A INTRUSA
CAPÍTULO 33
UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI
CENA 1. FACHADA DO PRÉDIO DE LUCINHA – JARDINS. EXT. NOITE
SONOPLASTIA — “DO I WANNA KNOW?” – ARCTIC MONKEYS – INSTRUMENTAL
A rua é uma das discretas dos Jardins — sofisticada e silenciosa, mas com aquela tensão noturna típica de São Paulo. Os postes projetam sombras alongadas nas calçadas de paralelepípedo, e o som distante de uma ambulância corta a noite abafada. Choveu há pouco; o asfalto ainda brilha úmido sob os faróis ocasionais.
Laura — com o vestido vermelho da noite anterior, maquiagem borrada e os cabelos revoltos como uma musa decadente — tropeça até seu carro estacionado na calçada. Ela ri sozinha, um riso bêbado e vazio, como se estivesse saindo de uma peça que ela mesma protagonizou e não lembra mais o final.
Abre a porta, joga a bolsa no banco do passageiro e entra. Fecha a porta com força. Por um instante, tudo silencia.
Ela se encara no espelho retrovisor, ajeita o batom borrado com o dedo e murmura:
LAURA - (sorrindo, insana) A rainha da Augusta sobreviveu a mais uma noite. Quem diria...
De repente, uma sombra se movimenta atrás dela.
Antes que consiga reagir, braços fortes a puxam para trás pelo pescoço. Uma gravata fina se aperta em sua garganta. Laura engasga, chuta, raspa as unhas nos bancos, tenta gritar, mas só consegue emitir um som sufocado. Seus olhos se arregalam. O vidro embaçado do carro treme com a luta.
A câmera se move lentamente para revelar o rosto do homem no banco de trás.
É Serpentina. Frio. Preciso. Quase sereno, como quem cumpre uma obrigação chata antes do jantar. Ele não fala. Apenas observa os olhos de Laura se esvaziarem.
A respiração dela começa a falhar.
A música cresce em intensidade. O som da guitarra se distorce num lamento elétrico.
Laura solta um último suspiro e sorri, como se entendesse tudo — e zombasse da morte.
SERPENTINHA - (sussurrando no ouvido dela) Shhh é só dormir, estrela. Tá na hora do seu fim.
Mas Laura, mesmo asfixiada, nunca se entrega fácil. Num impulso desesperado, alcança a alavanca do banco. Com um golpe de corpo, o encosto cai pra trás, afrouxando o fio em volta do pescoço.
Laura arfa. O pescoço vermelho. Ela vira de lado com uma rapidez felina e, do porta-objetos lateral, saca um pequeno revólver. Bate com a coronha no rosto de Serpentinha. Sangue escorre do supercílio dele.
LAURA - (rindo, tossindo, com a voz rouca) Parece que o jogo virou, né, meu amor?
Ela aponta o revólver, trêmula mas decidida, direto para a testa dele.
LAURA - (gritando) Fala quem te mandou, porra! Fala ou eu juro que te deixo igual pastel de feira: aberto na lateral!
SERPENTINHA - (cuspindo sangue) Vai se foder.
LAURA - (engatilhando a arma) Última chance, cobra mansa.
SERPENTINHA - (gritando) Valquíria! Foi Valquíria!
Laura abre um sorriso que mistura prazer e fúria. Uma loba saciada.
LAURA - (balançando a cabeça) Ai, Val, Val, Val (vira a arma pro ombro dele) Manda um beijo pra aquela cachorra.
O tiro seco perfura o ombro de Serpentinha. Ele grita. Laura abre a porta de trás e o empurra pra fora como um saco de lixo. Ele rola pela calçada de paralelepípedo, sangrando.
Laura respira fundo, arruma o cabelo no espelho, limpa a lágrima misturada com suor. Pisa no acelerador.
LAURA - (falando sozinha) Gente eu sou muito gostosa. E inteligente. Isso que é o problema: não dá pra ser as duas coisas. (dá um tapa no volante e ri) Amo ser eu.
O carro parte, deixando atrás de si um rastro de fumaça e caos.
CORTA PARA:
CENA 2. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE MARCO AURÉLIO E CAROLINA. INT. NOITE
SONOPLASTIA – YO NO SÉ MAÑANA – LUIS ENRIQUE
Marco Aurélio está de pijama, sentado na poltrona com um livro esquecido no colo. A iluminação é quente, discreta, envolvente. O som distante da cidade noturna filtra-se pela janela entreaberta. O silêncio da mansão é quase sagrado.
A porta se abre sem aviso. Vivi entra. Os olhos marejados, a respiração curta, o corpo ainda trêmulo. Ela não diz nada — apenas se aproxima e o abraça com força. Marco a envolve nos braços, instintivamente. Ela esconde o rosto no peito dele, como se ali pudesse parar o tempo.
MARCO AURÉLIO - (baixo, protetor) O que foi? O que houve com você?
Vivi respira fundo. A voz sai embargada, entrecortada por emoção e alívio.
VIVI - Eu vi a minha mãe. A Olivia. Ela me reconheceu. Me chamou de Vivi e eu soube, naquele instante. Não sou Carolina. Nunca fui. Eu sou a filha dela. A irmã da Carolina. E ninguém entendeu. Mas eu entendi tudo.
Marco aperta ainda mais o abraço. Fecha os olhos. Compreende mais do que ela imagina. Fica em silêncio por um tempo, apenas sentindo o peso e a leveza do momento.
MARCO AURÉLIO - (pausado, suave) Você não está sozinha.
A canção cresce, preenchendo o espaço entre os dois. Os olhos de Vivi se encontram com os dele. Um olhar longo, demorado. Denso de memória e de desejo contido. Nenhum dos dois fala. Não há mais necessidade de palavras.
Ele a beija. Primeiro com hesitação. Depois, com entrega. O beijo se aprofunda. Ela corresponde. A entrega vem como se não houvesse amanhã. Como se aquele instante fosse o único real.
Marco a guia para a cama. Ela se deita, ele a segue. A câmera acompanha seus movimentos com delicadeza. As roupas vão caindo como véus. A música mistura-se com a respiração. O lençol os cobre com poesia, não pudor.
A noite envolve os dois. O amor deles não é de conto de fadas — é feito de dor, descoberta e redenção. É uma dança silenciosa de dois corpos que finalmente se reconhecem. Um momento arrebatador, belo, humano.
A luz vai diminuindo. Só resta o som do coração — e da música que canta o amanhã incerto.
CORTA PARA:
CENA 3. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA DE ESTAR. INT. NOITE
SONOPLASTIA — “EU SEI QUE VOU TE AMAR” – MAYSA
A vitrola gira lentamente no canto da sala, exalando a melodia nostálgica. As luzes estão baixas, refletindo dourado sobre o mobiliário clássico e sobre o copo de cristal que Daniel segura com firmeza. Ele está largado no sofá, o olhar perdido, os olhos marcados pelo cansaço e pela angústia.
Isabella surge na porta, felina. Seu salto ecoa levemente no mármore. Ela veste um robe leve sobre o pijama de seda e carrega no rosto a serenidade perigosa de quem nunca diz tudo o que pensa.
ISABELLA - (voz baixa) ¿Estás bien, Daniel?
Daniel dá uma risada seca, amarga.
DANIEL -(debochado) Tô ótimo. A vida virou um campo minado e eu tô descalço.
Isabella caminha até o bar, serve-se de um licor e o leva aos lábios com elegância calculada.
ISABELLA - (olhos nos dele) Nada es tan malo que no pueda empeorar.
Daniel sorri com os cantos da boca, vencido.
DANIEL - (concordando) Não é que você tem razão?
Ele termina o uísque de um gole e se levanta.
DANIEL = Eu vou dormir. Antes que alguma coisa exploda.
Ele sai. A música segue. Isabella observa Daniel subir as escadas. Então, muda completamente.
De dentro do bolso do robe, ela puxa uma luva cirúrgica e a veste com delicadeza. Depois, cuidadosamente, recolhe o copo de Daniel e o coloca dentro de um saco plástico, lacrando-o com precisão.
Seus olhos brilham. A serenidade vira tensão contida.
ISABELLA - (baixo) Estás brindando con el infierno, mi amor.
A música termina com a vitrola estalando em silêncio.
CORTA PARA:
CENA 4. MANSÃO DOS MONTESINOS. SALA DE ESTAR. INT. NOITE
SONOPLASTIA — “INSENSATEZ” – TOM JOBIM – INSTRUMENTAL
Cecília está sentada no sofá de couro branco como uma viúva de si mesma. Os olhos afundados, as mãos apertadas entre os joelhos. Ao fundo, a sala está em penumbra, com um único abajur lançando uma luz amarela sobre o tapete persa. O tic-tac do relógio antigo parece zombar do silêncio.
A porta se abre e Carlos entra. O cansaço nos ombros, a tensão na mandíbula. Ele observa Cecília por um instante antes de falar.
CARLOS - (voz firme, quase dura) Fomos ver Olivia. Eu e Carolina. (pausa, crava o olhar nela) E ela a reconheceu, só não sabia o seu nome ao certo, a chamou de Vivi. (sorri) Cecília, é como se o tempo não tivesse passado. Ela sabe que é a mãe.
CECÍLIA - (sem fôlego, surpresa) Isso é loucura. Você está tentando apagar a culpa pela morte da Lívia com esse delírio de novela das oito?
CARLOS - (aproximando-se, amargo) Não fale da Lívia. Você não tem esse direito. (raiva contida) Você fingiu não ver os surtos, os gritos, a dor da nossa filha. Estava ocupada demais mantendo a pose de esposa perfeita.
CECÍLIA - (erguendo-se, fuzilando-o) E você estava onde, Carlos? Nas reuniões? Nos congressos? Com as suas residentes?
CARLOS - (grita) Eu não a abandonei! Quem não a ouviu foi você! Quem calou a dor dela foi você!
Um silêncio tenso. Cecília chora, mas com ódio nos olhos.
CECÍLIA - (voz baixa, venenosa) Você sempre teve a obsessão por consertar tudo. Olívia é só mais um conserto, não é? Um jeito de se perdoar. Mas o buraco é mais fundo, Carlos. Muito mais fundo.
Carlos respira fundo, como se segurasse o próprio abismo. Depois caminha até a porta.
CARLOS - (antes de sair) Talvez seja. Mas pelo menos eu ainda tenho coragem de olhar no espelho.
Ele sai, deixando Cecília sozinha, cercada por sombras, remorso e uma vitrola que insiste em tocar o que resta do amor.
CORTA PARA:
CENA 5. MANSÃO DOS GODOY BUENO. JARDIM. INT. NOITE
SONOPLASTIA — “MON MANÈGE À MOI (TU ME FAIS TOURNER LA TÊTE)” – ÉTIENNE DAHO
A música gira como uma caixinha de música quebrada, lançando sua melancolia adocicada sobre um cenário devastado. A estufa da mansão está em ruínas — vidros partidos, plantas tombadas, uma orquídea resiste em flor no caos. A noite é densa, úmida, carregada de tensão.
Valquíria está parada diante dos destroços, imóvel, vestida num robe de seda escuro, os olhos fixos em algo que não está ali — talvez no passado, talvez no futuro. O silêncio é cortado por passos.
Serpentinha surge, o braço direito enfaixado com um curativo grosso. O rosto está suado, mas o sorriso tenta manter a pose. Ele para a alguns metros dela.
SERPENTINHA - Ela escapou. Me pegou de surpresa. É mais rápida do que parece e tá completamente fora de si.
Valquíria vira-se devagar. O olhar é glacial.
VALQUÍRIA = (sem emoção) E você mais lento do que eu pensava.
Ele engole em seco, se aproximando. Sabe que não está em posição de se defender.
SERPENTINHA - Eu quase matei ela. Um segundo a mais e (pausa) Mas não adiantava. Aquela mulher tem o diabo no corpo.
Valquíria se aproxima. Seus olhos brilham com fúria contida.
VALQUÍRIA - Você está me dizendo que Laura, aquela desequilibrada, agora sabe que eu mandei matar ela?
SERPENTINHA - (pausa) Sim.
Ela fecha os olhos por um segundo. Inspira, expira. Depois, abre os olhos e crava nele com sarcasmo frio.
VALQUÍRIA - Se você não fosse tão gostoso, eu te matava agora mesmo.
Ela puxa Serpentinha pela gola e o beija, intensa, como se o sangue que quer derramar pudesse ser adiado por uma dose de luxúria.
Eles se agarram ali mesmo, entre os restos da estufa e os vidros partidos. O beijo é sujo, apaixonado, perigosamente tóxico. Marcos e Laura em “Celebridade”, mas sob o olhar de Odete Roitman — tudo é paixão e manipulação.
Valquíria sussurra no ouvido dele, já entre risos.
VALQUÍRIA - Agora vai. Encontre ela. E termina o que começou. Da próxima vez, mira no coração.
Ela o empurra com um tapa suave no rosto e vira as costas. Serpentinha a observa por um segundo, encantado e assombrado. Depois, desaparece pela trilha do jardim, engolido pela noite.
CORTA PARA:
CENA 6. SÃO PAULO / RIO DE JANEIRO. EXT. AMANHECER
SONOPLASTIA — PADAM PADAM – KYLIE MINOGUE
O céu começa a clarear lentamente, tingido por tons suaves de lilás, rosa e dourado. A cidade de São Paulo desperta sob um silêncio preguiçoso, quebrado apenas pelo som distante de um ônibus passando e o canto tímido dos primeiros pássaros. Os prédios dos Jardins se banham nessa luz nova, fria, revelando as cicatrizes de uma noite que ninguém esquecerá.
O Rio de Janeiro. A orla de Copacabana surge quase mística sob a névoa tênue que cobre o mar. As ondas lamem a areia vazia enquanto as luzes dos postes ainda resistem ao sol. O Pão de Açúcar ao fundo é uma sentinela silenciosa. A cidade respira, ainda sem saber dos horrores que amanheceram em São Paulo.
Um novo dia começa — e com ele, o peso das verdades enterradas na noite anterior.
A música cresce. O sol rasga o horizonte.
CORTA PARA:
CENA 7. CONFEITARIA COLOMBO. INT. DIA
A luz dourada da manhã invade o salão da centenária Confeitaria Colombo através dos vitrais altos e coloridos, espalhando reflexos suaves sobre o chão de ladrilhos geométricos e o mármore reluzente das colunas. O ar é preenchido por um burburinho elegante — turistas endinheirados, senhoras com colares de pérolas, empresários lendo jornais franceses. Ao fundo, uma música instrumental toca Debussy, quase inaudível. Tudo parece no lugar certo — exceto o que se passa na mesa do canto.
Marcos, de camisa branca levemente amarrotada, observa com inquietação a mulher à sua frente. Ela mexe o café devagar, quase em círculos hipnóticos, o rosto sério demais para uma manhã tão bela. É Madson, embora todos acreditem que se chame Sofia. O olhar dela carrega um peso antigo — como quem dança com fantasmas.
MARCOS - (voz baixa, gentil) Esse silêncio. Ele diz mais do que você imagina. (pausa) Por que esse rosto de exílio, Sofia?
Madson fecha os olhos por um instante. Inspira. E, quando abre, é como se algo dentro dela tivesse se partido e renascido, ao mesmo tempo. Ela ergue o olhar e o encara — os olhos úmidos, mas determinados.
MADSON - (suave, mas cortante) Meu nome não é Sofia. (pausa) É Madson.
Marcos franze a testa, surpreso. Ela continua, agora como quem se despe de um véu pesado.
MADSON - Sou bailarina. Das boas. Das que dançavam como se o corpo fosse o único idioma possível. (engole seco) Fui casada com um homem chamado Rudolfe. Um coreógrafo francês. Premiado. Famoso. E um monstro nos bastidores. (suspiro trêmulo) Ele me violentava com palavras e com mãos. Me quebrou por dentro — e às vezes por fora também.
Marcos permanece em silêncio, mas há uma comoção real em seus olhos. Madson prossegue, agora sem volta.
MADSON - Ninguém teria acreditado em mim. Nunca acreditam na mulher negra contra o homem branco, rico, com sotaque parisiense e passaporte europeu. (olha pela janela, a cidade pulsa lá fora) Então eu morri. (olha para ele) Ou fingi morrer. Para ter alguma chance de viver.
Um silêncio quase sagrado toma a mesa. Os talheres tilintam à distância. MARCOS, ainda atônito, inclina-se para frente. A voz é baixa, íntima.
MARCOS - Você não fugiu. Você sobreviveu. E isso exige uma coragem que poucos têm.
Ele estende a mão sobre a mesa. Ela hesita por um segundo — depois entrelaça os dedos aos dele. Um gesto mínimo, mas com o peso de uma revolução.
MARCOS - (continuando) Tenho uma casa em Paraty. Pequena, simples, mas cercada de mata e silêncio. A gente pode ir pra lá. Só nós dois. Sem perguntas, sem passado. Pelo tempo que você quiser.
Madson sorri, pela primeira vez, um sorriso pequeno, cansado, mas real. Há uma paz breve naquele instante — tão frágil quanto necessária.
Ao fundo, a porta de entrada se abre com o discreto tilintar de um sino. Rudolfe entra. O terno de linho claro, os óculos escuros, o andar seguro de quem está habituado a ser temido. Ele para, como atingido por uma lâmina invisível. Vê Madson. Vê a mão dela entrelaçada à de outro homem. O corpo se enrijece. Um segundo de incredulidade. Depois, a cólera muda, um vulcão prestes a romper. Ninguém o nota ainda.
Marcos e Madson continuam conversando, alheios à presença que acaba de se instalar no ambiente como uma sombra que ainda não foi percebida.
CORTA PARA:
CENA 8. MANSÃO DOS GODOY BUENO. QUARTO DE HÓSPEDES. INT. NOITE
A iluminação é quente, meio kitsch, misto de aconchego e exagero. Almofadas brilhantes, uma vela escorrendo cera sobre um castiçal de cristal, incenso queimando num canto. A TV está ligada no mudo, exibindo um desfile antigo da Dzi Croquettes.
Lari Pacotão está estirada na cama de linho branco, robe de cetim preto com plumas nas mangas, cabelos enrolados em bobs dourados. Ela segura o celular colado à orelha com a mão que não segura uma taça de espumante.
LARI — (rindo alto) Mana, tu acha mesmo que Madson vai conseguir ficar quieta no café da manhã com aquele boy? Se ela não pular no cangote dele, eu me chamo Tereza Cristina!
Na outra ponta da linha, Nanny Who está no apartamento delas, no sofá de veludo rosa, com um turbante de oncinha e olhos marejados. A voz sai mais grave do que de costume, quase rouca de emoção.
NANNY — Eu falei pra ela ir embora com ele, Pacotão. Longe. E mais: eu confio nele. Confio com minha vida.
Lari se endireita. O riso murcha. A sobrancelha arqueia como se farejasse algo no ar.
LARI — Confia é? Mas tu não confia nem na tua sombra, bicha. Por que esse bofe?
Silêncio. Um longo respiro. Nanny fecha os olhos antes de soltar:
NANNY — Porque ele é meu filho.
O tempo congela. A espumante treme na taça de Lari.
LARI — TÁ MALUCA? COMO ASSIM?
NANNY — (baixo, como se contasse pra si mesma) Tive ele antes de ser Nanny Who, quando ainda era o Luisão, casado com a Mercedes, lá no Méier. A costureira da Rua da Feira. Ele era um bebê, Pacotão. E eu fugi. Fugi pra virar eu.
Lari se senta lentamente, tocada, os olhos já marejados.
LARI — E ele sabe?
NANNY — Não. E não posso contar. Não sei o que ele vai pensar de mim. Que eu abandonei. Mas era isso ou morrer por dentro. Então, por enquanto, o melhor que posso fazer é torcer por ele. De longe. Como sempre fiz.
Lari leva a taça aos lábios, segura. Uma lágrima escapa. Ela sorri com ternura.
LARI — Mana, tu é uma mãe foda. Uma mãe viada, sim. Mas foda. E ele vai saber disso um dia.
NANNY — (com um meio sorriso e a lágrima escorrendo) Tomara, Pacotão. Tomara.
A câmera recua. As vozes seguem ao fundo, em pajubá suave, como uma língua secreta entre irmãs. A luz da vela dança como o coração de uma mãe em silêncio.
CORTA PARA:
CENA 9. MANSÃO DOS GODOY BUENO. ESCRITÓRIO. INT. DIA
SONOPLASTIA — “ANOTHER DAY IN PARADISE” – CAT VS CAT & JOYNER – INSTRUMENTAL
A música ecoa suave, contrastando com a gravidade que paira no ar. A sala está mergulhada em uma luz fria de fim de tarde. O silêncio é denso, preenchido apenas pelo tique-taque de um relógio antigo. Marco Aurélio, de pé diante da janela, observa o jardim com o cenho franzido. Patrícia, sentada, mexe nervosamente em uma pulseira dourada. Vivi, que todos ainda pensam ser Carolina, caminha de um lado para o outro, inquieta.
A porta se abre com estrondo. Lari Pacotão entra, usando um conjunto monocromático de alfaiataria exagerada, óculos escuros mesmo em ambiente fechado, e o andar de quem conhece o mundo — e já fez escândalo nele. Ela sorri, mas sente o clima.
LARI PACOTÃO = (baixando os óculos) Babadeiras, que energia é essa? Gente morta de novo?
VIVI - (sem rodeios) Lucinha, Lívia, Rubinho. Três mortes. E a única coisa que eles têm em comum — além da minha amizade e irmandade — é a presença de Selma. Ou sei lá quem ela é. Mas tá claro que ela é mais do que parece.
Lari ergue uma sobrancelha.
LARI PACOTÃO – Mana, o babado é mais forte do que silicone industrial. Vocês tão me dizendo que tão achando que essa descontrolada é serial killer?
MARCO AURÉLIO = (desviando o olhar) A sequência é no mínimo conveniente. E agora tem gente desconfiando da empresa. Se a polícia começa a fuçar…
LARI PACOTÃO - (ergue a mão, dramática) Calma, bee. Já saquei a vibe. Mas se vocês querem pegar a diaba tem que ser com estilo. Com inteligência. Com (pausa) isca.
Olha diretamente para Patrícia, que se encolhe no sofá.
PATRÍCIA - (com medo) Isca?
LARI PACOTÃO - (didática) É isso, mona. Tu vai jogar tua pinta, fazer a linda e deixar a jamanta se expor. Porque se ela tem sede de palco, a gente vai dar palco. Mas com armadilha. Saquei a braba. Vamo botar essa jamanta pra desfilar direto no xilindró.
VIVI - (séria, decidida) A gente precisa de provas. E precisa rápido. Antes que mais alguém morra.
Lari tira um leque da bolsa e o abre com estalo.
LARI PACOTÃO - Então vambora, amorecas. Que nesse tabuleiro, a rainha é quem dá xeque-mate.
CORTE PARA:
FIM
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