A INTRUSA - CAPÍTULO 35 - (03/10/2025)

       

A INTRUSA

CAPÍTULO 35

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI


CENA 1. APARTAMENTO DE LUCINHA. INT. NOITE

 

SONOPLASTIA – “DO I WANNA KNOW?” – ARCTIC MONKEYS – INSTRUMENTAL

 

O ar está pesado, denso, quase palpável. Um silêncio que grita, atravessa paredes e escapa pelo ralo. A luz mortiça do abajur lança sombras deformadas nos rostos pálidos — cada um carregando seu medo, sua culpa, seu veneno.

Laura, com olhos incendiados pela loucura e um sorriso torto, rasga a noite como quem dança na beira do abismo, flertando com a queda.

Ela caminha lentamente, hipnotizante e letal, fixando o olhar nas presas — Vivi, Lari e Patrícia — presas numa armadilha invisível, já sentindo o gás envenenar o ar.

LAURA - (voz ríspida, um veneno doce, quase cantado) Vim botar fim nessa sujeira toda. Matei a Lucinha.
Lívia tava chegando perto demais. Rubinho? Babaca.
Devia ter deixado os segredos quietinhos com ela.

VIVI - (tremendo, voz falhando) Como pôde? Eu confiava em você...

Laura gargalha — um som seco, cruel, chuva ácida caindo nas frágeis esperanças.

LAURA -Confiança? Você fez coisa pior comigo, né, Carolina?
Olha pra mim, filha da pu... Você me viu por tanto tempo e nem teve coragem de encarar a verdade.
Eu destruí sua vida — e você nem percebeu.

VIVI - (sussurrando, quase pedindo misericórdia) Eu não entendo...

LAURA - (fria, cortante, gélida) Nem precisa entender, meu bem. No fim, vocês vão todas morrer do mesmo jeito.

Lari se levanta, cheia de atitude, voz firme, pegando pesado com a linguagem e o sotaque, fazendo um pajubá afiado, cortante, direto:

LARI PACOTÃO - Óia só, nega: tu tá maluca, selminha? Tu vai sair daqui é amarrada, cê tá me entendendo? Algema na mão, bicha, vai dormir na cela. Não tem essa de me fazer de refém, não!

Laura sorri, insana, com chamas negras brilhando nos olhos.

LAURA - Antes de chegar aqui, abri o gás da cozinha. Ia explodir tudo depois que achasse as provas.
Queria matar a Patrícia, mas já que tão todas aqui, vou guardar criatividade pras próximas mortes.

Ela saca a arma com teatralidade cruel, apontando com deboche mortal.

LAURA - Celular, agora. (pausa de escárnio) Quem resistir, cai na mesma.

Lari cruza os braços, encarando, com um deboche sarcástico e desafio mortal.

LARI PACOTÃO - Atira logo, sua doida! Eu tô pronta, gata, chega com essa merda.

Laura ri, rouco, um riso que soa como sentença de morte.

 

LAURA - A morte de vocês vai ser lenta, dolorida, inesquecível.

Caminha até a cozinha, passos de predadora. A câmera a acompanha de perto, engolindo cada instante de maldade. Ela quebra a alavanca do gás, abre todas as bocas do fogão — o cheiro doce e mortal começa a invadir o apartamento.

LAURA - (sussurrando, uma promessa sombria) Quero que sintam o fim chegando, devagarinho, sufocante...

 

Ela sai. O silêncio pesado e o cheiro pegajoso do gás ficam como sentença pairando no ar. As três mulheres batem freneticamente na porta da sala, desesperadas, gritando, tentando sair.

LARI PACOTÃO - (gritando em pajubá, entre lágrimas e raiva) Socorro, minha filha! Abre essa porta, pelo amor da santa! Tu quer ver a gente morrer asfixiada, é? Abre, ô, criatura!

Elas continuam batendo e gritando, mas a porta não cede. O tempo escorre lento, um veneno invisível que envolve tudo, abraça cada corpo, cada alma.

A câmera se afasta, deixando o silêncio mortal e o cheiro de gás dominar a cena, enquanto a sombra de Laura desaparece no corredor.

 

CORTA PARA:

CENA 2. DELEGACIA. SALA DE INVESTIGAÇÃO. INT. NOITE

A luz fria, quase clínica, recorta a figura de Clara diante do computador. O ambiente é impessoal, silencioso, quase aséptico — como se até o crime tivesse medo de respirar ali. O brilho azul da tela revela seu rosto tenso, porém impassível. Ela fita o retrato falado recém-finalizado.

É ela. Laura. Ou melhor, Selma. A mulher que Clara caça com a obstinação de quem foi ferida onde mais doeu.

A porta se abre sem cerimônia. Policial 1 entra com passos rápidos e um humor cínico mal disfarçado.

POLICIAL 1 - (leve tom de urgência, mas com ironia no riso) Retrato falado finalizado, delegada. (mostra a tela) Se fosse a senhora, agia rápido. Esse tipo aí não vira escândalo — vira lenda urbana. Igual a Lewinsky Monica. Só que com mais sangue e menos vestido azul.

Clara não se vira de imediato. Deixa o silêncio fermentar. Então, sorri — um sorriso lento, fino, cruel. Quase elegante.

Seu olhar, porém, é de gelo.

CLARA - (calma, sem levantar a voz, mas com a autoridade de quem dita o fim do capítulo) Emita o mandado de prisão. E avise à equipe: nada de barulho. Ela sai viva ou morta, mas sai pequena.

O policial a encara por um segundo, surpreso com a frieza. Ele engole seco, assente com a cabeça, e sai.

Clara se levanta com lentidão calculada. Seu blazer é impecável, o coque milimetricamente preso. Ela caminha em direção à porta, firme, como quem atravessa o corredor do poder — ou da vingança.

A câmera a acompanha de costas, recuando lentamente, até que a imagem mergulha na penumbra. Só restam as luzes piscando da CPU e o retrato congelado na tela: o rosto de Laura, quase sorrindo.

CORTA PARA:

 

 

CENA 3. APARTAMENTO DE LUCINHA – FACHADA – EXT. NOITE

 

SONOPLASTIA — “DO I WANNA KNOW?” – ARCTIC MONKEYS – INSTRUMENTAL

 

A trilha instrumental ecoa pela rua, criando uma atmosfera densa e carregada. Laura sai do prédio, o rosto desajeitado e marcado pela exaustão e pela tensão. Um sorriso torto escapa dos seus lábios — uma risada quase louca, um misto de alívio e desafio diante do perigo que acabou de escapar.

Do outro lado da rua, Marco Aurélio observa a cena em silêncio, com a expressão pesada, o olhar fixo em Laura. Algo não encaixa, uma sensação inquietante cresce em seu peito. Sem hesitar, ele desce do carro, atravessa a rua com passos decididos e desaparece na entrada do prédio.

O clima é tenso, carregado de presságios, enquanto a noite paulistana segue seu ritmo caótico e impiedoso.

CORTA PARA:

 

CENA 4. MANSÃO DOS GODOY BUENO. JARDIM. EXT. NOITE

 

O jardim está mergulhado numa escuridão úmida e espessa. Os postes antigos emitem uma luz amarelada, filtrada pela névoa que sobe da grama molhada. Tudo é silêncio — exceto pelo leve som do vento nas árvores e do cigarro sendo tragado.

Daniel, encostado na parede de pedra da mansão, encara o vazio. O cigarro entre os dedos arde lentamente, a fumaça subindo como um segredo maldito.

Valquíria surge das sombras. Vem tensa, o casaco apertado ao corpo, a expressão carregada.

VALQUÍRIA - Posso fumar um?

Daniel não responde de imediato. Só estende o braço, oferecendo o isqueiro. Ela se aproxima. Ele acende para ela. O fogo ilumina brevemente os rostos dos dois — há uma distância de décadas naquele breve reflexo.

DANIEL - Por que mentiu pra mim a vida toda?

Valquíria congela. Uma pausa incômoda. Ele gira o rosto, encara-a sem piedade.

DANIEL - Por que me fez acreditar que eu era filho do José Luiz?

Ela traga fundo. Solta a fumaça devagar, como quem prolonga o inevitável.

VALQUÍRIA - Por conveniência.

Ele sorri — um riso seco, de quem já esperava a pior resposta.

VALQUÍRIA - José Luiz teve seus casos. Eu tive os meus. Um deles foi o Serpentinha. Ele foi o único homem que eu amei de verdade.

Daniel fecha os olhos por um instante. Aquilo dói mais do que ele gostaria.

VALQUÍRIA - Você sempre foi meu filho predileto. Porque é fruto desse amor.

DANIEL - Você é incapaz de amar.

Ela segura o olhar dele. Um segundo de silêncio espesso.

VALQUÍRIA - Tudo o que faço é por amor. Amor pelos meus filhos. Pelo dinheiro. Pelo sobrenome.

Daniel dá um passo para trás. A repulsa quase o faz rir.

DANIEL - Você é uma droga de mãe. E eu não sei o que fazer com isso.

Valquíria traga o cigarro como se fosse o último. A brasa ilumina o contorno de sua máscara fria.

VALQUÍRIA - O sangue sempre fala mais alto, Daniel. Uma hora ou outra, você vai saber de que lado ficar.

Daniel a encara uma última vez. A dor latejando nos olhos. Vira as costas e se afasta. Seus passos afundam na grama molhada como uma despedida sem retorno.

Valquíria permanece.  Só. Firme. O olhar perdido em algum lugar entre o passado e o precipício. Uma mulher fria tragando não só fumaça — mas tudo que ela nunca teve coragem de sentir.

CORTA PARA:

 

CENA 5. APARTAMENTO DE LUCINHA. SALA DE ESTAR. INT. DIA

 

O ambiente está enevoado por uma névoa quase invisível, mas mortal. O som do gás escapando se mistura ao pânico abafado das vozes femininas. Lari Pacotão, Vivi — que todos acreditam ser Carolina — e Patrícia cambaleiam pela sala, tossindo, desesperadas, com os olhos lacrimejantes e os rostos tomados pelo medo.

LARI PACOTÃO — (ofegante, em pajubá) Mona, essa catinga tá babado! Tô passada, cadê o ar dessa gaybola?

PATRÍCIA — (batendo na porta) Alguém! Pelo amor de Deus! Tem gás! A gente vai morrer!

De repente, ouvem-se batidas fortes do lado de fora. É a voz de Marco Aurélio, carregada de tensão e urgência.

MARCO AURÉLIO — Saiam de perto da porta! AGORA!

As três recuam tropeçando para o fundo da sala. Um segundo depois, um estrondo: a porta é arrombada. Marco Aurélio surge como uma visão de salvação em meio à fumaça de gás, cobrindo o rosto com a camisa. Ele segura Vivi pelos braços e a ajuda a sair, Patrícia vem logo atrás, amparada por Lari.

O ar fresco do corredor entra como um personagem novo, trazendo vida de volta ao quadro de quase morte. Os quatro saem cambaleando. Vivi, ainda recuperando o fôlego, se volta para Marco Aurélio com o olhar decidido.

VIVI — A gente precisa ir pra mansão. Agora. Selma, ou seja lá quem for, ela tá a caminho. E no carro a gente liga pra polícia.

MARCO AURÉLIO — (resoluto) Vamos. Mas se demorar mais um minuto aqui, a gente vai virar notícia no Datena.

LARI PACOTÃO — (já se recuperando e com humor nervoso) Credo, mona, nem meu último babado foi tão explosivo!

Eles saem às pressas, engolidos pela escada. O cheiro de gás ainda impregna a sala como uma ameaça latente, e a câmera permanece ali, no vazio, até o corte.

CORTA PARA:

 

CENA 6. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE AURORA. INT. NOITE

 

SONOPLASTIA — “TOXIC” – 2WEI

 

A suíte da menina está envolta em penumbra. A luz da babá eletrônica projeta sombras estranhas nas paredes, distorcidas como sonhos ruins. Um móbile gira lentamente sobre o berço, emitindo um rangido quase imperceptível — como um sussurro de algo que não quer ser ouvido.

Aurora dorme, encolhida, com um bichinho de pelúcia nos braços. Um anjo no meio do caos.

Diante do berço, Laura — que todos acreditam ser Selma — observa com um olhar fixo, inquietante. Seu cabelo está preso num coque improvisado, desalinhado. Os olhos, vermelhos e fundos. Ela sussurra uma canção de ninar fora de tom, como se zombasse da própria infância.

LAURA - (voz sussurrada, quase uma prece insana) Acorda, princesa, a Cuca já tá vindo. Mas eu vou te salvar.

Aurora se mexe, sonolenta. Abre os olhos, piscando, e vê Laura sorrindo com doçura falsa. A mulher se inclina, aproxima o rosto.

LAURA - (mais alto, teatral) Se você quer que eu te proteja da Cuca tem que vir comigo agora. A Cuca tá descendo aquela escada com as unhas grandes e a boca cheia de dentes. Mas eu sei pra onde a gente pode fugir.

A menina, ainda confusa entre sonho e realidade, balança a cabeça lentamente. Laura estende a mão. Aurora, hipnotizada, confia. Sai do berço e caminha com ela de mãos dadas, como se fosse um jogo.

O corredor os engole. O som do móbile ainda gira ao fundo.
A música se intensifica. Algo definitivamente errado pulsa no ar.

A câmera permanece no quarto vazio. O móbile para de girar. A luz pisca uma vez e se apaga.

CORTA PARA:

 

CENA 7. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA DE ESTAR. INT. NOITE

 

A iluminação é baixa, cálida, os reflexos do lustre dançam nos móveis antigos. Armand está recostado na poltrona, o copo de uísque entre os dedos. A trilha do relógio de parede pontua o silêncio com precisão cruel. Ele encara o líquido âmbar como se buscasse respostas ali.

A porta se abre com discrição e Isabella entra, impecável como sempre, trajando um robe de seda preta e pérolas que parecem pesar a alma. Seus saltos ecoam com elegância e ameaça.

ISABELLA —  Necesitamos hablar de ese circo que llamas matrimonio.

Armand não levanta os olhos. Apenas sorri de canto, como quem já sabe o roteiro da peça.

ARMAND —  Abuela, si vino a insultar a Lari otra vez, puede dar la vuelta.

ISABELLA —Estoy pensando en ti. En tu futuro. En el legado que te corresponde. Esa mujer no combina con  nuestro apellido. Mucho menos con un imperio.

Ele ri baixo, um riso que é quase um soluço contido.

ARMAND — Y tú crees que yo quiero ese imperio. No necesito tu dinero ni tu apellido. Yo tengo a Lari, tengo mi vida. Y soy feliz.

ISABELLA — Feliz es un estado que dura poco. Y tú naciste para más.

Armand se levanta, encara a avó de igual para igual. O tom muda — há dor na firmeza dele.

ARMAND — No quiero “más”. Quiero “menos”. Menos veneno, menos juego, menos codicia. Quiero amor.

ISABELLA — (fria) Qué patético.

Ela vira de costas, mas antes de sair, encara o neto como se ele tivesse rasgado o testamento do próprio destino.

ISABELLA — Todos precisamos de más. Los que dicen que no… mienten.

Ela sai, deixando no ar a fragrância cara do seu perfume e o gosto amargo do que não pode ser desdito. Armand permanece imóvel, olhando o copo agora vazio. O silêncio da sala pesa como chumbo.

A cena é ácida, elegante e com o peso emocional de uma dinastia desmoronando em silêncio.

CORTA PARA:

 

CENA 8. CARRO EM MOVIMENTO – RODOVIA DESERTA. INT. NOITE

 

SONOPLASTIA — “TOXIC” – 2WEI

 

O carro corta a noite como uma navalha. Os faróis rompem a escuridão da estrada, revelando breves flashes de árvores tortas e um céu sem estrelas. Dentro do carro, o ambiente é tenso, silencioso, abafado.

Marco Aurélio está ao volante, com os olhos fixos na estrada e as mãos trêmulas no volante. Ao seu lado, Vivi — que todos acreditam ser Carolina — segura o celular, apertando-o com força. Atrás, Lari Pacotão e Patrícia se entreolham, apreensivas.

O celular vibra. Vivi atende.

VIVI - (aliviada, desesperada) Alô?! Quem é?

A voz de Laura — descompassada, debochada, encantadoramente insana — invade o carro pelo viva-voz.

LAURA - (V.O.)(sarcástica, com um tom de diva bêbada) Ah, Vivi, mais resistente que as esculturas gregas do Partenon! Te quebra, te colam, e você ainda sorri. Pena que, no final, todas as estátuas caem do pedestal.

Vivi paralisa. Seu rosto empalidece.

VIVI – Aurora, cadê a Aurora?

LAURA - (V.O.)(com voz doce, quase infantil) Tá aqui comigo, claro. Coisa mais linda com um lencinho no pescoço. Azul Tiffany. Chiquérrima.

AURORA - (V.O.) Oi, mamãe! Tia Selma me salvou da Cuca!

VIVI - (em choque) Meu Deus...

LARI PACOTÃO - (abaixa a cabeça) Essa mulher é a própria Cuca.

LAURA - (V.O.) (rindo alto) Ai, Lari, sua danada! Adorei! A Cuca com Chanel. Mas olha só, Carolina, o lenço da Aurora seria uma pena se eu tivesse que apertá-lo um pouco mais, né?

VIVI - (grita) NÃO! Laura, por favor. Me diz onde vocês estão! O que você quer?!

LAURA - (V.O.)(súbita mudança de tom, fria) Quero ver você... no amanhecer. Na mansão em Campos do Jordão. Sozinha. Ou o lenço vira nó.

A ligação cai. O som do fim da chamada ecoa no carro como uma sentença.

PATRÍCIA - Meu Deus... ela tá completamente fora de si.

LARI PACOTÃO - (murmura) Sempre esteve. A diferença é que agora ela tá com figurino e trilha sonora.

CORTA PARA:

 

CENA 9. CARRO DE LAURA – ESTRADA ESCURA. INT. NOITE

 

A sonoplastia da cena precedente continua, Laura dirige em silêncio, com um sorriso lânguido e um olhar perdido. A pequena Aurora dorme no banco de trás, abraçada a um ursinho.

Laura lança um olhar pelo retrovisor.

LAURA - (voz baixa, quase um sussurro teatral)
Ah, meu amor, vamos visitar os fantasmas de mamãe. Vai ser um espetáculo. Só falta o champagne.

Ela ri sozinha, uma risada que beira o abismo. Um raio cruza o céu. A estrada continua escura, sinistra, como se o inferno estivesse à espera logo depois da curva.

CORTA PARA:

FIM

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