O PREÇO DA VIDA - CAPÍTULO 01 (20/10/2025)




 O PREÇO DA VIDA 


criada e escrita por: Luccas Sanza 


Capítulo 01


CENA 01. CASA DE EDNA. INT. COZINHA. DIA.


A água tamborila no telhado. O céu nublado cobre a cidade imperial. Gotas finas descem pela janela. Um gato cruza o muro da casa modesta.


Na cozinha, um quadro de Júlio e Edna. Aos pés da porta, o tapete: Bem-vindo.


Na mesa, frutas, pão, bolo, suco. Júlio e Edna — mãe e filho.


JÚLIO — Acordou mais feliz do que o normal hoje, mãe. Aconteceu algo pra esse sorriso tão lindo no rosto?


EDNA — Lembra que eu te disse que me inscrevi naquela Fábrica de Costura aqui em Petrópolis? Então, me mandaram uma mensagem pra eu fazer um dia experimental lá.


JÚLIO — Tomara que a senhora consiga, mas precisa tomar cuidado por causa da quimioterapia, que deixa a senhora muito cansada. O médico também disse para não fazer muito esforço.


EDNA — (DA UM GOLE NO CAFÉ) Meu filho, aprende uma coisa: estou doente, sim, mas não estou morta. Não estou me sentindo cansada e consigo fazer bastante esforço. Estou muito bem.


Edna tosse seco.


JÚLIO — (DEBOCHANDO) Estou vendo, a senhora até parece bem, mas não está aguentando nem falar direito. E trabalhar? Nem pensar! Fábrica nenhuma!


Edna se levanta com uma xícara de café e toma mais um gole.


EDNA — (RINDO) Acha que pode me mandar, é? (SÉRIA, FRIA) Se eu quiser, vou sim. E não será você quem vai me impedir.


JÚLIO — Tá, mãe… vai lá. Mas não diga que eu não avisei quando você estiver exausta e nem conseguir lavar um copo.


EDNA — Eu cansada? Dois anos de quimioterapia e três lutando contra o câncer… não vai ser agora que vou me render.


Em plano fechado câmera captura os olhos de Edna, arregalados, perdidos. Um silêncio pesado domina a cena.


a xícara de café cai no chão, quebrando o silêncio com um estalo seco.


Edna cambaleia, tonta, apoiando-se na mesa.


Em corte rápido câmera travela sobre Júlio. Ele percebe a queda, o rosto congelado, respiração acelerada.


JÚLIO — MÃEEEE!


Ele corre até ela, passos rápidos, câmera handheld acompanha a corrida, transmitindo urgência e desespero.


Antes que consiga segurá-la completamente, Edna desaba nos braços de Júlio, inconsciente.


de volta ao plano fechado agora nos rosto de Júlio. Seus olhos marejados, respiração ofegante. A câmera fica imóvel, capturando cada detalhe da dor e do medo.


Corte lento para o chão. Fragmentos de xícara espalhados, café escorrendo pelo piso. O silêncio retorna, pesado e cortante.


A câmera acompanha Júlio correndo até a janela — ele ofega, suado.


JÚLIO — FABINHO! PELO AMOR DE DEUS, SOBE AQUI! MINHA MÃE DESMAIOU!


Fabinho sobe as escadas, aflito. Ao entrar, vê Edna caída no chão e Júlio de joelhos ao lado dela.


JULIO — ajuda a levar ela pro carro! A gente precisa correr pro hospital!


Chuviscos, tempo escuro. Beco apertado

Fabinho entra no carro. Júlio surge logo atrás, carregando Edna desacordada nos braços.


Os pneus traseiros rasgam o asfalto molhado, levantando fumaça.


Corte para:



ABERTURA



CENA 02. HOSPITAL “UPA”. INT. QUARTO. DIA.


Movimento frenético. Corredores lotados. Pacientes em macas. Enfermeiros apressados. O caos cotidiano de um hospital público.


Corte súbito para o quarto. Entre as camas, destaca-se Edna, adormecida. O som constante do monitor cardíaco ecoa pelo ambiente.


Ao lado da cama, Júlio segura firme a mão da mãe, os dedos entrelaçados.


Fabinho caminha de um lado para o outro, inquieto.


planos fechados no rosto Júlio. Lágrimas escorrem lentamente, marcando sua dor silenciosa.


JULIO — Isso não pode estar acontecendo... É um pesadelo, só pode!



FABINHO — Calma, mano. Tia Edna é guerreira, ela aguenta.


A porta se abre. Um médico entra apressado, prancheta na mão.


MÉDICO — são a família de Edna Maria da Silva?


JÚLIO — (SIM, SE LEVANTANDO DE IMEDIATO) Sou o filho dela, doutor.


MÉDICO —  (OS OLHOS FIRMES) Recebi os resultados dos exames. Sua mãe tem pólipos vocais avançados. A obstrução está comprometendo a respiração e, se não agirmos agora ela morre, o risco é sério. (PAUSA, RESPIRA FUNDO) A cirurgia é complexa e delicada. Não é feita pelo SUS — é paga, e o valor é de duzentos e cinquenta mil reais. É a única forma de salvar a vida dela.(APROXIMA-SE LEVEMENTE, TOM MAIS HUMANO) Se vocês conseguirem esse recurso, há esperança. Sem isso... temo que a chance dela resistir seja mínima. Júlio leva as mãos ao rosto, desesperado.


MÉDICO — (ENTREGANDO A PRANCHETA) Eu sei que é muito dinheiro. Eu sei que é assustador. Mas cada minuto conta. Pensem rápido, cada segundo importa.


O médico se afasta e sai. A porta se fecha devagar.


JÚLIO — Não agora! Porra!


Ele joga o vasinho no chão. O vaso se quebra em cacos; a terra se espalha.


FABINHO — Relaxa, cara. Tem um jeito. Você consegue…


JÚLIO — (INTERROMPENDO) Consigo o quê? Consigo o quê, Fabinho? Onde eu vou arrumar duzentos e cinquenta mil reais? A minha mãe vai morrer — vai morrer!


Fabinho põe a mão no bolso, retira a carteira, abre-a com calma e entrega um cartão a Júlio. No cartão, em letras elegantes: Odila Silveira Blond.


JÚLIO — O que eu vou fazer com isso aqui, hein?


FABINHO — (SE APROXIMANDO, QUASE SUSSURRANDO) Ela paga bem à noite. Se transar com a coroa algumas vezes... talvez consiga os duzentos e cinquenta mil.


JÚLIO — (EXPLODINDO) Tá de sacanagem? Você tá dizendo pra eu me vender pra velha? Fabinho... eu sabia que você era idiota, mas não a esse ponto!


FABINHO — (FRIO, INCISIVO) Idiota é você. Enquanto reclama, eu ajo. Liga pra ela. É isso ou ver sua mãe morrer.


JÚLIO — (OLHOS VERMELHOS) Cala a boca! Você fala como se fosse fácil. Você não sabe o que é se jogar nesse buraco!


FABINHO — (APROXIMA-SE MAIS, FIRME) Eu sei o que é perder uma mãe, Júlio. E dói muito mais do que vender um pedaço da sua dignidade.


Júlio baixa os olhos, a respiração pesada.


JÚLIO — (SUSSURRANDO) Eu não sou prostituto...


FABINHO — (CORTANTE) Não? Então seja um filho que salva a própria mãe.


Silêncio. Close em Júlio.


Corte para:


CENA 03. CARRO PARTICULAR. INT. RJ. DIA.


Um carro preto desliza pela Avenida Atlântica.


Odila, no banco de trás, óculos escuros, observa a cidade banhada pela luz da manhã.


Edson dirige, firme e concentrado, enquanto o mar reflete os primeiros raios de sol.


ODILA — Edson, faz um favor pra mim, liga o ar-condicionado, meu bem. Esse país continua um inferno.


EDSON — É, dona Odila… e vai piorar. O verão tá chegando, e o Brasil vai virar uma verdadeira fornalha!


ODILA — Já não basta eu vir pro Brasil pra resolver as merdas que meu irmão faz, ainda tenho que aturar esse calor dos trópicos… Como dizia minha amiga Odete Roitman: país tupiniquim. Que Deus a tenha em bom lugar.


EDSON — Vai se acostumando, Dona Odila… vai se acostumando!


O celular vibra na bolsa de Odila. Ela hesita, olha para a tela: Número desconhecido.


Um instante de silêncio. Ela fecha a bolsa devagar.


Edson, pelo retrovisor, fixa os olhos nela:


EDSON — Vai atender, não, Dona Odila?


ODILA — Não… não vou atender. (PAUSA, ELA RESPIRA FUNDO, FIRME) Aposto que é alguma operadora querendo vender plano… Ou… um golpe da filha sequestrada. (PAUSA, FIRME, QUASE DESAFIANDO) Mas minha filha está muito bem em Paris!


EDSON — Tá bom então, né?


Edson acelera. Corte para o lado de fora: a câmera revela a movimentação intensa de esportistas, ciclistas e turistas pelas areias de Copacabana.


Corte Para:


CENA 04. HOSPITAL “UPA”. INT. CORREDOR/QUARTO. DIA.


Júlio caminha de um lado para o outro, celular no ouvido, respiração pesada.


Fabinho surge no corredor, observando-o em silêncio.


JULIO — Droga! Ela não atende.


FABINHO — Tenta ligar pra ela de novo, talvez ela atenda.


JULIO — Já liguei pra essa Odila, milhões e milhões de vezes, mas parece que ela tá longe do celular!


FABINHO — Escuta, Júlio… você não tem tempo pra ficar esperando. Se quer alguma chance de conseguir ajuda, precisa ir atrás da Odila agora, no Rio de Janeiro. É a única pessoa que pode te ajudar nesse momento.


JÚLIO — (ANGUSTIADO) Mas e minha mãe? E se alguma coisa acontecer com ela enquanto eu estiver longe? E se ela acordar agora eu estiver no Rio sem ela saber… Eu não sei se consigo fazer isso…


FABINHO — (FIRMEMENTE) Ela vai ficar bem, Júlio. Você não pode se prender ao medo agora. Se você não fizer nada, nada vai mudar. Confia em mim, mano. Vai! Vai atrás da Odila!


JÚLIO — (RESPIRA FUNDO, A ANSIEDADE EVIDENTE) Tá… tá certo… você tem razão… mas… meu Deus… é tanta pressão…


O médico surge apressado, interrompendo:


MÉDICO — Júlio… Edna acordou.


O choque e a mistura de alívio e culpa estampam o rosto de Júlio. Fabinho coloca a mão no ombro dele, encorajando.


Cortamos para o quarto. O som do bip do monitor cardíaco ecoa pela sala silenciosa.


Edna, ainda fraca, está deitada e segura a mão de Júlio.


EDNA — Onde estou, meu filho? O que aconteceu?


Júlio — (CHORANDO) A senhora… teve um mal súbito. Mas agora… passou. Está tudo bem.


EDNA — Eu só me lembro de ter derrubado a xícara no chão… Nada mais.


Júlio segura a mão de Edna, os olhos cheios de preocupação.


JÚLIO —  Mãe… eu preciso te contar uma coisa. (VEIO TRÊMULO) A senhora desmaiou… teve uma parada cardíaca. Os exames… descobriram pólipos vocais em estágio avançado. É urgente. Precisa operar. Se não… o oxigênio pode parar de chegar ao cérebro. A senhora… pode morrer.


Edna se encolhe na cama, mãos tremendo, olhos cheios de lágrimas.


Edna — Não… não comigo! Pelo amor de Deus… não comigo! Isso não é comigo, meu filho! Eu não posso te deixar… Foi assim que sua avó… sua bisavó… morreram. Comigo não será diferente! Por favor, filho… consegue esse dinheiro! Consegue esse dinheiro, pelo amor de Deus!


Júlio aperta sua mão, a respiração presa, sem saber como responder.


 Plano médio no rosto de Júlio. A respiração curta, olhos vermelhos. Ele segura a mão de Edna como se segurar ali pudesse prender o mundo no lugar.


JÚLIO — (COM VOZ TREMENTE, FORÇANDO UM SORRISO) Mãe… eu vou pro Rio agora. Vou pedir um empréstimo, vender umas coisas da casa, eu arrumo esse dinheiro. Prometo que volto com a solução.


EDNA — (SENTANDO-SE NA CAMA, SURPRESA) Filho… por que você vai pro Rio?


Júlio engole em seco, força um sorriso, evitando o olhar dela.


JÚLIO — (COM VOZ TREMENTE, FORÇANDO CALMA) É… é pra conseguir o dinheiro da cirurgia, mãe. Vou tentar um empréstimo, vender umas coisas da casa… qualquer jeito. Só isso.


EDNA — (FRANCA, COM OLHOS LÁGRIMOSOS) Filho… eu sei que você faria qualquer coisa por mim… mas o que é esse jeito? Por que parece tão pesado?


Júlio hesita. Fecha os olhos por um instante, como se engolisse a própria vergonha.


JÚLIO — (SUSSURRANDO, EVITANDO MENTIR DIRETAMENTE) É só… algo que precisa ser feito, mãe. Confia em mim. Eu volto com tudo resolvido.


Edna segura a mão dele, olhando fixamente para os olhos do filho.


EDNA — (COM VOZ TREME, SUPLICANTE) Por favor, meu filho… não se coloque em perigo. Promete que não vai… se machucar?


Júlio força um sorriso, apertando a mão dela com força, escondendo o pânico.


JÚLIO — (SUSSURRANDO PARA SI MESMO, EM VOZ BAIXA) Eu vou fazer o que for preciso… mas me perdoa, mãe…


A câmera fecha lentamente em seus olhos, refletindo a culpa e o desespero.


Corte para:


ESTAMOS APRESENTANDO

 VOLTAMOS A APRESENTAR 


CENA 05. ROD WASHINGTON LUIZ. INT. CARRO. DIA.

sonoplastia: Voyage Voyage - Desireless


Júlio desce as curvas perigosas da serra. A chuva fina salpica o para-brisa, e o limpador luta para manter a visão clara. Carros e caminhões passam em alta velocidade, e o motor do carro ruge, ecoando no vale úmido. A tensão aumenta a cada curva, enquanto a estrada molhada exige reflexos rápidos e precisão.


O celular de Júlio vibra de repente. Ele hesita por um instante antes de atender, o som cortando o silêncio da cabine do carro.


JÚLIO — Alô? Fabinho.


FABINHO (V.O.) — Já tá na serra?


JÚLIO — Tô sim. Por quê? Aconteceu alguma coisa?


Fabinho (V.O.) — Nada demais, só umas instruções. Quando chegar no Rio, procure a Odila no restaurante Le Velmont. Ela sempre janta lá às nove.


JÚLIO — Tá, tá bom… e minha mãe, como ela tá?


FABINHO (V.O.) — Ah, ela tá bem. Ainda meio abatida, mas se recuperando. Não se preocupa.


JÚLIO — Que bom… menos mal. E quanto ao resto?


Fabinho (V.O.) — Ah, e quando for se hospedar, fica na pensão da minha madrinha Clara, lá na Tijuca, perto da Praça da Saenz Peña. Pergunta pro pessoal da banca, eles sabem.


JÚLIO — Certo, Fabinho. Vou desligar, parece que tem trânsito aqui na frente. Tchau!


FABINHO (V.O.) — Tchau. Fica ligado na pista, irmão.


JÚLIO — Tá suave, valeu. Tchau.


Fabinho desliga.


Júlio respira fundo. Tira do bolso uma foto 3x4 da mãe, amassada pelo tempo. Ele a encara por um instante — um fio de saudade no olhar.


Encosta a foto nos lábios.


JULIO — (BAIXO, QUASE UM SUSSURRO) Pela senhora.


O carro segue, engolido pela neblina.


Corte Para:


CENA 06. MANSÃO BLOND. SALÃO. INT. DIA.


Uma casa de luxo, sofisticada em cada detalhe. Logo na entrada, aos pés da escadaria, uma imponente pintura exibe a família Blond reunida. Móveis de design assinado e pisos de porcelanato refletem o bom gosto dos donos. No centro do salão, um tapete caríssimo arremata o ambiente com elegância discreta.


Malas espalhadas pelo chão anunciam a chegada de Odila Blond. Ela se senta no amplo sofá diante da escadaria, degustando calmamente uma taça de vinho.


De repente, Eva e Estevão descem a escadaria. Ela, impecável em um vestido elegante; ele, com um roupão azul, um tigre bordado no peito, e apenas a cueca.


EVA — Estevão, você viu meu carregador? Sabe onde…


Ela congela ao encontrar o olhar de Odila e solta um grito, como se tivesse visto um fantasma.


ODILA — Vocês nem imaginam o desprazer que é estar neste lugar novamente.


ESTEVÃO — Tia? A senhora não estava em Paris com a Maggie?


ODILA — (VENENOSA) Estava, felizmente… mas tive que voltar para lidar com as merdas que seu papai apronta na clínica.


EVA — Odila, minha querida, pode dar meia-volta e voltar para a França, Alemanha, Japão, China… para onde quiser! Meu marido não está administrando mal a clínica. Os relatórios que ele envia mostram que os saldos estão no verde. Ele não está fazendo nada errado.


ODILA — Eva, meu amor, não se engane. Antes de você nascer, eu já conhecia meu irmão. Sei muito bem que vocês desviam dinheiro da clínica — e isso não é de hoje.


EVA — Odila, você está se precipitando. Onde já se viu… o presidente da clínica roubar dinheiro dela?


Close em Odila. Ela se aproxima lentamente de Eva, olhando-a nos olhos.


ODILA — EX-PRESIDENTE! Eu vim exatamente para isso: tomar a empresa. É meu direito, e não vou esperar mais!


Close em Eva. Ela recua, surpresa e indignada.


EVA — VOCÊ NÃO TEM O DIREITO DE FAZER ISSO!


Odila ergue o queixo, poderosa, controlando a tensão na voz.


ODILA — TENHO SIM! A partir de hoje, EU SOU A NOVA PRESIDENTE DA CLÍNICA BLONDER. E NÃO VAI SER VOCÊ, uma parasita, que vai me impedir de governar minha própria empresa!


Eva aperta os punhos, tentando se conter, a respiração acelerada.


EVA — Tudo estava funcionando antes de você chegar… e agora você resolve se impor, sem aviso!


Ela sorri, fria, como uma predadora.


ODILA — Tive que aparecer agora. Seu marido e você são tão incompetentes que nem conseguem proteger o que é de vocês!


Ela quase grita, cheia de raiva.


EVA — EU TE ODEIO, ODILA. ODEIO!


Ela cruza os braços, vitoriosa, quase provocando.


ODILA — E eu? Eu gosto de mim mesma, Eva. Mas agora, tenho coisas mais importantes para resolver. Ah, e pede para os empregados levarem as malas para o quarto.


Odila sai do salão com passos firmes. A câmera acompanha Eva, que observa, tensa e respirando pesadamente.


Eva pega o celular, mãos trêmulas, e liga para Rog.


EVA — (NERVOSA, VOZ TRÊMULA) Alô? Rog… eu preciso te contar uma coisa.


CORTE PARA: RESTAURANTE – ROG


Rog segura o celular, a mesa à sua frente impecável, pratos e taças ao redor. Ele franze o cenho, atento à voz de Eva.


ROG (V.O.) — O que foi? Você parece nervosa.


EVA (V.O.) — Ela voltou, meu amor… ela voltou!


ROG (V.O.) — Ela quem?


EVA (V.O.) — A Odila! Ela voltou pro Brasil e disse que vai tomar a presidência de você!


Plano fechado em Rog. Seu rosto congela em choque. Os talheres tremem levemente nas mãos. Um silêncio pesado preenche a cena, cortado apenas pelo som distante de conversas e música do restaurante.


Planos aéreos mostram o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor e as praias de Copacabana e Ipanema, com movimento de banhistas e ciclistas.


A câmera desce à Tijuca: crianças brincam, adolescentes soltam pipas, mulheres se bronzeiam nas lajes.


Cortamos para a fachada de uma pensão. O letreiro em LED anuncia: “50 REAIS A DIÁRIA”, com roupas penduradas e bicicletas encostadas na porta.


Corte Para: 


CENA 07. PENSÃO DE CLARA. INT. SALA. TARDE.


Casa aconchegante, banhada pela luz suave da tarde. Móveis antigos, rádio ligado baixo tocando um samba antigo. O ventilador gira lento no canto, misturando o cheiro de café com o de limpeza.


Clara surge na porta da cozinha, avental amarrado na cintura, voz firme e calorosa.


CLARA — Camilla! Camilla, minha filha, desce aqui, fazendo favor!


Camilla desce as escadas apressada, mascando chiclete. Usa uma blusa justa e um short jeans curto.


CAMILLA — Oi, mãe?


CLARA — Meu amor, dá um jeitinho na casa pra mim. Vou lá no mercado comprar as coisas do almoço, porque hoje chega hóspede novo.


Camilla para no meio da escada, curiosa.


CAMILLA — Hóspede novo? Quem é?


CLARA — Um amigo do teu primo Fabinho. Tá vindo lá de Petrópolis. Só sei que o nome dele é Júlio.


Camilla arqueia uma sobrancelha, sorriso insinuante.


CAMILLA — Ah é? Petrópolis… deve ser bem educadinho então. (PAUSA, MALICIOSA) Gostei do nome.


CLARA — Camilla, vê se se comporta, hein? Nada de gracinha com o rapaz.


CAMILLA — Eu? Imagina, mãe… só vou ser simpática.


CLARA — Conheço sua simpatia. (SORRI, PEGANDO A BOLSA) Bom, tô indo antes que o mercado feche.


CAMILLA — Tá, vai lá. Tchau, mãe!


CLARA — Tchau, minha filha. E limpa direitinho essa sala!


Clara sai pela porta. O som dos passos dela se perde no corredor.


A câmera se aproxima lentamente de Camilla, que pega a vassoura, gira-a nas mãos e observa o reflexo do espelho da sala.


CAMILLA — (SORRISO VELADO) Hóspede novo… gostei.


Ela começa a varrer o chão, cantarolando baixinho, o olhar malicioso fixo na janela, como se já imaginasse a chegada de Júlio.


Sonoplastia: At last - Etta James


Planos da cidade maravilhosa. Arranha-céus cariocas rasgam o céu. O Teatro Municipal se impõe diante da sonoplastia. Aviões decolam e pousam no Santos Dumont. O relógio da Central marca 16h15. Pessoas apressadas tomam a Avenida Presidente Vargas. O VLT desliza pela Candelária.


Cortamos para a clínica de estética, imponente.


O letreiro Blonder brilha na entrada. Telões e banners proclamam: “QUEM ESCOLHE O PADRÃO DE BELEZA É VOCÊ.”


CENA 08. CLÍNICA BLONDER. ESCRITÓRIO DE ROG. INT. TARDE.


A sonoplastia da cena anterior continua.


Rog percorre os corredores com passos firmes, cada olhar se desviando, carregado de medo e inferioridade. De terno impecável, avança até sua sala. Ao entrar, seu poder desmorona: Odila está sentada na cadeira do presidente, pés sobre a mesa, desafiadora, implacável.


ODILA — (VENENOSA, DEBOCHADA) Rogério, meu querido irmãozinho, quanto tempo! Como vai? Enquanto eu estava fora, desviou muita verba?


ROG — (GRITANDO, RAIVA CONTIDA) Tira o pé da minha mesa e levanta da minha cadeira, agora!


ODILA — (ENCARANDO, VENENOSA) Agora essa mesa é minha… e eu sou a nova presidente da clínica!


ROG — (RINDO, INCREDULIDADE) Você só pode estar brincando comigo! Ninguém te nomeou! Ninguém! Pelo que eu saiba!


ODILA — (COM SORRISO CRUEL) Essa empresa é minha! E eu me nomeio presidente a hora que eu quiser.


ROG — (APONTANDO O DEDO, FURIOSO) Essa empresa é nossa! Papai deixou pra nós dois!


ODILA — (ENCOSTANDO O PÉ NA MESA, DEBOCHADA) Nossa? Sempre foi sua ideia de nossa. Mas todo mundo sabe quem manda agora.


ROG — (AVANÇA, ROSNANDO) Vou te mostrar quem manda!


ODILA — (RÁPIDA, SEGURA O BRAÇO DELE) Nem pense nisso! Não toque em mim!


ROG — (CERRANDO OS PUNHOS, RESPIRANDO FUNDO) Você está fora da linha, Odila!


ODILA — (SORRI COM ESCÁRNIO) Fora da linha? Eu nasci pra estar à frente! Sempre subestimou o que posso fazer.


ROG — (APONTANDO O DEDO, ROSNANDO) Chega! Esse dedo na sua cara é pra te lembrar que eu sou o dono aqui!


ODILA — (EMPURRANDO A MÃO DELE, PROVOCADORA) Tentar me intimidar com dedo na cara? Que ridículo! Eu não tenho medo de você!


ROG — (PERDENDO A PACIÊNCIA, QUASE DESFERINDO UM TAPA) Você vai ver o que é ultrapassar o limite!


ODILA — (SEGURA O BRAÇO DELE, DESVIANDO, COM OLHAR GELADO) Nem sonhe! Você não passa de um arrogante desesperado!


ROG — (GRITANDO, VERMELHO DE RAIVA) Eu vou te expulsar daqui!


ODILA — (RINDO, VENENOSA) Expulsar? Você não tem poder nenhum mais. Olhe para você… o grande Rogério, reduzido a um idiota frente a mim!


ROG — (RESPIRA FUNDO, CONTROLANDO A RAIVA) Você vai pagar por isso… e eu vou fazer cada segundo ser insuportável pra você.


ODILA — (APROXIMANDO-SE, SORRINDO CRUEL) Quem vai pagar aqui sou eu, Rogério. Lembre-se: ninguém aqui te deve obediência. Ninguém. Nem eu.


ROG — (APONTA O DEDO NA CARA DELA, QUASE A TOCANDO) Essa guerra só começou…


ODILA — (ENCARA FIRME, IMPASSÍVEL) E você já perdeu.


ROG — (UM PASSO À FRENTE, PUNHOS CERRADOS) PERDER? NUNCA!


ODILA — (SORRISO GÉLIDO) Olhe ao redor… você está sozinho. Até a sua própria sombra te abandona aqui.


O clima pesa. O silêncio se torna quase ensurdecedor. Cada respiração parece marcada pelo perigo iminente. Rog respira fundo, Odila mantém os pés sobre a mesa, implacável. O choque entre os dois é palpável — a tensão chega ao limite, prestes a explodir.


ODILA — (CALMA, VENENOSA) Sabe de uma coisa, Rogério? Aqui quem manda agora sou eu.


ROG — (FURIOSO, AVANÇANDO) Você não pode…


ODILA — (INTERROMPENDO, FIRME) Posso sim. E vou provar.


Odila levanta lentamente, os pés ainda sobre a mesa. Sua presença enche a sala. Rog recua, surpreso. Ela aponta o dedo com precisão cirúrgica, sem hesitar.


ODILA — (GÉLIDA) Sai da minha sala. Agora.


ROG — (HESITA, VERMELHO DE RAIVA) Você… não pode me expulsar!


ODILA — (APROXIMANDO-SE, IMPLACÁVEL) Posso. E vou. Cada centímetro desta sala, cada cadeira, cada mesa, agora é meu território.


Rog tenta avançar, mas Odila segura o braço dele com força, firme e sem medo. Ele tenta se soltar, mas a determinação dela é mais forte.


ODILA — (SUSSURRANDO, VENENOSA) Um passo fora da linha e você vai se arrepender pelo resto da vida.


Ela empurra Rog com um movimento seco — ele tropeça, cai levemente e recua. Odila volta para a cadeira do presidente, senta-se lentamente, coloca os pés sobre a mesa novamente e sorri com crueldade.


ODILA — (OLHANDO FIXO PARA ELE) Está vendo, irmãozinho? Aqui quem manda sou eu. E se continuar me desafiando… você vai perder tudo.


Rog engole em seco, olhando para ela, dominado. A sala agora é território de Odila, e a mensagem está clara: ela venceu.


Rog sai da sala, furioso. Odila começa a gargalhar.


ODILA — Como é bom estar de volta.


Cortamos para o exterior da clínica. O sol se despede, dourando os prédios e o mar de Copacabana. Planos aéreos capturam o Cristo Redentor iluminado pelos últimos raios de sol.


A cidade pulsa: bicicletas, carros, vozes, o VLT deslizando na Candelária. O céu muda gradualmente para tons de laranja e púrpura. As luzes da Avenida Atlântica acendem, reflexos nos prédios e no calçadão molhado. O trânsito se intensifica. Barcos cortam a baía, deixando rastros de luz sobre a água escura. A noite cai. Som de buzinas e risadas misturam-se ao som distante do mar. O Rio, agora iluminado, brilha como uma joia, vibrante e viva.


Corte para:


CENA 09. RESTAURANTE LE VELMONT. ENTRADA. EXT. NOITE


A fachada do restaurante brilha sob luzes quentes. Garçons circulam, clientes conversam baixinho, taças tilintam.


Odila surge da calçada, elegante, óculos escuros, vestido impecável. Ela caminha confiante até a porta do restaurante, segurando uma taça de vinho, alheia ao mundo ao redor.


Ela para, respira fundo, observa o movimento do restaurante e sorri levemente, com ar de quem domina o ambiente.


Corta para a rua próxima. Júlio corre, mochila nas costas, chuva leve molhando seus cabelos. Seu olhar está fixo na entrada do restaurante.


JÚLIO — Odila! Pelo amor de Deus, preciso falar com a senhora!


Odila se vira lentamente, curiosa, arqueando uma sobrancelha.


ODILA — (CALMA, GELADA) Quem é você?


Close extremo em Júlio. Seus olhos refletem medo, desespero e esperança. Ele engole em seco, imóvel.


A câmera trava no rosto dele. O som ambiente desaparece, deixando apenas a respiração tensa de Júlio.


CORTE RÁPIDO – FIM DO CAPÍTULO


A novela encerra seu primeiro capítulo ao som da sonoplastia: Delícia/Luxúria - Sophia Chablau (tema de Abertura)





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