A INTRUSA - CAPÍTULO 15 - 10/09/2025


A INTRUSA

CAPÍTULO 15

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI



CENA 1. HOSPITAL ALBERT EINSTEIN. SALA DE ESPERA. INT. NOITE

 

A câmera retoma do ponto exato em que parou: ValquíriaDaniel e Vivi, ainda sob a identidade de Carolina estão paralisados diante do Médico. O silêncio é pesado, cada segundo parece um século.

O médico respira fundo, mantendo a compostura profissional.

MÉDICO - Ele está estável. (pausa) A bala, por sorte, não atingiu nenhum órgão vital. O quadro é controlado.

Valquíria solta o ar num suspiro dramático, levando as mãos ao peito.

VALQUÍRIA - Graças a Deus...

Daniel apenas fecha os olhos, aliviado — mas o olhar que lança para Vivi carrega algo mais: suspeita. Vivi, por sua vez, mantém o semblante sério, tenso. A reação dela é contida demais.

VALQUÍRIA - Podemos vê-lo?

MÉDICO - (sério, profissional) -Somente pela manhã. Ele está sedado e em observação.

Ele dá um leve aceno de cabeça e sai discretamente, deixando o trio num silêncio estranho.

VALQUÍRIA - (vira-se, tentando parecer firme)
Vou tomar um café.

Ela sai com passos firmes e controlados. Assim que ela se afasta, Daniel se vira para Vivi, aproveitando a brecha.

DANIEL - Você não está aliviada? (seco) Seu marido não corre mais perigo de vida.

Vivi encara Daniel. O silêncio entre eles é incômodo. Há algo não dito pairando no ar, algo podre e irreversível.

Antes que Vivi responda, a porta se abre com leve estardalhaço e Lucinha entra apressada, aflita. Seus olhos brilham de angústia.

LUCINHA - Carolina!

Ela se aproxima e abraça Vivi com força, sincera. Vivi retribui o abraço, um pouco surpresa. Lucinha não percebe nada.

LUCINHA - (meio ofegante) Como ele tá? 

VIVI - (numa voz baixa, mas firme) Ele vai ficar bem. Não corre perigo.

Lucinha fecha os olhos, aliviada, e segura as mãos de Vivi com gratidão.

Nesse instante, Valquíria retorna com um copo de café nas mãos. Ao ver Lucinha, a expressão fecha, fria.

VALQUÍRIA - Eu vou ficar aqui esta noite. Quero acompanhar tudo de perto.

Silêncio. Vivi respira fundo, toma coragem.

VIVI - (com firmeza, sem hesitar) Não. (olha nos olhos de Valquíria) Quem vai ficar sou eu. Sou a esposa do Marco Aurélio.

As palavras ecoam pela sala. Lucinha observa, surpresa. Valquíria arqueia uma sobrancelha, pronta para atacar, mas é interrompida.

DANIEL - (intervindo, conciliador) Nenhuma das duas precisa ficar (para as duas) Não vão deixá-las entrar no quarto mesmo. Eu fico.

Silêncio. Valquíria parece considerar. Vivi, desconfiada, hesita.

DANIEL - (olha direto para Vivi) Você acha mesmo que eu seria capaz de machucar meu irmão?

Vivi não responde. O olhar dela vacila. A dúvida está no ar, densa como fumaça.

Valquíria, impaciente, quebra o momento.

VALQUÍRIA - Vamos, então?

Lucinha se junta às duas. Vivi encara Daniel por um instante a mais, antes de ceder.

As três saem da sala, com passos firmes. A câmera acompanha as costas de Daniel, agora sozinho, imóvel no centro da sala de espera.

Ele respira fundo. A sombra do mistério o envolve.

CORTA PARA:

CENA 2. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE VALQUÍRIA. INT. NOITE

 

SONOPLASTIA - TZIGANE – DALIDA.

 

O som dramático da música preenche o ambiente com intensidade e mistério. A suíte de Valquíria está envolta por uma penumbra elegante. Luzes suaves delineiam os móveis imponentes, espelhos dourados e cortinas de veludo pesado que sussurram com o vento da madrugada.

A porta se abre devagar. Laura — conhecida por todos como Selma — surge com sua postura altiva e passos controlados. Ela entra sem pressa, como se já pertencesse àquele espaço.

Fecha a porta com delicadeza e, antes de se mover, lança um olhar calculado ao redor. Um leve sorriso se forma no canto dos lábios. Laura murmura para si:

LAURA - (baixo, venenosa) O que será que eu posso encontrar aqui... que me ajude a ganhar a confiança da Carolina?

Ela avança pelo quarto, observando os detalhes com olhos treinados. Penteadeira, perfumes, joias. Tudo no lugar. Impecável. O mundo de Valquíria exala riqueza, vaidade e poder.

Laura se aproxima de uma cômoda. Abre uma gaveta com discrição. Vasculha rapidamente. Encontra lenços de seda, uma nécessaire, caixas pequenas. Nada.

Abre outra. Revira com mais firmeza — sem pressa, mas com método.

Então, jogado sem cuidado no fundo da gaveta, ela encontra um bilhete amassado. Pega o papel com os dedos firmes, desdobra devagar. Lê em silêncio.

Close no rosto de Laura. Seus olhos se estreitam. O conteúdo do bilhete não é revelado ao público — apenas a sua reação, um misto de prazer e triunfo silencioso.

A câmera se aproxima. A música cresce. Laura ergue o olhar para o espelho à sua frente, encara seu reflexo e diz com frieza, com voz baixa e venenosa.

LAURA — Em casa de cobra criada ninguém entra de pé.

A música atinge o ápice. Laura sorri. Lenta, fecha a gaveta. A câmera sobe, revelando a suíte luxuosa vista de cima — agora com uma presença clandestina e venenosa escondida em seu coração e a sonoplastia cessa, juntamente com a câmera que escurece.

CORTA PARA:

 

CENA 3. SÃO PAULO. AMANHECER. EXT.

 

SONOPLASTIA - DEVIL PRAY – MADONNA.

 

A cidade de São Paulo desperta sob um céu cinzento, melancólico.

Planos aéreos cruzam a metrópole: os arranha-céus envoltos em neblina, o trânsito começando a ganhar corpo nas marginais, o concreto úmido refletindo a primeira luz do dia.

A batida grave da música cria um contraste inquietante com a calma aparente da manhã. As notas ecoam como um presságio.

CORTA PARA:

Câmera desliza suavemente por bairros residenciais adormecidos, ruas vazias e silenciosas, até que a imagem pousa sobre os muros altos e ornamentados da mansão dos Godoy Bueno.

O portão de ferro forjado está fechado. Câmeras de segurança vigiam discretamente. A fachada imponente surge emoldurada pela luz do amanhecer: um palacete neoclássico de colunas brancas e jardins cuidadosamente esculpidos.

As janelas estão fechadas. Atrás daquelas paredes, há mais segredos do que qualquer um poderia imaginar.

A trilha continua enquanto a câmera se aproxima lentamente da mansão.

CORTA PARA:

são no rosto, está prestes a sair. Abre o closet, pega uma bolsa. Vai em direção à porta. Está apressada.

CENA 4. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE CAROLINA E MARCO AURÉLIO. INT. DIA

A luz do dia entra pelas grandes janelas da suíte. Um feixe dourado atravessa as cortinas de linho, tocando de leve a cama impecavelmente arrumada. Tudo ali carrega o peso do silêncio e da ausência — Marco Aurélio no hospital, Carolina em um disfarce impossível.

Vivi, ainda com os traços de tensão no rosto, está prestes a sair. Abre o closet, pega uma bolsa. Vai em direção à porta. Está apressada. Ela ouve uma batida discreta na porta.

Vivi hesita por um segundo, respira fundo e abre a porta.

Laura surge com uma expressão contida de apreensão. Sua voz sai suave, mas cheia de intenção.

LAURA -  (com doçura ensaiada) Desculpe incomodar, Carolina (pausa) Eu fiquei preocupada com o que encontrei ontem à noite. Não consegui dormir. Achei melhor te mostrar.

Vivi franze o cenho, curiosa e desconfiada.

VIVI  - (tentando manter a postura) Encontrou o quê, Selma?

Laura ergue um papel ligeiramente amassado, com a borda rasgada. Entrega como quem carrega uma bomba nas mãos.

LAURA — Achei que era melhor você mesma ler...

Vivi pega o papel e, ao desdobrar, seus olhos percorrem a caligrafia trêmula. O texto está em espanhol. Seu rosto empalidece. O tempo parece parar.

CLOSE NO PAPEL:
"Si no puedo vivir sin él, mejor no vivir."

As mãos de Vivi tremem. A câmera capta o instante em que ela compreende o que está lendo. Ela olha para Laura, tentando manter o disfarce, mas seus olhos denunciam o pânico.

VIVI - (tensa) Onde exatamente você achou isso?

LAURA -  (fazendo-se de santa) Estava no chão, no corredor, mas, confesso, acho que caiu da bolsa da Valquíria. Vi ela mexendo nela um pouco antes. Achei que você deveria saber.

O silêncio paira. Vivi, tentando conter o colapso, guarda rapidamente o bilhete na bolsa.

VIVI - (curta, seca) Eu preciso ir pro hospital.

Sai apressada, quase em fuga. A câmera acompanha Vivi se afastando pelo corredor largo da mansão, com o papel queimando em sua bolsa.

CORTE PARA: LAURA


Parada na porta, sozinha, observando a saída de Vivi. Um sorriso discreto e venenoso surge em seus lábios. Ela se vira, fecha a porta devagar.

LAURA - (para si, sussurrando) Uma peça por vez e o tabuleiro é meu.

CORTA PARA:

CENA 5. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE VALQUÍRIA. INT. DIA

Valquíria está só. A luz do dia entra filtrada pelas cortinas fechadas. A atmosfera é abafada, pesada.

Ela caminha até a cômoda com passos firmes. Abre a gaveta com determinação. Vazia.

Por um segundo, sua expressão se mantém neutra, mas logo se desmancha em pânico silencioso. Os olhos arregalados. A respiração presa no peito. Ela fecha a gaveta com força.

INSERT – MANSÃO DOS GODOY BUENO. ESCRITÓRIO. INT. NOITE. FLASHBACK.

A cena é fria, silenciosa. Apenas o som do relógio de parede.

Ana Maria está caída no chão do escritório. Ao lado do corpo, um bilhete manuscrito em espanhol:

"Si no puedo vivir sin él, mejor no vivir."

A câmera foca nos dedos delicados da jovem, que repousam próximos à folha. Há uma flor caída também, como símbolo de algo interrompido.

Valquíria olha com nojo contido para o corpo. Suspira com impaciência.

VALQUÍRIA - (mordaz, sem alma) Já não bastava uma babá de terceiro mundo (irônica) “se matar na minha casa”, agora o meu filho leva um tiro? Isso aqui virou novela mexicana.

Ela caminha até o bilhete, apanha o papel com dois dedos, com nojo. Olha de novo o corpo de Ana Maria como se olhasse uma poça no chão.

Em silêncio, rasga o bilhete com calma. Depois pega um novo papel de dentro de um fichário de couro. Escreve com a mesma letra — firme, pausada.

CLOSE NO NOVO BILHETE:
"Si no puedo vivir con él, ninguno de los dos debe vivir."

Ela dobra, cuidadosamente, e coloca o novo bilhete no chão, ao lado do corpo.

Em seguida, se aproxima da janela. Puxa as cortinas com violência, como se quisesse varrer o drama para longe.

VALQUÍRIA - (para si, fria, venenosa)Se você morrer, meu filho a empresa não vai junto. E eu serei mais eficiente que a justiça para encontrar o seu atirador.

FIM DO INSERT.

Valquíria volta do transe. Está novamente diante do espelho da penteadeira. Os olhos fixos em sua imagem. A maquiagem perfeita. O cabelo impecável. Mas o rosto trincado pela ansiedade.

Ela leva a mão até a gaveta onde escondia o bilhete.

A câmera se aproxima lentamente de seu reflexo.

Ela sussurra para si, num fio de voz, carregado de veneno e medo:

VALQUÍRIA — É só uma questão de tempo até alguém farejar esse cadáver ...

Ela sorri nervosa. Mas o sorriso desaparece antes mesmo de se formar. Um vestígio de culpa? Não. Apenas cálculo.

CORTA PARA:

CENA 6. HOSPITAL ALBERT EINSTEIN. QUARTO DE MARCO AURÉLIO. INT. DIA

 

SONOPLASTIA – TANGO DA BRONQUITE - ANGELA RÔ RÔ – INSTRUMENTAL

 

Marco Aurélio repousa na cama, inconsciente, conectado a máquinas. Seu rosto está pálido, um curativo cobre parte do abdômen. A tela do monitor cardíaco exibe batimentos regulares.

Daniel está de pé ao lado da cama, olhos inflamados de desejo e inveja.

DANIEL - (baixo, irônico) Você não pode me ouvir, irmãozinho. Nem reagir. (pausa) A Carolina é minha. Casou com você, mas sempre me amou. (ri com escárnio) E agora me rejeita?

Ele dá uma volta pelo quarto, passa os dedos nos móveis. Sente-se à vontade.

DANIEL - (continua) Mas e se você estiver morto? Será que continua assim?

Ele solta uma risada contida. Caminha até o armário, abre com naturalidade, retira um travesseiro. A música cresce sutilmente.

Daniel retorna dançando, passos leves, quase performáticos. Uma dança macabra. Sorri. Aproxima o travesseiro do rosto de Marco Aurélio.

Close no monitor cardíaco — os batimentos diminuem gradualmente.

Daniel observa, excitado com o poder, os olhos marejados de adrenalina.

Quando o som do monitor beira o alarme — A PORTA SE ESCANCARA.

Vivi (disfarçada de Carolina) entra correndo, grita.

VIVI — O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?

Daniel recua, assombrado. Larga o travesseiro. Marco Aurélio permanece inconsciente, mas vivo.

DANIEL - (transtornado, sincero) Tô encontrando um jeito de ficar com você, Carolina!

VIVI — Não me chama assim.

Ela retira o bilhete do bolso e o ergue diante de Daniel, os olhos duros:

VIVI - (seca) Foi você quem tentou matar o Marco Aurélio ontem à noite?

Daniel pisca, atordoado. A cor foge de seu rosto.

DANIEL - (confuso) O quê? Não (pausa) Eu achei que tinha sido a Ana Maria! (ele respira ofegante) Eu perdi o controle agora, aqui. Mas não premeditei nada. Jamais contrataria um matador...

VIVI - (irônica) Mas mataria com um travesseiro?

DANIEL - (quase infantil) Não é o que parece, Carolina, eu...

VIVI - (cortando, dura) Sai do quarto, Daniel. Agora. Ou eu chamo a segurança.

Daniel hesita. Queria dizer algo mais. Mas sai — silencioso e derrotado.

Silêncio.Marco Aurélio abre os olhos.

MARCO AURÉLIO - (fraco) Você não é a Carolina.

Vivi se aproxima da cama. Abaixa o tom.

VIVI:
— Quando a gente saiu de casa pra ir à delegacia alguém atirou em você. (pausa) Disseram que foi a Ana Maria. Mas eu vi o bilhete original, a Valquíria plantou outro pra incriminar ela.

Marco Aurélio fecha os olhos por um segundo. Reabre. Entende tudo.

MARCO AURÉLIO — E você acha quem atirou em mim (pausa) Foi quem matou a Carolina?

VIVI — É o que eu acho. E acho que essa pessoa tá mais perto do que a gente imagina.

OLHAR TENSO ENTRE OS DOIS.

Nesse instante, o celular de Vivi vibra. Ela vê a notificação.

MENSAGEM ANÔNIMA: “Dessa vez foi de raspão. Na próxima, quem abrir a boca morre.”

Vivi treme. O celular escorrega da sua mão.

Ela recolhe e entrega a Marco Aurélio.

VIVI - (em choque) Olha isso...

Close no rosto de Marco Aurélio, agora desperto, alerta, assustado.

Close em Vivi, entre o pavor e a decisão.


CORTA PARA:


FIM

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