe não se preocupa?


Júlio força um sorriso, evitando o olhar dela. O rosto dele está tenso, os olhos marejados.


JÚLIO — Eu... só tava resolvendo umas coisas, mãe.


EDNA — Resolvendo o quê, Júlio? Você disse que ia vir pro Rio pra conseguir o dinheiro da minha cirurgia. Que já tinha emprego certo, que tava tudo encaminhado.


Silêncio. O som da chaleira apitando na cozinha preenche o espaço.


EDNA — (MAIS SUAVE, COM TERNURA) Eu sei que não é fácil... mas não precisava se virar sozinho assim. Esses pólipos me atrapalham pra falar, pra cantar… Mas eu ainda sou tua mãe, meu filho. Não queria que você se matasse por minha causa.


A câmera se aproxima do rosto de Júlio.


Ele segura as lágrimas, tentando conter o nó na garganta.


JÚLIO — (BAIXO, QUASE SUSSURRANDO) Eu não tô me matando, mãe. Tô só... tentando fazer o que posso.


Edna o encara — há carinho, mas também uma pontada de desconfiança.


EDNA — (SÉRIA) E o que é, exatamente, que você anda fazendo?


Antes que ele responda, Clara aparece no vão da porta, enxugando as mãos no avental.


CLARA — Tá tudo bem, Júlio?


JÚLIO — (RÁPIDO) Tá sim, Clara. Essa é minha mãe, dona Edna. E o Fabinho, a senhora já conhece.


CLARA — (GENTIL) Prazer, dona Edna. Seja bem-vinda.


EDNA — (EDUCADA, DISFARÇANDO O DESCONFORTO) Prazer, minha filha.


CLARA — O jantar tá quase pronto. Se quiserem se acomodar, tem mesa posta lá dentro.


Clara volta pra cozinha. Edna acompanha o movimento com o olhar, desconfiada.


EDNA — Então é aqui que você tá morando? Uma pensão...



JÚLIO — É, mãe. A Clara é madrinha do Fabinho. Me ajudou quando eu cheguei.



EDNA — (ARQUEANDO A SOBRANCELHA) Ah... entendi.


Um silêncio espesso toma conta da sala.


Fabinho pega as malas e segue pro quarto, deixando mãe e filho a sós.


EDNA — (BAIXO, PORÉM FIRME) Júlio... você tá mesmo trabalhando, né? Nada errado... me promete.


Júlio segura o olhar dela por um instante.


O peso do que ele esconde é quase visível.


JÚLIO — (MENTINDO COM DOÇURA) Tô, mãe. Tá tudo certo. Eu prometo.


Edna o abraça, aliviada. Mas o rosto de Júlio, visto por trás do ombro dela, é um retrato de culpa.


A câmera fecha devagar no olhar dele — vazio, distante. O som do rádio aumenta, tocando um samba antigo de fundo.


Corte para:


CENA 02. PENSÃO DE CLARA. QUARTO DE CAMILLA. INT. NOITE.


O quarto está silencioso, abafado.


O ventilador gira devagar no canto, rangendo a cada volta, como se o tempo passasse mais lento ali dentro. Camilla está sentada na beira da cama, inquieta, as mãos apertadas entre os joelhos. Mel está de pé, encostada na parede, tentando entender o que acabou de ouvir.


MEL — Camilla… você tá me deixando nervosa. Quem é o pai, afinal?


Camilla demora pra responder. O olhar perdido, a respiração presa no peito. Ela abre a boca, hesita — e finalmente deixa escapar:


CAMILLA — O pai… é o Júlio.


Silêncio. Um silêncio espesso, quase sufocante.


O ventilador range mais uma vez, e o som parece ecoar pelo quarto inteiro.


MEL — (SURPRESA, MAS CONTIDA) O Júlio? O Júlio da pensão? Cê tá dizendo que… é ele mesmo?


Camilla levanta o olhar, com os olhos marejados, a voz trêmula.


CAMILLA — É ele, Mel. Eu juro. Eu tentei não acreditar, tentei negar pra mim mesma… mas eu sei. Eu sinto. E agora eu tô com medo… um medo que eu não sei nem explicar direito.


Mel se aproxima devagar, sem tirar os olhos dela.


MEL — Medo de quê? De ele não querer saber?


CAMILLA — De ele me rejeitar.


De olhar pra mim e não ver um filho — ver um peso. Eu sei o que é crescer com o vazio de um pai que vira as costas, Mel.


Eu vivi isso. Minha mãe passou a vida esperando um homem que nunca voltou. E agora… eu tô apavorada com a ideia de reviver isso tudo.


Ela segura a própria barriga, como se tentasse se proteger.



CAMILLA — Eu olho pra esse bebê e só penso que eu não posso deixar ele sentir o que eu senti. Mas o Júlio… Ele é um mistério. Sempre parece que tá escondendo alguma coisa. Às vezes, quando ele sorri, parece que por trás tem um abismo. E se ele descobrir e sumir, Mel? E se ele disser que não quer?


Mel suspira fundo, tentando pensar.


A tensão é tanta que até o ar parece mais quente.


MEL — (FALA LONGA, TENTANDO ACALMÁ-LA) Camilla, o Júlio é cheio de coisa que a gente não entende, é verdade. Mas ele não é cruel.


Ele tem um jeito torto, mas tem coração.


E, olha… se você esconder isso dele, vai carregar esse medo pro resto da vida. Você precisa contar.


Mesmo que doa, mesmo que ele não saiba reagir.


Porque você não tá sozinha — nem agora, nem depois.



Camilla respira fundo, lutando contra as lágrimas. O som do ventilador continua girando, ritmado, como um relógio impaciente.



CAMILLA — (BAIXA, QUASE SEM VOZ) E se ele disser que não quer esse filho?



MEL — (FIRME, OLHANDO NOS OLHOS DELA) Então ele vai ter que aprender a querer.


Porque esse filho existe. E você não vai deixar ninguém fazer você se sentir errada por isso.



Camilla fecha os olhos por um instante.


Uma lágrima escapa. Ela sussurra, com a voz embargada:



CAMILLA — Eu só queria que ele me olhasse… e visse amor. Não arrependimento.



A câmera se aproxima devagar do rosto dela, captando o brilho das lágrimas sob a luz amarela do abajur. O som do ventilador domina a cena.



Corte para:



ABERTURA (sonoplastia: Caju - Liniker, tema de Julio e Camilla)



CENA 03. PENSÃO DE CLARA. QUARTO DE CAMILLA. INT. DIA.


A sonoplastia da abertura ainda ecoa ao fundo — um piano distante, quase sussurrado. A luz do abajur amarela o quarto, criando sombras suaves nas paredes. O ventilador gira lento, fazendo o tempo parecer arrastar. Camilla está sentada na beira da cama. O olhar fixo no chão. As mãos inquietas.



Som. Batidas leves na porta. Ela demora um segundo antes de responder.


CAMILLA — Pode entrar.


A porta se abre. Júlio entra devagar, o rosto cansado, hesitante. Ele fecha a porta com cuidado, como se tivesse medo de acordar o silêncio.


JÚLIO — Clara disse que cê queria falar comigo… (BAIXO) Tá tudo bem?


Camilla levanta o olhar. Os dois se encaram.


Há algo preso entre eles — um ar de coisa não dita.


CAMILLA — Depende do que você chama de “tudo bem”.


Júlio dá um passo pra frente, preocupado.


JÚLIO — Aconteceu alguma coisa?


Camilla respira fundo. A voz sai baixa, quase um sussurro.


CAMILLA — Você lembra daquela noite? Aquela noite… em que tudo aconteceu entre a gente.


Júlio engole seco, o olhar se perde por um instante.


JÚLIO — Lembro.Como eu esquecer?


Camilla tenta sorrir, mas o sorriso morre antes de nascer.


CAMILLA — Desde aquele dia, minha cabeça não parou um segundo. Eu tentei fingir que não significou nada, que foi um momento… que a gente se deixou levar. Mas não foi só isso. Não pra mim.


Silêncio. O ventilador range. O som parece mais alto.


CAMILLA — E agora… tem uma coisa que eu preciso te contar.


Ela hesita. O olhar se perde. A respiração treme.


CAMILLA — Eu tô grávida, Júlio.


Júlio congela. A respiração falha. O tempo parece parar.


JÚLIO — (GRAVE, BAIXO) O quê?


CAMILLA — Eu tô grávida. Fiz o teste, mais de um. Todos deram positivo. E eu… tô completamente perdida.


O olhar dele vacila. Ele dá um passo pra trás, depois outro pra frente — sem saber o que fazer com o corpo.


JÚLIO — Meu Deus… (UM SILÊNCIO) Cê tem certeza?


CAMILLA — Tenho. E… eu sei o que você pode estar pensando. Mas eu não tô te cobrando nada, Júlio. Eu não tô aqui pra te obrigar a nada. Eu só não aguentava mais carregar isso sozinha.


A voz dela embarga. Ela continua, firme, mas com o coração exposto.


CAMILLA — Eu tenho medo, sabe? Medo de você olhar pra mim e ver um problema. Medo de você me virar as costas. Porque eu sei como é crescer sem pai.


Eu vi o que isso fez com a minha mãe, e… eu nunca quis repetir essa história. Mas parece que o destino gosta de brincar com a gente. Ela faz uma pausa. O ar parece pesado.


CAMILLA — Eu só queria que você soubesse. Que você ouvisse de mim. Porque, por mais confuso que tenha sido, aquela noite foi real. E eu senti algo de verdade.


Júlio abaixa a cabeça, respira fundo. Depois, lentamente, se aproxima.


JÚLIO — Camilla… (VOZ FIRME, MAS COM O PEITO APERTADO) Eu não sou o tipo de cara que foge. Eu posso tá cheio de erro, cheio de coisa mal resolvida… Mas eu não vou fingir que nada disso aconteceu. Eu não vou virar as costas pra você, nem pra esse filho.


Camilla o encara, emocionada.


CAMILLA — Cuidado com o que você promete, Júlio.


O mundo pesa diferente quando a gente tem alguém pra proteger.


JÚLIO — Eu sei. Mas eu quero tentar. Mesmo com medo. Mesmo sem saber como. Porque, desde aquela noite, eu não consegui parar de pensar em você.


Ela o encara, e os olhos dela marejam.


Por um instante, os dois se aproximam, quase se beijam. Mas Camilla vira o rosto, recuando.


CAMILLA — Não… não agora. Eu tô confusa. Preciso entender o que sinto, o que quero. E o que a gente vai fazer.


JÚLIO — Tá tudo bem. Eu espero.


Eles ficam em silêncio.


Um silêncio cheio de tudo que não conseguem dizer.


Júlio se levanta, encara ela uma última vez.


Som. A porta se fecha devagar.


Camilla permanece ali.


Olha pro vazio, depois apoia a mão sobre o ventre. O som do ventilador continua — constante, hipnótico. A câmera se aproxima, lenta, até o olhar dela.


Corte para:


CENA 04. COPACABANA PALACE. SUÍTE PRESIDENCIAL. INT. DIA.


Luz baixa, avermelhada. Um sax suave toca ao fundo. A câmera se aproxima de Odila, envolta em um robe preto de seda, deixando parte do ombro à mostra. Ela segura uma taça de vinho tinto — o reflexo do líquido desliza pelo vidro com a mesma lentidão do seu sorriso.


ODILA — Tô com saudade... não vai vir aqui, não? Hein, Júlio?


JÚLIO (voz no telefone) — Claro, meu amor... só vou avisar a minha mãe que preciso resolver um negócio... e já tô indo aí, minha princesa.


Odila encosta a taça nos lábios, olha para o espelho e sorri de canto — provocante. Um gole, um suspiro.


Corte para:


PENSÃO DE CLARA. CORREDOR


A câmera acompanha Júlio de costas, ele guarda o celular devagar no bolso, o rosto dividido entre o desejo e a culpa. Atrás da parede, meio oculta na penumbra, Edna observa — o olhar firme, traído, respirando fundo para não ser ouvida.


A tensão cresce. A trilha some. Só o som do coração de Edna — seco, acelerado.


CORTE RÁPIDO — FIM DO CAPÍTULO


A novela encerra seu oitavo capítulo ao som da sonoplastia: At lass - Etta James (Tema de Odila)





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