A INTRUSA - CAPÍTULO 20 - 17/09/2025

  

A INTRUSA

CAPÍTULO 20

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI


CENA 1. CEMITÉRIO DA CONSOLAÇÃO. EXT. DIA


SONOPLASTIA – AMAZING GRACE – IL DIVO

Aparece na tela, em letras brancas sobre fundo escuro, a mensagem: “UMA SEMANA DEPOIS”.

A câmera sobrevoa o Cemitério da Consolação, num travelling lento e elegante entre os ciprestes e os túmulos imponentes. A melodia sacra embala cada plano. Aos poucos, o movimento aéreo desce até uma cova recém-aberta, em torno da qual se agrupam dezenas de pessoas vestidas de preto. O clima é de consternação.

Ali estão todos: Vivi, que todos acreditam ser Carolina, com véu cobrindo parcialmente o rosto; Marco Aurélio, de mãos dadas com Valquíria, visivelmente emocionada; Daniel, calado, evitando o olhar de Lívia, que mantém-se altiva e seca, embora os olhos denunciem a dor. Carlos, Cecília, Lucinha, Rubinho, Patrícia e Laura, conhecida por todos como Selma, mantêm o silêncio respeitoso. Rudolfe está desfigurado. Profundamente transtornado, segura uma rosa com as mãos trêmulas. Há alunos de balé, figuras da imprensa, curiosos. A despedida de Madson é um verdadeiro evento, mas marcado por dor sincera.

Vivi permanece mais afastada. Seu semblante é indecifrável.

A cova aberta guarda o caixão de Madson, a bailarina genial. A ausência do corpo, jamais encontrado, não impediu o enterro simbólico. A comoção se intensifica.

Rudolfe inclina-se e murmura algo para Felipe, ao seu lado.

RUDOLFE - (voz baixa, em francês) C’est ça, le pire ne pas avoir trouvé son corps.

Felipe apenas assente com os olhos marejados.

Começam a jogar rosas sobre o caixão. Uma a uma. O som da flor tocando a madeira é abafado, ritualístico. Logo em seguida, a terra começa a ser lançada. O som é seco, brutal. A maioria dos presentes começa a se retirar, em silêncio.

Rudolfe permanece sozinho diante da sepultura. O vento sopra com força. Ele olha fixamente para a terra recém-revolvida como se tentasse alcançar algo além da morte. Um último adeus silencioso.

Quando se vira para ir embora, a câmera capta ao fundo a silhueta de uma mulher solitária. Ela está de longe, observando tudo. Um lenço cobre sua cabeça. Óculos escuros escondem os olhos. A câmera se aproxima dela em travelling, devagar, como num reconhecimento inevitável.

É Madson.

INSERT – GUARUJÁ. MAR ABERTO. EXT. NOITE

A tempestade sacode o veleiro como se o mar quisesse engolir tudo. Relâmpagos cortam o céu enquanto Felipe e Rudolfe correm desesperados, tentando salvar a embarcação da destruição. A água invade o convés. O pânico é real.

Madson, ignorada por ambos no caos, aproveita. Discretamente, retira o colete salva-vidas, aproxima-se da borda e se joga no mar com um movimento ágil. Some sob as ondas.

Ela nada com dificuldade até encontrar uma boia, atrás da qual se esconde, ofegante, mas com um leve sorriso no rosto. Seu olhar é o de quem se libertou.

Aos berros, Rudolfe procura por ela.

RUDOLFE - (OFF, gritando) MADSOOOOOON!

Ela respira fundo, mas não responde.

FIM DO INSERT

De volta ao cemitério, Madson murmura para si mesma, com a firmeza de quem renasce:

MADSON - Agora eu tô livre. Dos gritos. Dos tapas. Da prisão que ele chamava de amor. A vida começa de novo.

 

NOVO INSERT – GUARUJÁ. PRAIA DESERTA. EXT. NOITE

A chuva fina ainda cai, mas o mar acalmou. Madson caminha descalça, encharcada, até uma estrada de terra. Na curva, faróis de um carro de luxo iluminam a escuridão. O veículo preto estaciona suavemente. A porta se abre.

De dentro, surge Lari Pacotão, figura exuberante, usando uma capa de plástico rosa neon sobre um macacão de paetês prateado, segurando um guarda-chuva transparente cravejado de glitter. Ela sorri ao ver Madson e fala no seu típico pajubá, com alívio e entusiasmo.

LARI PACOTÃO - Amada! Você conseguiu, bicha! Eu sabia que você era sereia e não âncora. Toma, se enrola nessa toalha antes que a pneumonia te beije na boca!

Ela entrega uma toalha grossa e uma sacola com roupas secas e documentos.

MADSON - (pegando) Obrigada, Lari.

LARI PACOTÃO - Agradece à Carolina. Ela pensou em tudo. Documento, sumiço, nova identidade. Agora cê é outra.

Madson sorri, desta vez com ternura e gratidão. Ela entra no carro. A porta se fecha. O carro parte estrada afora, sumindo na escuridão.

FIM DO INSERT

No cemitério, Madson observa por mais alguns segundos a lápide. Depois se vira, agora decidida, e caminha para a saída do cemitério. Os passos são firmes, libertos, como se cada um deles fosse em direção a um novo nome, uma nova história.

A música de Il Divo retorna, com mais força.

A câmera a acompanha de costas até sumir entre os túmulos.

CORTA PARA:

CENA 2. SÃO PAULO / RIO DE JANEIRO. EXT. DIA


SONOPLASTIA – PADAM PADAM – KYLIE MINOGUE

O som eletrônico e pulsante da música começa sutil, crescendo em volume à medida que a câmera sobrevoa os prédios de São Paulo. O céu está limpo, o sol brilha alto, refletindo nas fachadas envidraçadas dos edifícios da Avenida Paulista. O ritmo da cidade pulsa com o trânsito, os passos apressados, os ônibus lotados, e os vendedores nas calçadas.

A câmera sobe até um helicóptero, acompanhando o voo. Em um corte elegante, o helicóptero já sobrevoa as curvas da serra, atravessando a Dutra rumo ao litoral fluminense. O plano seguinte mostra o Rio de Janeiro surgindo em toda sua glória tropical: o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor ao fundo, as areias de Ipanema, o mar em azul profundo. A trilha de Kylie Minogue embala essa travessia quase cinematográfica, como se o destino estivesse sendo redesenhado com glitter.

A câmera mergulha em Copacabana, depois sobe rapidamente por uma colina urbana até encontrar a fachada colorida e exuberante de um prédio antigo, de estilo art déco, com varandas ornamentadas por samambaias penduradas, bandeiras LGBTQIA+ e uma estátua de Iemanjá reluzente no jardim. É o lar de Lari Pacotão e Vivi Veneno.

O prédio se destaca na paisagem como um oásis kitsch, vibrante, teatral — quase um cenário construído para um musical francês tropicalista. A música atinge seu ápice no refrão enquanto o letreiro em neon piscante na varanda brilha em letras cursivas: “Casa de Boneca”.

CORTA PARA:

CENA 3. APARTAMENTO DE LARI PACOTÃO E VIVI VENENO. SALA. INT. NOITE


SONOPLASTIA – PARIS IS BURNING – LADYHAWKE (BAIXO, AMBIENTE)

O apartamento é um delírio tropical de personalidade. Almofadas espalhadas com estampas africanas, quadros de divas pop nas paredes e um altar com Nossa Senhora Aparecida ao lado de uma escultura de Cher. Tudo exala vida, resistência e brilho.

Lari Pacotão, com seu robe de cetim roxo e turbante combinando, está reclinada em uma poltrona barroca de segunda mão, mas com toda a altivez de uma marquesa. Na mão, uma long neck gelada. Do outro lado, Nanny Who, com vestido justo e batom escarlate, acende um cigarro eletrônico. As duas trocam confidências como quem costura um segredo no vestido de uma rainha.

LARI PACOTÃO - (cínica, mas apaixonada) Amiga, larguei as ruas. Cês acreditam? Não sou mais da pista, agora sou mulher de um homem só.

NANNY WHO - (sorri, mas já prevendo o caos) Menina, cuidado pra não se iludir. O tombo quando vem é de salto quinze, e sem meia arrastão pra amortecer.

LARI PACOTÃO - (ergue a cerveja) Mas ele me trata como princesa. Com ele eu sou a Beyoncé no Grammy, não a figurante do clipe.

NANNY WHO - (mais séria, mas doce) Fico feliz, Lari. A gente sabe como é raro alguém olhar pra gente como gente. Ser trans nesse país é viver pedindo licença pra existir.

LARI PACOTÃO - (encara o vazio por um segundo) E às vezes, nem a gente se vê como gente. Difícil se auto aceitar, imagina esperar que alguém aceite também.

Uma pausa breve. A música toca de leve ao fundo. A luz morna da luminária deixa o ambiente íntimo, quase ritualístico.

LARI PACOTÃO - (decidida) E outra coisa: a Sofia vai ficar aqui com a gente. Pelo tempo que ela precisar.

NANNY WHO - (assente com o olhar) Aquela menina tem os olhos de quem já fugiu de muita coisa. (sorri com ternura) Eu vou cuidar dela como cuidei de mim mesma, Lari. Porque ser preta nesse país já é sentença. Ser preta e mulher é prisão perpétua. E com um homem batendo ainda...

As duas se encaram. Um brinde silencioso acontece com as garrafas tilintando. Entre elas, não há promessas, só pactos de sangue e glitter.

LARI PACOTÃO - (irônica, num tom leve) Esse apartamento virou ONG. Só falta botar o CNPJ.

NANNY WHO - (rindo alto) E uma plaquinha: “Aqui se abriga o que a sociedade descarta.”

Elas caem na gargalhada. Mas há dor por trás do riso. É esse equilíbrio delicado que sustenta o mundo delas. Um mundo onde sobrevivência é arte.

CORTA PARA:

CENA 4. MANSÃO DOS GODOY BUENO. JARDIM. EXT. DIA


SONOPLASTIA – DO I WANNA KNOW – ARCTIC MONKEYS - INSTRUMENTAL

O jardim da mansão é de um bom gosto decadente. Palmeiras imperiais ladeiam caminhos de pedra portuguesa, e uma fonte barroca solta um fio tímido de água. Ao fundo, o riso infantil de Aurora preenche o ambiente com uma alegria quase deslocada do mundo à sua volta. Ela corre entre as roseiras com um vestido branco de renda, feito de delicadezas.

Sentada em um banco de ferro, Vivi, que todos ainda acreditam ser Carolina, observa a menina brincar. Os olhos marejados. Um sorriso hesitante no rosto. Há algo de maternal, de dolorosamente íntimo naquele olhar.

Laura, que todos conhecem como Selma, se aproxima com passos contidos. Usa um conjunto discreto, como quem tenta parecer invisível, mas seus gestos são calculados. Senta-se ao lado de Vivi, lentamente.

LAURA - (voz baixa, fingidamente frágil) Eu estou tão perturbada, Carolina. A Lucinha anda me perseguindo. Cismou que eu tenho um caso com o Rubinho.

Finge um suspiro, baixa os olhos, como quem carrega o peso de uma injustiça cruel.

VIVI - (surpresa, mas firme) Lucinha é paranoica. Ela já achou até que eu tinha um caso com Rubinho, imagine. (pausa, olha Laura) Eu vou conversar com ela. Isso precisa acabar.

LAURA- (apressada, doce demais) Não precisa, Carolina, por favor. Vai parecer que eu estou fazendo intriga.

VIVI - (resoluta) Faço questão. Não gosto de injustiças. Lucinha é minha amiga, mas isso não dá a ela o direito de atormentar ninguém.

Laura sorri, mas seu sorriso é um vinagre doce. Seus olhos brilham com uma malícia contida. A cada palavra gentil de Vivi, ela afia a própria máscara.

Vivi volta a olhar para Aurora, que agora tenta alcançar uma borboleta. O momento volta a se suavizar. O som da fonte, o vento nas folhas, tudo se torna mais lento.

LAURA - (baixa o olhar, sorri com desdém, para si mesma)
Tão nobre, tão ingênua.

A câmera fecha em Laura, o sorriso nos lábios, os olhos fixos em Vivi com uma pontinha de desprezo. O jogo está em movimento. A inocência de Vivi é uma arma para os outros. E ela ainda não percebeu.

CORTA PARA:

 

CENA 5. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA DE ESTAR. INT. DIA

A luz da manhã entra filtrada pelas cortinas de linho, dando à sala de estar um ar levemente melancólico. O espaço é sofisticado, mas carrega o peso do tempo: móveis clássicos, vasos de cristal com flores frescas, e quadros de artistas consagrados. Há um silêncio tenso, como se o próprio ambiente estivesse à espera de uma revelação.

Lucinha está sentada no sofá, inquieta. Seus olhos passeiam pelo ambiente, mas seu foco está na porta. Quando Vivi — ainda sob o nome de Carolina — entra, elegante e contida, Lucinha se levanta de súbito, o rosto sério.

LUCINHA - (sem rodeios) Eu preciso falar com você e é sério.

VIVI - (um tanto surpresa, mas receptiva) Claro. O que foi?

Lucinha dá alguns passos pela sala antes de parar e encará-la.

LUCINHA - Eu vi a Selma, eu vi ela colocar a arma na bolsa da Valquíria. (pausa) Ela armou tudo aquilo na casa do Guarujá. Foi ela.

VIVI - (dando um meio sorriso, incrédula) Você só pode estar delirando, Lucinha...

LUCINHA - (irritada, mas firme) Delirando? Por que eu inventaria uma coisa dessas?

VIVI - (um pouco mais fria) Porque você está com ciúme. Da Laura. Do Rubinho. Não é a primeira vez que você surta por causa disso...

LUCINHA - (esbraveja) Você está me chamando de maluca, é isso?

VIVI - (tentando acalmar) Eu estou dizendo que você está abalada. A morte da Madson mexeu com todos nós...

Lucinha dá um passo à frente, intensa. Seus olhos brilham como os de uma atriz em cena final de novela das oito. A fala é quase um sussurro envenenado.

LUCINHA - (vibrante) Você não tá entendendo, Carolina. Aquela cobra tá armando alguma coisa. E eu vou provar. (pausa, com desprezo) Você vai engolir cada palavra quando descobrir quem ela é de verdade.

Enquanto Lucinha vocifera, a câmera se move lentamente em direção à porta entreaberta. Atrás dela, entre sombras, está Laura. Discreta, ouve cada palavra com um sorriso satisfeito. Sua pose é de quem joga xadrez com a vida dos outros.

O olhar de Laura é calculista. Ela sabe que o veneno só faz efeito quando é servido em doses pequenas.

CORTA PARA:

 

CENA 6. APARTAMENTO DE LUCINHA. SALA DE ESTAR. INT. DIA

 

A sala é decorada com um toque de vaidade feminina e ostentação modesta: flores artificiais bem cuidadas, cortinas pesadas, almofadas exageradamente bordadas. Uma luz de fim de tarde entra pela janela, tingindo o ambiente de âmbar.

Rubinho entra, ainda com a roupa de academia. A regata molhada de suor deixa o peitoral evidente. Ele limpa o rosto com uma toalha e respira fundo, exausto. O corpo cansado contrasta com a mente ainda alerta.

Patricia, vestida com um robe de seda levemente entreaberto, surge do corredor. Os cabelos soltos, o olhar carregado de intenções mal disfarçadas. Sua presença é propositalmente suave, como perfume que chega antes do corpo.

PATRICIA - (sorrindo, como quem lembra de algo íntimo) Você sempre voltava assim: suado, bonito. Igualzinho a quando a gente (ela suspende a frase no ar como um segredo compartilhado)

RUBINHO - (seco, direto) Patrícia, não começa. Já foi. E eu não tô mais nessa.

Ela dá uma risadinha abafada, como quem finge não se abalar. Caminha até o bar discreto da sala e pega uma garrafa de água. Discretamente, atrás da bancada, despeja algo no copo. Movimentos sutis, frios, ensaiados.

PATRICIA - (fingindo preocupação) Tá bom, Rubinho. Paz. Só acho que depois de tanto treino, você devia se hidratar. (estende o copo com um sorriso manso) Vai te fazer bem...

RUBINHO - (toma o copo, desatento) Valeu.

Ele bebe sem hesitar. Patricia observa cada gole com a precisão de uma cobra esperando o bote. Um brilho perverso acende em seus olhos. O silêncio pesa. A tensão é quase erótica, quase letal.

PATRICIA - (sorrindo, muito leve) Fico feliz que ainda confie em mim.

Rubinho termina de beber, se joga no sofá, sem perceber que o jogo começou — e ele pode ser o peão.

CORTA PARA:

CENA 7. HOTEL COPACABANA PALACE. SUÍTE DE ARMAND E LARI PACOTÃO. INT. NOITE

 

A suíte é luxuosa, com vista panorâmica para a orla de Copacabana. As luzes da cidade piscam ao fundo. A decoração mistura o clássico com o moderno — reflexo da tentativa de Armand de equilibrar tradição e liberdade.

Armand está sentado na poltrona, cabisbaixo, o rosto abatido. Veste um roupão de seda azul-marinho. A TV está ligada, mas no mudo. O controle remoto repousa, esquecido, ao lado de uma taça de vinho esquecida pela metade.

A porta se abre. Lari Pacotão entra esbanjando estilo: um look tropical chic, brincos extravagantes e salto alto que ecoa pelo piso de mármore. Ela carrega uma sacola de grife e uma energia solar.

LARI PACOTÃO - (alegre, ao entrar) Eita, menina, que cara é essa? Parece que morreu o Peru da ceia!

ARMAND - (em espanhol, tenso) Mi abuela llega mañana y no quiere que sigamos viviendo aquí.

LARI PACOTÃO - (faz uma pausa dramática, depois sorri) Como assim, benção da vida? Vai me jogar na rua?

ARMAND - (nervoso, sincero) No, amor, vamos viver con ella. En la mansión de la familia. Pero tienes que saber, ella puede ser complicada. Muy conservadora. Muy elitista.

Lari se aproxima lentamente, com ares de diva experiente. Tira os óculos escuros, revela o olhar provocativo.

LARI PACOTÃO - (sarcástica, mas doce) Ah, meu amor, então chegou a hora de conhecer a vovozinha. A aristocracia decadente me esperando com um buquê de preconceito e um chá das cinco.

ARMAND - (baixo, apreensivo) Quiero que estés preparada. Puede ser dura contigo.

Lari dá uma risada debochada, senta-se no colo dele com a elegância de quem sabe o próprio valor.

LARI PACOTÃO - Ela pode ser o que for, meu bem. Eu já fui expulsa de igreja, de salão de beleza e até de grupo de WhatsApp. Se essa véia vier com veneno, eu devolvo com glitter. (pausa teatral) Agora respira, senão daqui a pouco sou eu que vou ter que dar chá de boldo pra essa sua cara de enterro.

ARMAND - (ri, aliviado) Te amo, sabes?

LARI PACOTÃO - E é por isso que eu vou botar minha melhor lace e encantar essa véia no carão. Se ela tiver preconceito, vai engolir com purpurina. (piscando um olho) Afinal, quem nasceu pra ser close, não aceita ser boato.

Eles se abraçam, em meio ao luxo do quarto e à ameaça iminente de um novo drama. A câmera se afasta, revelando o contraste entre a leveza de Lari e o peso da tradição que os espera.

CORTA PARA:

CENA 8. ASILO. RECEPÇÃO. INT. DIA

Ambiente asséptico, silencioso, com paredes bege e odor de desinfetante no ar. Uma senhora cochila em uma poltrona de canto, enquanto uma televisão antiga murmura um programa vespertino. No balcão, uma recepcionista de meia-idade, impassível, digita lentamente no computador.

A porta se abre. Rudolfe entra. Está visivelmente desgastado. Barba por fazer, olheiras fundas, o olhar perdido. Usa roupas sóbrias, porém desalinhadas. Um homem que antes esbanjava elegância agora caminha como se carregasse uma culpa impossível de aliviar.

Ele se aproxima do balcão. Fala com um francês arrastado, sem olhar nos olhos da recepcionista.

RUDOLFE - (sotaque carregado, em francês) Bonjour. Je suis venu voir Madame Tereza Assunção.

A recepcionista, habituada a excentricidades, ergue uma sobrancelha e responde com formalidade.

RECEPCIONISTA - (parca, seca) O senhor é parente?

Rudolfe hesita. Passa a mão pelos cabelos, respira fundo e responde, agora em português.

RUDOLFE - Sou marido da neta dela.

A recepcionista digita algo, consulta o sistema, franze a testa.

RECEPCIONISTA - A dona Tereza foi transferida na semana passada.

RUDOLFE - (alarme evidente) Transferida? Pra onde?

RECEPCIONISTA - Essa informação é restrita. Só familiares diretos têm acesso.

RUDOLFE - Madson está morta. Eu sou tudo o que restou pra ela.

Um silêncio constrangedor paira por alguns segundos. A recepcionista o observa com atenção. Algo em sua fala toca um ponto de empatia.

Ela se levanta, vai até uma sala aos fundos. A câmera acompanha Rudolfe sozinho, o som ambiente amplificado — o tique-taque de um relógio, uma respiração pesada, o rodar da cadeira de rodas de uma interna caminhando lentamente atrás dele.

A recepcionista retorna. Estende um cartão com um endereço escrito à mão.

RECEPCIONISTA - Ela está aqui. 

Rudolfe pega o cartão com mãos trêmulas. Encarando o papel, sua expressão endurece. Um misto de desespero, inquietação e algo mais profundo: medo.

A câmera faz um lento zoom no rosto dele. Um trovão distante se ouve ao fundo — a tensão aumenta.

CORTA PARA:

 

CENA 9. APARTAMENTO DE LUCINHA. QUARTO DE LUCINHA. INT. DIA

 

O quarto é claro, o sol entrando pelas janelas grandes. Lucinha chega, ofegante, visivelmente cansada e frustrada. Ela para na porta, o olhar perde o foco por um instante ao ver a cama.

Lentamente, ela se aproxima e o rosto muda de surpresa para um choque mudo. Sobre a cama, Rubinho está desacordado, pálido, exausto. Ao lado dele, sorrateira, Patricia sorri de forma calculada, acordando lentamente ao notar a presença de Lucinha.

Lucinha, com a respiração pesada, encara a cena. Um misto de dor, raiva e incredulidade a toma. Ela dá um passo atrás, a voz cortante, carregada de ressentimento e desespero.

LUCINHA - (com voz firme, quase sussurrando) Nem o amor próprio você tem mais, Rubinho. É triste assistir alguém se afundar desse jeito. E pior ainda ver quem escolhe pra estar ao lado.

Patrícia desperta completamente, um sorriso irônico no rosto. Rubinho permanece imóvel, inconsciente, como se estivesse em um abismo sem volta.

Lucinha respira fundo, fecha os olhos por um segundo, tentando se recompor, antes de sair do quarto com passos firmes, deixando a tensão no ar.

 

CORTA PARA:


FIM

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