A INTRUSA - CAPÍTULO 22 - 19/09/2025

    

A INTRUSA

CAPÍTULO 22

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI


CENA 1. GODOY BUENO EXPORTAÇÕES. ESCRITÓRIO DE VALQUÍRIA. INT. NOITE


SONOPLASTIA — DO I WANNA KNOW – ARCTIC MONKEYS – INSTRUMENTAL.

 

A câmera reaparece onde parou:
Valquíria, pálida, porém ainda altiva, encara Laura com ares de esfinge. As taças repousam na mesa de vidro, mas o clima é de duelo.

VALQUÍRIA - (engolindo a própria surpresa, tentando manter o sarcasmo) Então me diga, como você soube?

LAURA - (suave, como quem conta uma anedota) Depois do que você fez no Guarujá, minha cara (sorri) Eu teria que ser muito burra pra não prever sua próxima jogada. Tomei o mesmo antídoto que a Ana Maria devia ter tomado.

VALQUÍRIA - (estreita os olhos, mas sorri com cinismo) Esperta. Não imaginei que por trás desse vestido ordinário houvesse uma mente afiada.

LAURA - (aproximando-se, sem tirar os olhos dela) Você não conhece metade de mim. E talvez seja a hora de mudar isso.

Laura vai até o bar, esvazia as taças, prepara dois drinques novos. Os movimentos são elegantes, precisos. Um ritual.

LAURA - (estendendo uma taça) Eu não vim aqui pra morrer, vim pra propor uma aliança.

Valquíria a encara, interessada.

VALQUÍRIA - (provocadora) E contra quem, exatamente?

LAURA - (sorri, gélida) Contra Carolina. Eu vou destruir aquela mulher e tomar tudo que é dela. Nome, prestígio, fortuna.
O que me pertence por direito ou por revanche.

VALQUÍRIA - (encosta-se na poltrona, observa Laura como se saboreasse um vinho raro) Posso não saber seus motivos, Selma… ou seja lá qual for seu nome verdadeiro. Mas desde que não abale minha empresa, estou dentro. A Carolina é uma farsa ambulante. Me dá náuseas.

As duas brindam. As taças se tocam com leveza, mas há veneno naquele som. Uma aliança selada entre víboras.

VALQUÍRIA - (com um meio sorriso) Vamos ser sinceras: o mundo é muito mais divertido com vilãs à solta.

LAURA - E eu vim pra devolver o glamour ao caos.

A batida grave da música cresce.

CORTA PARA:

CENA 2. SÃO PAULO / RIO DE JANEIRO. AMANHECER. EXT.


SONOPLASTIA — PADAM PADAM – KYLIE MINOGUE.

 

O céu lentamente clareia com tons de laranja e rosa lavando os prédios de São Paulo em silêncio cúmplice. A cidade acorda tensa — o trânsito ainda contido, as primeiras buzinas tímidas cortando o ar. Uma hélice de helicóptero rompe a calmaria. A câmera sobrevoa o topo de um prédio da Avenida Paulista, depois mergulha entre as avenidas que começam a pulsar como veias expostas.

No Rio de Janeiro, o mar reflete o primeiro raio de sol. A orla de Copacabana ainda sonolenta, com corredores solitários e quiosques fechados. As ondas quebram como sussurros. O Cristo Redentor emerge entre as nuvens dissipadas, solene. O contraste entre as cidades vibra ao ritmo da música, sensual e inquietante. A tensão paira no ar como perfume caro: algo está prestes a acontecer.

CORTA PARA:

CENA 3. MANSÃO DE ISABELLE LECLERC. SALA DE ESTAR. INT. DIA

 

A porta se abre e revela o interior da mansão Leclerc: um mundo de sofisticação silenciosa, onde o bom gosto é presença e não ostentação. Cortinas de linho leve filtram a luz do dia, acariciando os móveis de época e os arranjos florais em tons neutros. O chão de mármore branco ecoa os passos que se aproximam.

Lari Pacotão entra ao lado de Armand, seu olhar se perde na imponência sóbria do ambiente — impressionada, mas tentando manter a pose. Ela veste um macacão de alfaiataria, cabelo preso com elegância displicente. Armand, confiante e discreto, a conduz com ares de cavalheiro europeu.

Vitória, a governanta de meia-idade, negra, postura impecável, surge no topo da escada, desce com um sorriso contido. Ao ver Armand, abre os braços emocionada.
VITÓRIA - (sorrindo) Ah, meu menino Armand. Demorou, mas voltou.

Ela o abraça com ternura contida. Depois se volta para Lari.
VITÓRIA - (encarando, respeitosa) Seja bem-vinda.
ARMAND -(señalando con dulzura) Vitória, ella es Lari,mi prometida.

Lari sorri, elegante, oferecendo a mão. Vitória a segura com firmeza, num misto de acolhimento e avaliação silenciosa.
VITÓRIA - (serena) O quarto de vocês está preparado. Dona Isabelle só chega à noite. Vai ser um jantar bonito.

Ela se afasta. Lari observa a casa, e pela primeira vez, parece hesitar. Armand segura sua mão.
ARMAND - (suave, seguro) Esto es solo el comienzo.

CORTA PARA:

 

CENA 4. PRAIA DE COPACABANA. EXT. DIA


SONOPLASTIA – NÃO NEGUE TERNURA (PART. LUEDJI LUNA) – ZÉ MANOEL

O sol brilha alto no céu do Rio. O mar respira em ondas calmas. Nanny Who e Madson caminham lado a lado pela areia, leves, sorrindo, quase flutuando no clima de liberdade. Nanny de turbante vibrante, batom escandaloso. Madson com os cabelos soltos ao vento, expressão serena.

De repente, uma bola atravessa o ar e atinge Madson. Ela se assusta. Um homem corre em direção a ela — Marcos, jovem, elegante, de corpo definido e olhar gentil. Ao se encararem, a música começa.

MARCOS - Desculpa! Eu não queria acertar você.

MADSON - Tá tudo bem...

MARCOS - Qual seu nome?

MADSON - Sofia.

MARCOS - Sofia, nome lindo. Eu trabalho no Le Cleire, ali na Atlântica. Ia ser um prazer te ver por lá.

MADSON - Vou pensar no caso.

Marcos sorri, volta para o jogo, mas antes de ir se vira uma última vez. Trocam um olhar suspenso no tempo. Madson ainda absorve o momento.

NANNY WHO - (maliciosa) Monamu, esse boy é um escândalo! Se joga que a bicha aqui assina embaixo.

Madson ri, leve, com brilho nos olhos. A câmera se afasta lentamente, capturando o sol refletindo no mar e o burburinho doce da praia.

CORTA PARA:

CENA 5. CORA RESIDENCIAL SÊNIOR PREMIUM. QUARTO DE TEREZA. INT. DIA


SONOPLASTIA — L'HYMNE A L'AMOUR- EDITH PIAF– INSTRUMENTAL

A luz entra suave pela janela, filtrada pelas cortinas de linho branco. O quarto é silencioso, acolhedor, com móveis claros e objetos antigos que guardam histórias. No centro, Tereza, idosa cega de expressão nobre e serena, está sentada em uma cadeira de balanço. Suas mãos repousam no colo, e seu corpo balança levemente, ao ritmo de uma memória distante.

Os passos de Rudolfe ecoam discretos pelo assoalho. Ao ouvi-los, Tereza ergue o rosto.

TEREZA – Rudolfe, você tem o andar dos que escutam com os olhos.

Ele sorri, comovido. Está mais elegante que o habitual, discreto no terno de linho cinza. A origem francesa transparece não só no sotaque, mas também no modo contido e afetuoso com que se aproxima.

RUDOLFE - Bonjour, ma chère. Vim te buscar. Nous allons revenir à São Paulo, d'accord?

TEREZA -São Paulo? Mas Madson me transferiu para cá semana passada. Disse que íamos passar um tempo no Rio, perto do mar que ela tanto ama.

Rudolfe hesita. O sorriso esmaece. Ele se abaixa, tomando as mãos dela com uma delicadeza rara — como se segurasse porcelana.

RUDOLFE – Tereza, houve um acidente. No veleiro. Madson caiu no mar. Não encontraram o corpo. Os guardas dizem que ela...

Ele para. Não completa. O silêncio pesa.

TEREZA - (baixa a cabeça, as mãos tremem) Ela era tudo o que eu tinha, minha neta. Minha última estrela.

Rudolfe a abraça com cuidado, como um gesto antigo e esquecido que finalmente encontra o momento certo. Tereza repousa a cabeça em seu ombro, em um choro contido, quase sem som — só a respiração alterada e o balançar sutil da cadeira.

A câmera se afasta lentamente, enquanto a música se prolonga. As janelas abertas mostram o sol invadindo o quarto como uma lembrança boa — e ausente.

CORTA PARA:

 

CENA 6. APARTAMENTO DE LUCINHA. SALA. INT. DIA

A porta se abre com um rangido seco. Lucinha entra cambaleando, visivelmente abatida, maquiagem borrada, os cabelos desalinhados, o salto em uma das mãos. Carrega o peso da decepção no corpo todo. A sala, clara e simples, parece fria diante do que ela traz.

No sofá, Rubinho está sentado. As malas prontas repousam ao lado, discretas mas definitivas. Ele se levanta assim que a vê.

LUCINHA - (fria, surpresa) O que você tá fazendo aqui?

RUBINHO - (tenso, sincero) Eu tô preocupado, Lucinha. Eu juro por tudo que é sagrado, eu não fiz nada com a Patrícia. Eu te amo. Eu não ligo pra nossa diferença de idade, isso é coisa da sua cabeça.

Lucinha encara Rubinho com os olhos marejados. Ela se aproxima, toca o rosto dele com delicadeza — uma carícia que mais fere do que consola.

LUCINHA - (baixa, amarga) Eu entreguei meu coração, Rubinho e você quebrou ele. Fez em pedaço miúdo.

Ela se afasta. O silêncio entre eles é espesso.

RUBINHO - (na defensiva, firme) Eu vou provar que sou inocente. Que você tá errada.

Lucinha segura o choro, firme, olhos fixos em um ponto qualquer da parede.

LUCINHA Você pode provar o que quiser, mas longe de mim. Agora vai.

Rubinho hesita. Por um segundo, parece que vai insistir. Mas ao olhar para Lucinha, entende que não há mais espaço ali. Ele pega as malas e sai, em silêncio.

A porta bate devagar.

Lucinha respira fundo, e então se deixa cair no sofá, o corpo pesado de exaustão emocional. A câmera fecha em seu rosto, onde as lágrimas finalmente escorrem — sem cena, sem drama — só a verdade da dor.

CORTA PARA:

 

CENA 7. MANSÃO DOS MONTESINO. SALA DE JANTAR. INT. DIA


SONOPLASTIA — CORCOVADO– JOÃO GILBERTO - INSTRUMENTAL

A luz suave da manhã atravessa as grandes janelas da sala de jantar, banhando o ambiente com uma tranquilidade nostálgica. O lugar é clássico, cheio de memórias — porcelanas antigas, móveis de madeira escura, uma jarra de flores frescas no centro da mesa.

Cecília, elegante em sua bata de linho clara, toma café com gestos calmos e ritualísticos. Há uma solidão digna nela, como quem já se acostumou a conviver com fantasmas.

O som dos saltos na madeira quebra o silêncio. Vivi entra — segura, mas visivelmente tensa. Cecília levanta os olhos e, por um instante, se ilumina.

CECÍLIA - (com um sorriso doce) Carolina, minha filha...

Ela se levanta e a abraça com emoção contida. Vivi não tem coragem de corrigi-la — e se deixa ficar no abraço por um breve segundo. Quando Cecília se afasta, a convida com um gesto para sentar.

CECÍLIA - Senta aqui, meu amor. O café está fresco, como você gosta.

VIVI - (sem rodeios, tentando manter a compostura) Mãe, eu vou ser direta, além de ver como está vim te perguntar uma coisa

Cecília assente, mas seu olhar demora um instante a se ajustar à realidade. Há uma sombra de tristeza.

CECÍLIA - (clara, atenta) Claro, querida. Pode perguntar.

VIVI - Você acha que a Lucinha seria capaz de me machucar?

Cecília solta uma pequena risada, quase maternal. Leva a xícara aos lábios, depois a repousa sobre o pires com cuidado.

CECÍLIA - Machucar você? A Lucinha? (minuciosa, com doçura) Lucinha sempre foi uma segunda mãe pra você. Levou você às primeiras festas, fez sua maquiagem escondida de mim, foi sua madrinha de casamento. Quando tudo desabou em Gramado foi ela quem me ajudou a cuidar de você e da Aurora.(olha firme nos olhos de Vivi) Se tem alguém nesse mundo que jamais te machucaria é a Lucinha. Pode acreditar.

Vivi abaixa o olhar, absorvendo aquelas palavras. Mas não consegue esconder o desconforto.

VIVI - Então a senhora acha que devo me preocupar com outra pessoa?

Cecília cruza as mãos sobre a mesa, olha para o jardim pela janela — como se visse algo lá fora que apenas ela entende.

CECÍLIA - (baixando a voz) Sim. Com a Lívia. (olha de volta para Vivi, séria)Vocês duas são minhas filhas. Amo vocês de formas diferentes, mas com a mesma intensidade. Mas a obsessão da Lívia pelo Daniel me preocupa. Muito. Ela nunca soube perder. Nunca soube dividir. Nem amor, nem poder, nem afeto.

Vivi encara Cecília em silêncio. Algo dentro dela estremece — um aviso talvez.

A câmera fecha em Cecília, serena e dolorosamente lúcida. O piano segue suave.

CORTA PARA:

 

CENA 8. CONSULTÓRIO MÉDICO. INT. DIA

O ambiente é asséptico, moderno e acolhedor. O consultório é bem iluminado, com tons neutros e elegantes. Um aroma leve de lavanda flutua no ar. Há serenidade na cena, mas também algo contido — uma tensão silenciosa, quase imperceptível.

Lívia está deitada em uma maca, vestindo um avental hospitalar de algodão claro. Seus olhos estão fixos no teto, mas sua mente parece estar em outro lugar. Ao seu lado, Daniel segura sua mão com ternura. O amor está ali, mas também a dúvida — ele está visivelmente incomodado.

DANIEL - (baixando a voz, tentando não criar atrito) Eu ainda não entendo por que não fez esse exame com a Cecília. Ela é sua mãe. E obstetra das boas.

Lívia sorri de leve, controlada. Sua resposta é calculada e suave.

LÍVIA - Marilha é minha amiga. Confio nela.
E ela tem uma abordagem mais moderna. A mamãe é intensa demais.

Antes que Daniel possa dizer mais alguma coisa, Marilha entra. Jovem, elegante, de jaleco branco impecável, carrega um charme frio e profissional. Seus olhos cumprem o protocolo com Daniel, mas é com Lívia que ela troca um olhar mais longo — algo ali, silencioso, cúmplice, quase sussurrado.

MARILHA - Bom dia, casal bonito. Prontos pra ver o novo amor da vida de vocês?

Ela se senta ao lado do equipamento. Discretamente, insere um pen drive na máquina — o gesto é sutil, invisível para Daniel.

LÍVIA - (pronunciando cada palavra com doçura) Estamos ansiosos.

Marilha liga o equipamento. O som do gel sendo aplicado na barriga de Lívia ecoa no consultório, seguido do zumbido suave da máquina.

E então, na tela: a imagem do bebê aparece.

Pequeno. Formado. Em movimento.

O som do coração fetal invade o espaço — forte, ritmado, intenso.

DANIEL - (tocado, emocionado) Meu Deus. Ele já está assim?

Ele aperta a mão de Lívia. Seu rosto se transforma. Ele está vulnerável, tomado por um sentimento genuíno. Seus olhos se enchem de lágrimas.

Lívia, porém, não desvia o olhar da tela — ou de Marilha.

As duas trocam um olhar certeiro, como se tivessem vencido uma batalha silenciosa. Um pacto secreto selado ali, no som de um coração que pulsa — e de uma mentira que talvez também.

CORTA PARA:

CENA 9. MANSÃO DOS GODOY BUENO. ESCADARIA. INT. DIA


SONOPLASTIA — DO I WANNA KNOW – ARCTIC MONKEYS - INSTRUMENTAL

A câmera acompanha Lucinha subindo as escadas da mansão — seu salto ecoa contra o mármore, seu rosto é sério, determinado. Ela sobe com pressa, mas sem perder a elegância. Ao chegar ao topo, dá de cara com Laura, que conhece como Selma — fria, impecável, um sorriso dissimulado nos lábios.

LUCINHA - Carolina está no quarto?

LAURA - (com um meio sorriso venenoso)
Saiu.

Lucinha suspira com irritação, já se virando para descer, mas a voz de Laura a corta — suave como veneno.

LAURA - Mas quem sabe mais tarde você nem encontre mais Carolina viva.

Lucinha congela. Gira sobre os próprios calcanhares e encara Laura com olhos em chamas. Não hesita: agarra Laura pelo braço com firmeza. O tom é de ameaça crua, sem filtros.

LUCINHA - (encostando o rosto bem perto) Se você encostar um dedo nela. Eu te mato, sem pensar duas vezes.

Laura arregala os olhos — mas não de medo. De triunfo.
Antes que Lucinha possa reagir, ouvimos passos.

Vivi aparece no rodapé da escada. Está surpresa, confusa. Observa a cena.

Laura vê Vivi — e sem perder um segundo, se atira escada abaixo com um grito agudo.

Seu corpo rola escada abaixo com perfeição teatral, como quem já ensaiou. Caída no chão, geme em dor. Um filete de sangue escorre discretamente da testa.

VIVI - (assustada) Meu Deus! Lucinha, o que você fez?

Lucinha, atônita, desce dois degraus, chocada com a encenação. Antes que possa se defender, vê Laura sorrindo discretamente, quase imperceptível, enquanto está deitada no chão, sendo acudida por Vivi.

O clima é denso. A armadilha foi montada. E Lucinha, uma mulher de fibra, está nas cordas — por enquanto.

CORTE PARA:

FIM

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