A INTRUSA - CAPÍTULO 17 - 12/09/2024

 

A INTRUSA

CAPÍTULO 17

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI


CENA 1. HOSPITAL ALBERT EINSTEIN. CORREDOR. INT. DIA

 

O corredor branco e frio do hospital parece se estender como um palco silencioso para um confronto iminente. A luz natural atravessa as janelas, mas não aquece o clima entre Vivi e Lívia — há um gelo invisível que congela o ar ao redor.

Vivi mantém a postura rígida, os olhos fixos na figura que avança com uma arrogância soturna. O rosto de Lívia carrega um sorriso cruel, tão calculado quanto venenoso. Ela se aproxima devagar, como quem saboreia a antecipação da tormenta que está por vir.

VIVI - (voz firme, controlada) O que você quer?

Lívia para a poucos passos, a voz baixa e carregada de ameaça velada, quase um sussurro que reverbera:

LÍVIA - Daniel. Quero ele para mim. Mas com você no caminho está impossível.

Um silêncio pesado cai entre as duas. Vivi não recua, encara Lívia com a determinação de quem já perdeu muito, mas não está disposta a entregar mais nada. Lívia, com um brilho sádico nos olhos, desdenha da pergunta, a voz envolta numa ironia cortante:

LÍVIA - Parece que nossa conversa em Campos do Jordão foi só mais uma palavra no vento, não?

Vivi pisca, a memória nebulosa, um instante de dúvida a atravessa, mas a voz não vacila:

VIVI - Não me lembro de conversa nenhuma.

Lívia dá um sorriso seco, de quem sabe que tem a vantagem — mas também sabe que não pode se permitir fraquezas.

LÍVIA - Exatamente. Você esquece, eu lembro.

Ela vira-se lentamente e caminha com elegância fria em direção ao quarto de Marco Aurélio, deixando atrás de si um rastro invisível de ameaça.

Vivi fica parada, os olhos cheios de uma mistura de medo, raiva e exaustão, tentando digerir o que acabou de ouvir.

Nesse instante, Madson surge no corredor, seu rosto pálido e o dedo enfaixado denunciam dor e sofrimento recente. Seus olhos brilham com lágrimas contidas.

Vivi se aproxima, a preocupação rompendo o escudo de dureza.

VIVI - O que aconteceu com você?

Madson hesita, como se carregar a dor fosse também carregar um segredo. A voz baixa, quase um pedido velado:

MADSON - Tem um lugar reservado para a gente conversar?

Vivi, agora cúmplice da dor e da luta silenciosa, faz um gesto para que ela a siga.

VIVI - Vamos.

As duas caminham lado a lado pelo corredor imenso, sombras que se alongam pela luz fria — duas mulheres marcadas pelas próprias batalhas, prestes a se enfrentar, ou talvez se unir, contra o que está por vir.

CORTA PARA:

CENA 2. HOSPITAL ALBERT EINSTEIN. CONSULTÓRIO DE CECÍLIA. INT. DIA

O consultório tem uma luz suave que entra pela janela, banhando o ambiente com um brilho delicado, quase acolhedor. O espaço, apesar da formalidade hospitalar, parece se transformar num refúgio breve para segredos e verdades não ditas.

Vivi, com uma serenidade controlada, explica a Madson que Cecília saiu para o almoço, garantindo que ali, naquele momento, elas têm privacidade para conversar sem pressa.

Madson se senta, o corpo tenso como se o peso de um mundo invisível descansasse em seus ombros. Seus olhos carregam uma dor antiga, um misto de medo e resignação.

Com a voz embargada, ela começa a desabafar, como se libertar dessas palavras fosse uma espécie de salvação:

MADSON - Quando eu conheci Rudolfe, ele era um príncipe. (olha para baixo, voz quase um sussurro) Mas assim que trocamos alianças virou meu pior pesadelo.

Vivi, atenta, se aproxima devagar, o olhar cheio de ternura e uma ponta de tristeza contida.

MADSON – ( entre lágrimas) Ele não só me agride. É o corpo e a mente. Eu me sinto presa num labirinto do qual não consigo escapar.

Vivi não hesita. Envolve Madson num abraço protetor, as duas dividindo o silêncio que fala mais do que qualquer palavra.

VIVI - (baixinho, com firmeza) Por que nunca contou antes?

Madson ergue os olhos, refletindo uma ferida social e pessoal profunda.

MADSON - Quem acreditaria numa bailarina negra no começo da carreira?
Contra a palavra de um coreógrafo francês renomado?
Ninguém.

A voz quebra e as lágrimas correm livres agora.

Vivi limpa uma lágrima da face de Madson, sua expressão se mistura entre a solidariedade e uma promessa silenciosa.

VIVI - Tenho um plano. Assim que Marco Aurélio sair daqui, vamos para o Guarujá. Eu vou tirar você dessa (PAUSA) desse pesadelo.

Madson a olha, a esperança surgindo nas sombras do cansaço.

MADSON - (assentindo) Eu entrego tudo. Tudo o que lutei, tudo o que sonhei. Só para não sentir mais o peso dele.

As duas se abraçam com força, como se naquele gesto encontrassem um porto seguro contra a tempestade que se aproxima.

A câmera se afasta lentamente, captando a intimidade daquele momento de pura humanidade.

CORTA PARA:

CENA 3. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA DE ESTAR. INT. DIA

A luz entra pelas cortinas pesadas, revelando a imponência silenciosa da mansão. Tudo está em seu lugar — imaculado, luxuoso, opressor. O silêncio é quebrado apenas pelo som dos saltos firmes de Valquíria, que desce a escada lateral com a altivez de quem governa aquele território com punho de ferro.

Ao chegar no patamar da sala, dá de cara com Laura. O olhar de Valquíria percorre Laura de cima a baixo, como se pudesse descobrir seus segredos só com os olhos.

VALQUÍRIA - (seca, direta) O que você está fazendo aqui?

LAURA - (com doçura ensaiada) A Carolina me pediu pra ficar de olho na pequena Aurora. Só isso.

VALQUÍRIA - (arqueia uma sobrancelha) Ah, é? Então vocês são amigas?

LAURA - Somos, sim.

Valquíria sorri. Um sorriso que não chega aos olhos.

VALQUÍRIA - (com veneno elegante) Pois deveria escolher melhor suas amizades. A convivência com certas pessoas contamina.

Laura segura a pose, sem perder a doçura. Sabe com quem está lidando, mas tem décadas de teatro interno.

Nesse momento, a porta da mansão se abre.

Vivi, que todos acreditam ser Carolina, entra com postura sóbria. Seu olhar pousa brevemente em Valquíria, depois em Laura.

VIVI - (afável, porém firme) Bom dia. Selma, posso falar com você um minuto no quarto? É importante.

LAURA - Claro, Carolina.

Valquíria apenas observa. Não diz mais nada — mas sua presença envenena o ar.

CORTA PARA:

 

CENA 4. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE CAROLINA E MARCO AURÉLIO. INT. DIA

 

A luz entra suave pelas janelas altas da suíte, filtrada por cortinas translúcidas em tons de branco e champanhe. O quarto, de proporções generosas, é elegante e silencioso — como se quisesse proteger o casal que ali repousa da instabilidade do mundo lá fora.

Vivi, em pé junto à cama arrumada, encara Laura, que mantém a postura humilde de funcionária, embora seus olhos digam outra coisa. Há uma pausa respeitosa, quase cúmplice.

VIVI - (gentil) Obrigada por ter entregue o bilhete mais cedo. Foi importante pra mim.

LAURA - (sorriso doce) Estou aqui pra ajudá-la, Carolina. No que for preciso.

VIVI - (com a voz embargada, sincera) A Aurora ficou sem babá. A Ana Maria, bom, você sabe. (pausa) E eu sei que você não precisa disso — que é milionária, que é amiga da família — mas (respira)Se você aceitasse esse trabalho, como amiga mesmo, eu preciso de alguém em quem possa confiar.

Laura abre um sorriso lento. Quase maternal, quase predatório. Seu olhar brilha com algo que Vivi não consegue decifrar.

LAURA - (calma, com doçura) Pra qualquer coisa que a senhora pedir. Qualquer coisa.

As duas trocam um sorriso. Vivi aliviada. Laura vitoriosa.

Laura acaba de conquistar o que queria.

CORTA PARA:

 

CENA 5. SÃO PAULO. CLIPE. DIA/NOITE. EXT.

 

SONOPLASTIA – “Perfect Illusion” – Lady Gaga

A cidade pulsa ao ritmo da música. A câmera atravessa as ruas intensas de São Paulo. A Marginal engarrafada sob o céu nublado. A Paulista frenética, com pedestres cruzando em todas as direções. Prédios espelhados devolvem a imagem da pressa. Ciclistas no Minhocão sob o sol poente, buzinas, sirenes, cartazes políticos e luminosos.

A noite cai sobre a cidade com a mesma velocidade em que ela acelera. As luzes se acendem. Fachadas coloridas. Baladas se enchem. A Avenida Faria Lima borbulha com os últimos executivos do dia. Um helicóptero corta o céu. Um letreiro em neon pisca “ABERTO 24H”. As fontes do Ibirapuera brilham em azul e roxo. O refrão da música acompanha imagens sobrepostas — rostos, celulares, copos de drinques, vitrines.

A cidade ferve. Mas então, no auge da canção, a imagem começa a desacelerar.

O som se dissolve. A imagem escurece suavemente até revelar a fachada clássica e imponente da Mansão dos Godoy Bueno, agora em silêncio absoluto.

Na tela, de forma discreta, surge a legenda: DOIS DIAS DEPOIS.

CORTA PARA: 

CENA 6. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE CAROLINA E MARCO AURÉLIO. INT. DIA

 

A luz suave da manhã atravessa as cortinas de linho, banhando o quarto em tons dourados. A suíte é suntuosa, decorada com móveis clássicos e detalhes contemporâneos — um retrato de luxo e elegância.

Vivi está diante do espelho com Marco Aurélio, ajudando-o a abotoar a camisa. O silêncio entre eles carrega cumplicidade e tensão.

VIVI - Todos já estão nos esperando na casa do Guarujá.

Marco Aurélio para por um instante, pensativo. Ele a encara com uma mistura de apreensão e dúvida.

MARCO AURÉLIO - Você tem certeza desse plano?

VIVI - (olhando firme nos olhos dele) Tenho. Esse fim de semana a gente vai descobrir quem matou Carolina.

CORTA PARA:

CENA 7. GUARUJÁ. EXT. DIA

SONOPLASTIA – “Vlinder van een Zomer” – Willeke Alberti

O litoral do Guarujá surge em todo seu esplendor. O mar cintila sob o sol forte, barcos deslizam suavemente pelas águas azuis, e a vegetação tropical emoldura a paisagem com exuberância.

A câmera passeia por praias movimentadas, ruas arborizadas, casarões com arquitetura arrojada e mansões cercadas por muros altos e portões imponentes.

Por fim, o foco se detém sobre a mais imponente de todas as mansões, um verdadeiro palacete à beira-mar. É a propriedade dos Godoy Bueno, marcada por colunas de mármore, janelas envidraçadas do chão ao teto e uma longa escadaria branca que desce até a areia privada. A imponência é silenciosa, quase ameaçadora.

CORTA PARA:

CENA 8. MANSÃO DOS GODOY BUENO. GUARUJÁ. JARDIM. EXT. DIA

A sonoplastia suave de “Vlinder van een Zomer” ainda embala o ambiente enquanto a câmera desliza pelos jardins amplos e perfeitamente cuidados da mansão dos Godoy Bueno.

Mesas com toalhas de linho branco e arranjos tropicais pontuam o gramado. Garçons servem taças de espumante gelado sob a luz dourada do sol do meio-dia. Os principais personagens da trama estão reunidos, socializando sob um verniz de elegância que mal encobre as tensões subterrâneas.

Cecília e Carlos conversam à sombra de uma palmeira, observando Lívia, que ri distraidamente ao celular. Valquíria, impecável em um vestido branco, segura uma taça com desdém e troca olhares frios com Daniel, que se mantém ao seu lado. Mais adiante, Madson e Rudolfe conversam em voz baixa — ela parece tensa, ele sorri demais. Patrícia, Lucinha e Rubinho comentam o ambiente com certa vulgaridade contida, sempre atentos aos movimentos alheios. Lari Pacotão se abanando com um leque de plumas, está ao lado de Armand, que observa tudo com olhos de quem sabe demais. A pequena Aurora brinca tranquila sobre uma manta, sob o olhar vigilante e gentil de Laura, que todos conhecem como Selma.

Nesse instante, Marco Aurélio e Vivi — a quem todos creem ser Carolina — surgem à entrada do jardim. O silêncio sutil que se instala é mais eloquente que qualquer saudação. Todos se voltam em direção ao casal. Sorrisos são armados, taças erguidas, palavras suspensas.

VIVI - (sussurrando no ouvido de Marco Aurélio) Que comecem os jogos.

CORTA PARA:

 

FIM

 

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