A INTRUSA - CAPÍTULO 39 - (08/10/2025)

       

A INTRUSA

CAPÍTULO 39

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI


CENA 1. RUA AUGUSTA. EXT. DIA

 

SONOPLASTIA — “WINTERSUN” —  BORN

 

O sol de São Paulo fere a calçada como um holofote impiedoso. A Rua Augusta vibra entre a decadência charmosa e o glamour improvável de uma festa queer à luz do dia.

A multidão dança, ri, filma, bebe — até que o ar muda.

Clara surge entre os convidados, os olhos ocultos por óculos escuros, um colar discreto de pérolas. Ela ergue o distintivo e os seguranças se abrem como o Mar Vermelho. Em segundos, ela está diante de Vivi, impecável em sua figura, mas com o rosto ainda devastado pela descoberta do capítulo anterior.

Ao lado dela estão Cecília e Carlos, igualmente surpresos com a presença da polícia.

CLARA - (sóbria, firme, quase polida) Viviane da Rosa. Ou, como é conhecida em algumas esferas, Vivi Veneno. Você está presa por falsidade ideológica e suspeita de assassinato.

CECÍLIA -  (engasgada, perplexa) Mas essa é a minha filha. Essa é a Carolina!

CLARA - (sem alterar o tom) Não. A verdadeira Carolina Godoy está morta. O corpo foi encontrado em Campos do Jordão. Esta (olha para Vivi) é uma intrusa.

A sonoplastia explode no mesmo instante. A festa desaba em câmera lenta. A batida se dissolve no ar. Os convidados se imobilizam como uma instalação de arte trágica.

CECÍLIA - (olhando para Vivi como se enxergasse pela primeira vez) Isso é uma loucura...

CLARA — O exame de DNA é conclusivo. Gêmeas idênticas. Mas a ciência não confunde laços de sangue com os de identidade.

CECÍLIA = (sussurrando) Gêmeas...?

CARLOS - (quieto, devastado) A Olivia não estava delirando...

Helena se aproxima tingida de diplomacia. Ela vai dizer algo, mas Clara a intercepta com um gesto sutil — quase um golpe de esgrima.

CLARA - (sem elevar a voz, mas com a frieza de um bisturi) Doutora, se insistir, serei obrigada a conduzi-la também por obstrução.

Helena recua. O silêncio é denso, cortante. Os flashes surgem. O escândalo já é viral antes mesmo de ser compreendido.

Marco Aurélio surge entre os corpos como um herói trágico. A camisa de linho aberta, os olhos vermelhos da noite mal dormida.

MARCO AURÉLIO - (afetuoso, decidido) Eu vou com ela. Já acionei os advogados. Vivi não vai passar por isso sozinha.

Nesse momento, a música silencia. O burburinho cede lugar ao som do microfone sendo ligado.

 

SONOPLASTIA — “AMÉRICA DO SUL” – NEY MATOGROSSO

 

No palco improvisado, Nanny Who aparece. Um monumento de coragem travestido de brilho e salto agulha. Ela segura o microfone como quem segura uma bandeira rasgada.

NANNY WHO - (voz grave, elegante e ferida) Ela está sendo levada porque é pobre. Porque é do Calçadão de Ipanema, não dos Jardins. Porque é mulher, e porque ousou existir.

A plateia reage. Os leques se abrem como espadas. As drags murmuram orações profanas.

NANNY WHO -(continuando) A família Godoy Bueno não foi chamada. Só ela.E sabem por quê? Porque não têm medo de Carolina. Têm medo da mulher que Carolina teria sido se fosse livre como Vivi.

TRAVESTI DO VÉU ROSA -(com os olhos marejados) Se fosse rica, tavam oferecendo espumante no camburão.

DRAG 2 — Solta a Vivi! Justiça seletiva não é justiça!

CLARA - (erguendo a voz pela primeira vez, cansada e humana) Ela terá o direito à defesa. Não é um linchamento. Mas a lei precisa ser cumprida.

NANNY WHO -(olhos fixos em Clara) A lei? A mesma que nunca apareceu quando uma de nós foi assassinada num beco? Ou quando apanhamos até pararmos em um hospital?

A multidão explode em uníssono.

MULTIDÃO - (gritando)  VIVI INOCENTE! SOMOS TODAS VIVI! NENHUMA A MENOS!

A câmera gira em 360°. Bandeiras tremulam. Celulares capturam. O caos vira espetáculo, vira resistência.

VIVI -(sussurrando, olhos em Nanny Who, mas para o mundo todo) Não deixa que apaguem a minha história. Nem a dela.

A voz é de Vivi, mas soa também como Carolina. Como tantas outras que nunca puderam falar.

Clara hesita. Por um segundo, o peso da função colide com o da consciência. Mas não há tempo.

Ela sinaliza. Dois policiais conduzem Vivi até a viatura. De forma discreta. Com a dignidade que ela nunca teve antes — e que agora exige com o próprio corpo.

Um dos carros parte. O outro é cercado. Alguém bate no capô. A multidão late como uma matilha desgovernada, mas viva.


A música retorna. Lenta. Revolucionária.

A câmera sobe. Vemos a Rua Augusta como um campo de batalha estético e ético. Gritamos com ela. Choramos com ela. 

CORTA PARA:

CENA 2. DELEGACIA. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. DIA

Vivi, abatida, encara o espelho falso da sala. Clara entra, impassível. A câmera alterna entre o silêncio, os olhares e o som ambiente — seco, frio.

CLARA – Você viveu a vida da sua irmã morta por meses. E agora tem duas opções: colaborar ou ser engolida por essa mentira.

Vivi diz que foi ameaçada e mostra as mensagens para clara, não as vemos porque já vimos anteioremente vivi diz que foi tragada para essa confusão, ela tira o outro telefone o seu e não de carolina e mostra para  clara as mensagens que trocou com carolina e que combinou de encontrar ela na Mansão de Campos do Jordão e que quando chegou carolina não estava lá 

 

INSERT

MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA / ESCADARIA / CORREDOR SUPERIOR. INT. NOITE

 

A mansão dos Godoy Bueno está mergulhada em um silêncio espesso, quase teatral. O relógio de parede marca 00h03. Um tic-tac elegante, mas impertinente, ecoa entre colunas de mármore e tapeçarias de gosto duvidoso. O tipo de luxo herdado, sem contestação.

Vivi adentra o saguão com os olhos inquietos, ainda de saltos, casaco de pele sintética, clutch prateada e ares de quem sabe que está fora do seu habitat — mas não se curva a isso. Observa tudo com uma pontinha de desprezo disfarçado de fascínio.

VIVI - (voz baixa, debochada, quase sensual) Carolina? Princesa, cadê você? Isso aqui tá com mais eco que boate abandonada.

FIM DO INSERT 

Ela diz que foi perseguida por um mascarado e que logo Madson chegou

 

INSERT

Vivi o vê. Um segundo apenas. Então corre.

Os saltos batem nas tábuas antigas. Um tapete desliza. Vivi cai. Machuca-se. Sangue escorre discretamente da palma da mão.

Ela se arrasta até o quarto mais próximo. Fecha a porta com esforço. Tranca. Respira fundo.

A maçaneta gira. Lenta. Depois com mais força. Ela segura um objeto decorativo de cristal — uma alegoria de sofisticação — como arma. A porta arrebenta. O perseguidor entra.

Ele avança. Ela o golpeia. Ele a agarra. Um grito contido.

Então, uma voz ecoa do andar de baixo — firme, angustiada, carregada de urgência e afeto.

MADSON (OFF) - Carolina?! Carolina, me ouve! Eu sei que você tá aí!

O perseguidor paralisa. Olha para Vivi. Os olhos se cruzam — por trás da máscara, um segundo de hesitação.

FIM DO INSERT 

Nesse momento um advogado entra na sala e diz que vivi não deve dizer mais uma palavra e que ela está solta por hora ele pergunta a clara se ela tem mais perguntas Clara diz que por enquanto não mas que ela não deve sair da cidade. A cena é escrita por Gilberto Braga, cheia de camadas e subtextos.

CORTA PARA

CENA 2. DELEGACIA. SALA DE INTERROGATÓRIO. INT. DIA

 

SONOPLASTIA — UM RUÍDO DE FUNDO AMBIENTE: LÂMPADAS FLUORESCENTES ZUMBINDO, UMA GOTA TEIMOSA CAINDO DE UMA TORNEIRA MAL FECHADA. O SOM DA ESPERA.

 

Vivi, abatida, encara o espelho falso da sala como se encarasse a si mesma — a versão que inventou e a que sobreviveu. Está o tempo todo à beira do desmonte, mas ainda sustentando a pose.

Clara entra em silêncio, pastando por trás do vidro emocional entre elas. Coloca a pasta sobre a mesa com precisão cirúrgica. A câmera alterna entre os olhos de Clara — impassíveis — e os de Vivi — aflitos.

CLARA - Você viveu a vida da sua irmã morta por meses. (pausa) E agora tem duas opções: colaborar ou ser engolida por essa mentira.

Vivi hesita. O silêncio dura segundos demais. Então, lentamente, retira um celular do bolso do casaco. O aparelho está rachado — como ela. Coloca sobre a mesa, depois outro.

VIVI - Fui ameaçada. Me puxaram pra esse pesadelo. (olha nos olhos de Clara) Eu só queria ajudar minha irmã.

Ela desliza os aparelhos para Clara. O primeiro é de Carolina. O segundo, o dela. Mostra as mensagens — que o público já viu em capítulos anteriores. A tensão não está no conteúdo, mas no gesto.

VIVI - (cont.) Combinamos de nos encontrar na mansão, em Campos do Jordão.
Quando eu cheguei, ela não tava mais lá.

 

INSERT
MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA / ESCADARIA / CORREDOR SUPERIOR. INT. NOITE

A mansão dos Godoy Bueno está envolta em um silêncio espesso — como o de um mausoléu de luxo. O relógio de parede marca 00h03. Seu tic-tac é irônico. Um tempo que nunca passa, sempre ameaça.

Vivi entra no saguão — salto agulha, casaco de pele sintética, clutch prateada. Está deslocada, mas segura. Sabe que não pertence àquele lugar — e isso a excita.

VIVI (sussurrando, debochada) Carolina? Princesa, cadê você? Isso aqui tá com mais eco que boate abandonada.

Ela sobe um degrau. Algo se move na penumbra.

FIM DO INSERT

 

VIVI - Eu ouvi passos. Fui seguida. Tinha alguém na casa, um mascarado.

 

INSERT
INTERIOR DA MANSÃO – CORREDOR / QUARTO DESCONHECIDO. INT. NOITE

Vivi corre. O salto estilhaça o silêncio. Um tapete escorrega. Ela cai. O impacto é seco, úmido. Sua mão sangra, mas ela não grita. Só respira fundo — quase como quem está dançando com o próprio medo.

Fecha a porta. Tranca. Silêncio. A maçaneta gira. Alguém tenta entrar.

Ela pega um adorno de cristal. Um cisne transparente — beleza inútil prestes a virar arma.

A porta se abre com violência. O mascarado entra. Eles lutam. Ele a domina. Está prestes a... então:

MADSON - (OFF) Carolina?! Carolina, me ouve! Eu sei que você tá aí!

A figura hesita. Os olhos por trás da máscara se fixam nos dela. Vivi reconhece algo — talvez o que Madson viu em Carolina. Um reflexo. Um erro.

FIM DO INSERT

 

De volta à sala de interrogatório. O silêncio é quebrado pelo som da porta se abrindo.

Um advogado entra, austero, sem tempo a perder.

ADVOGADO - Senhora, nenhuma palavra a mais. (para Clara)Minha cliente colaborou. Está liberada, por ora. Vai responder em liberdade. Se a senhora não tiver mais perguntas...

Clara a encara. Corta como um bisturi.

CLARA - Por enquanto. Mas não saia da cidade. Nem tente mudar de rosto de novo.

O advogado recolhe os celulares. Vivi encara Clara — não com ódio, mas com um estranho tipo de respeito.

Clara não desvia o olhar. Ainda não acredita nela. Mas começa a entender.

CORTA PARA:

CENA 3. MANSÃO DOS GODOY BUENO. ESCRITÓRIO. INT. DIA

 

A luz filtrada pelas janelas amplas invade o escritório com uma claridade quase cruel, destacando o contraste entre a ordem aparente e o caos invisível que ali reina. Valquiria está apoiada na mesa, seus olhos afiados como lâminas, misturando uma calma calculista e uma sensualidade fria. Seu sorriso é um convite e uma advertência ao mesmo tempo, sua voz baixa e firme corta o ar:

VALQUIRIA — Eu adoro esse tom profissional, menino bom (ela se aproxima devagar, cada palavra um desafio) — É fascinante como você consegue ser tão eficiente e tão perigoso.

Serpentinha observa silencioso, atento como um lobo que conhece todos os segredos da caça.

Valquiria encosta-se em Serpentinha num gesto que mistura poder e possessão, a química entre os dois é quase palpável. O beijo que trocam é rápido, carregado de tensão, um pacto velado entre aliados que sabem que estão em jogo vidas e fortunas.

Nesse instante, a porta se abre com força. Daniel entra, o rosto tenso, os olhos queimando numa mistura de dor e acusação. O choque do reencontro com Serpentinha, seu pai, não o paralisa.

DANIEL — Você sabia da Vivi, não sabia? Da irmã gêmea da Carolina? Me diga, foi você quem armou tudo isso?

Valquiria o encara com um sorriso cínico, impenetrável.

VALQUIRIA — Você realmente acha que sou tão tola para me meter em algo tão estúpido? (com desprezo) Isso é muito mais complexo do que seu coração machucado consegue entender.

Daniel, com voz carregada, quase um sussurro ameaçador:

DANIEL — Vou arrancar a verdade, peça por peça. Pode apostar que você não vai escapar.

Ele se afasta, deixando a sala mergulhada num silêncio cortante, tão denso que parece pesar no ar.

Valquiria volta-se para Serpentinha, sua voz ganha um tom rouco e quase maternal, carregado de comando e afeto:

VALQUIRIA — Proteja meus filhos, não só dos olhos curiosos, mas das sombras que eles nem sabem que existem.

SERPENTINHA — Marco está seguro, como você pediu. Ele não é meu sangue, mas o protejo até a última gota.

O ar vibra com essa aliança sombria, indissolúvel e perigosa.

INSERT – CAMPOS DO JORDÃO. CASA DE VERANEIO. INT. NOITE (FLASHBACK)

A casa está imersa em sombras, a única luz vem de uma vela tremeluzente. Vozes ásperas ecoam, carregadas de ameaça e rancor. Carolina encara uma figura fora de foco.

CAROLINA — Se você contar, eu acabo com você.

VOZ - (OFF) Você já me destruiu há muito tempo.

O som de um corpo caindo ecoa, mas o rosto permanece oculto, a tensão insuportável.

FIM DO INSERT

 

Na cena cada olhar, cada palavra, carrega uma camada oculta — o jogo de poder é uma dança delicada e mortal, onde a verdade é sempre a peça mais bem guardada.

CORTA PARA:

 

CENA 4. MANSÃO DE HELENA. SALA DE ESTAR. INT. DIA

 

A luz tênue da manhã escapa pelas cortinas pesadas, criando um jogo de sombras no ambiente silencioso e pesado. O ar parece carregado, quase sufocante.

Olivia está no chão, os dedos trêmulos brincam com bonecas gastas, seus olhos fixos num ponto invisível, como se buscassem forças para encarar o que está por vir. Ela chama as bonecas com uma voz quebrada, trêmula, a inocência corrompida pela dor: “Carolina, Vivi”

A porta se abre suavemente. Helena entra, os passos cuidadosos, quase reverentes, contrastando com o turbilhão que parece dominar a casa. O rosto dela esconde um misto de pesar e responsabilidade, como quem carrega um fardo invisível, impossível de ser dividido.

Ela se aproxima devagar, com a mão firme pousando no ombro de Olivia — um toque que tenta ser âncora, mas que carrega um peso de culpa e distância.

HELENA - (voz baixa, firme, quase um sussurro) Olivia, Vivi está presa. Acusada de matar Carolina.

As palavras caem como pedras no silêncio. Olivia enrijece, o corpo pequeno tensiona como se pudesse se fechar em si mesma, os olhos flamejam, mistura de fúria, descrença e uma dor cortante que transborda.

OLIVIA - (voz trêmula, mas cheia de fogo) Ela jamais faria isso. Jamais contra a própria irmã.

Helena a envolve num abraço cuidadoso, tentando preencher o espaço entre a verdade brutal e a esperança teimosa que insiste em viver ali.

HELENA - Eu sei, Olivia. É uma dor que não cabe no peito. Mas às vezes, a verdade é mais cruel do que o silêncio.

Olivia se desfaz em soluços, um choro profundo, que parece romper não só o corpo, mas o tempo — lágrimas grossas escorrem, refletindo um passado que nunca será o mesmo.

OLIVIA - (entre lágrimas, voz cheia de rancor e saudade) Por que não entreguei a Vivi pra Carlos e Cecília criarem? Por que não fiz o que fez com Carolina?

Ela ergue o rosto, os olhos úmidos ardem de uma mágoa quase física, uma ferida aberta.

OLIVIA - (quase sussurrando, quebrada) Eu quis escolher uma filha para mim. Eu sonhava que poderia ser mãe. Mas a minha mente. Minha mente me traiu.

Helena aperta o ombro dela, um gesto que é mistura de conforto e impotência diante do desespero alheio. O silêncio se alonga, carregado de palavras não ditas, de arrependimentos e verdades enterradas.

A câmera se afasta lentamente, deixando a imagem das duas figuras presas num abraço que é ao mesmo tempo um pedido de perdão e uma súplica por redenção.

 

CORTA PARA:

CENA 5. CELULAR. TELA. DIA

 

SONOPLASTIA — “I’LL NEVER LOVE AGAIN” – LADY GAGA – INSTRUMENTAL

 

A tela do celular ganha vida com o rosto de Lari Pacotão. Sem filtros, sem iluminação de ring light. A câmera treme levemente. O fundo é uma parede branca descascada. Os olhos dela, no entanto, dominam tudo: úmidos, vivos, desafiadores.

LARI - (vídeo selfie, firme e emocionada, se engasga, respira fundo) Tem gente dizendo que a Vivi é uma fraude. Que ela enganou o país. Mas me diz: quem nunca teve que vestir uma máscara pra não morrer? (olha direto na lente) Se ela é impostora, então o que somos nós? Cada bicha, cada trans, cada preta, cada excluída já teve que fingir pra ser ouvida. A Vivi mentiu pra sobreviver. E no caminho, salvou outras. Salvou a mim. (um silêncio) A Carolina morreu, sim. Mas a Vivi se fez viva pra que outras não morressem. (olha de lado, limpa os olhos) Justiça por ela é justiça por todas nós.

A imagem corta. A publicação explode em curtidas e compartilhamentos.
Comentários surgem na tela:
#FreeVivi #JustiçaParaCarolina #OsGodoyEscondem

CORTE RÁPIDO PARA:

VÍDEO DE XUXA. INT. CASA. DIA

Ela está sentada em um sofá simples, segurando uma fotografia de duas meninas abraçadas, como se fosse dela e de Carolina. A voz é doce, mas séria. Não há “rainha dos baixinhos” ali — só uma mulher falando por outra.

XUXA - (no vídeo, com firmeza e ternura) Eu conheci muitas Carolinas na minha vida. Meninas que ninguém escutava. Meninas que, mesmo caladas, gritavam por dentro.(baixa) A Vivi não tomou o lugar de ninguém. Ela deu voz a quem nunca teve uma. (olha para a foto, depois para a câmera) Quando uma mulher mente pra sobreviver, o crime não é dela — é do mundo que a obrigou a isso. (encerra) Justiça pra Carolina. E respeito por Vivi.

CORTE RÁPIDO PARA:

 

VÍDEO DE PATRICIA. INT. QUARTO DE LUCINHA. DIA

A luz do sol atravessa as persianas. Ao fundo, a estante com fotos de Lucinha, algumas flores murchas em um vaso. Patrícia está sentada na ponta da cama, os olhos inchados. O celular é colocado num apoio improvisado. Ela hesita antes de falar. Mas fala.

PATRICI A -  (vídeo, voz embargada) Eu achava que sabia o que era justiça.
(engole o choro) Mas justiça é quando alguém, mesmo sem te conhecer, te defende. (um silêncio) Vivi fez isso por mim. Pela minha mãe.
(olha para o retrato de Lucinha) E arriscou tudo. A própria identidade. A própria vida. (pausa) Então não me venham dizer que ela não é ninguém. Ela é alguém. Ela é gente. E merece ser tratada como tal. (olha diretamente pra câmera) Carolina morreu, mas a Vivi vive por todas nós.

A tela do celular exibe: “4,9 milhões de visualizações — em ascensão”

A trilha sobe levemente. O instrumental cresce.

O país assiste, chocado. E comovido.
A
 guerra agora não é mais nos salões dos Godoy Bueno. É nas redes. No coração da opinião pública,

CORTA PARA:

 

CENA 6. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA DE ESTAR. INT. DIA

 

SONOPLASTIA — “WINTERSUN” —  BORN

 

A porta da mansão se abre com um rangido pesado, como se a própria casa sentisse o que está por vir. Vivi entra devastada, os olhos marejados, os cabelos desgrenhados. Marco Aurélio está logo atrás, um pilar de sustentação silencioso. O sol do meio-dia entra pelas janelas como um holofote implacável sobre a ruína emocional que ali se instala.

Daniel está afundado no sofá, cambaleante, o cheiro de uísque misturado ao suor impregnando o ar. Ele tenta se levantar, derruba a garrafa de vidro, que se espatifa no chão — a poça dourada se espalha como sangue nobre perdido.

DANIEL — (rindo, trôpego) Claro que você ama mais ela. Porque, ao contrário da Carolina, essa aqui te ama de volta, né?

Ele aponta para Vivi como se cuspisse uma acusação. A tensão é insuportável. Marco se aproxima. O soco vem antes da resposta — direto no maxilar de Daniel. O impacto ecoa. Daniel cambaleia, mas revida com fúria. O embate é cru, masculino, doído. Uma raiva represada por anos, por perdas, por paixões cruzadas.

De repente, Daniel para. Seu olhar muda. Algo dentro dele quebra de vez.

Ele encara Vivi. Silêncio. Um segundo depois, ele a agarra com violência pelo pescoço e a ergue contra a parede.

DANIEL — (em transe) Você vai levar o mesmo fim da Carolina. O mesmo.

O rosto de Vivi começa a ficar vermelho. Marco grita, tenta intervir. Mas é Aurora quem aparece. Pequena, frágil. A cena congela por um instante.

AURORA — (num fio de voz) Papai?

Daniel a vê. Solta Vivi. Desaba.

DANIEL — (caindo de joelhos) Ela se foi. Ela... foi embora pra sempre...

Marco tira Aurora dali, correndo. Vivi escorrega pela parede até o chão, sem fôlego. Daniel rasteja até ela. Chora.

DANIEL — Eu amava sua irmã. Como ninguém nunca amou ninguém.

Vivi, com dificuldade, o abraça.

VIVI — Eu sei. E por isso eu nunca faria mal a ela.

As lágrimas se misturam. O caos, o amor, a dor e a culpa transbordam como uma ópera trágica. A câmera sobe, deixando a mansão pequena diante da tragédia humana que abriga.

CORTA PARA:

 

CENA 7. GODOY BUENO EXPORTAÇÕES. ESCRITÓRIO DE CAROLINA. INT. DIA

 

SONOPLASTIA — “ANOTHER DAY IN PARADISE” – CAT VS CAT & JOYNER – INSTRUMENTAL

 

O escritório de Carolina está mergulhado em um silêncio de veludo e tensão. As luzes frias revelam a opulência discreta do ambiente — móveis de madeira nobre, pastas organizadas por cor, uma orquídea branca já meio murcha sobre a mesa. O cheiro é de poder abafado.

Clara surge como um furacão elegante, acompanhada de dois policiais civis. Ela não grita, não precisa. Sua autoridade preenche o espaço. Sem dizer uma palavra, aponta para as gavetas. Os agentes começam a vasculhar com a precisão de quem sabe que cada centímetro pode esconder uma bomba.

Clara se aproxima da mesa de Carolina, desliza os dedos sobre a superfície, como se tocasse o passado. Abre o notebook, digita a senha que obteve legalmente — ou não — e encara os arquivos com frieza.

Um dos policiais retira uma caixa de documentos secretos de um compartimento escondido sob o piso do armário. Clara nem pisca.

Mas é quando ela abre a última gaveta da escrivaninha que seu olhar se fixa. Ali, envolta em uma fitinha de cetim preta, repousa uma pequena chave prateada. Presa a ela, uma etiqueta em letra cursiva e delicada: “Duplex”.

Clara pega a chave com um pano — sua experiência não deixa margem para erros. A câmera se aproxima de seu rosto, que agora mistura surpresa e algo parecido com prazer.

CLARA - (baixinho, para si) A casa caiu, Carolina.

Ela levanta os olhos, mirando o horizonte invisível além da janela.

A câmera sobe, nos mostrando a chave tremendo levemente em sua mão firme.

CORTA PARA:

CENA 8. HOSPITAL ALBERT EINSTEIN. ALA PSIQUIÁTRICA. ARQUIVO. INT. DIA

SONOPLASTIA — “Another Day in Paradise” – Cat vs Cat & Joyner – Instrumental

A música sussurra nas frestas do hospital como uma oração perdida — um lamento burguês em forma de jazz eletrônico, anestesiado e cruel. O corredor é pálido, asséptico, mas carrega nos azulejos o peso de muitas vidas remendadas.

Helena entra com a precisão de quem não hesita, mas também não esquece. Os saltos baixos ecoam ritmados sobre o chão encerado. Ela não olha para os lados. Atravessa a porta do arquivo como se a instituição fosse sua extensão natural. De certa forma, é. A psiquiatra dos ricos e miseráveis — curadora de loucuras que nunca foram apenas clínicas.

A sala está fria, claustrofóbica. A luz fluorescente pisca, indecisa, como se resistisse a iluminar o que está prestes a acontecer. Helena vai direto às estantes de ferro, onde os sobrenomes se alinham em pastas silenciosas como túmulos. Seus dedos — firmes, bem cuidados — percorrem os nomes com a reverência de quem abre um relicário.

Ela para na letra G. Uma pausa breve. Seu olhar oscila entre expectativa e desprezo. Puxa a gaveta com um rangido metálico que rasga o silêncio como um bisturi. As pastas correm diante de seus olhos até que uma, mais gasta, de papel envelhecido, prende sua atenção. GODOY BUENO.

Ela a arranca com a mesma delicadeza de quem arranca um coração — não o próprio, mas o de alguém que já não terá chance de defesa. Folheia rapidamente. E então, para. Algo entre aquelas folhas amareladas confirma o que ela sempre soube, ou temeu, ou desejou secretamente que fosse verdade.

O sorriso que se desenha em seu rosto não é largo, mas é letal. Lento. Íntimo. Como quem saboreia um veneno raro.

HELENA  (baixo, seca, íntima)Te peguei, maldito.

Ela fecha a pasta com firmeza e a aperta contra o peito. Não é um gesto protetor — é possessivo. Aquilo agora é dela. Sua chave. Sua bomba-relógio.

Do bolso do jaleco, ela retira o celular. Disca rápido. A voz muda. É a mulher educada da elite paulista, sempre no controle. Mas há uma nota nova — algo entre euforia e cálculo.

HELENA  (ao telefone) Carlos? Olivia está na minha casa. Pode buscá-la? (pausa breve) Eu preciso resolver uma coisa. Um detalhe. Um assunto de vida ou morte. (pausa, tom mais ácido) Ou melhor: sobre quem matou a Carolina.

Ela desliga sem esperar resposta. O gesto não é de pressa — é de autoridade.

Em seguida, liga novamente. Desta vez, a voz se transfigura: doce, cálida, quase maternal. Mas o veneno está ali, nas entrelinhas. Helena é muitas em uma. E agora todas estão em cena.

HELENA  (doce demais para ser confiável) Vivi? Querida me encontra na minha casa às dez. (pausa breve) É importante. Muito.

Desliga. Fica imóvel.

A pasta continua junto ao peito. Sua arma. Seu bilhete premiado. Sua absolvição — ou seu crime perfeito. A luz volta a piscar. A música termina, como um eco distante do paraíso que ninguém mais vai alcançar.

A câmera recua lentamente. Helena permanece ali, soberana, imóvel, eufórica por dentro. Algo está para acontecer — e, desta vez, ela será a autora da última página.

CORTA PARA:

 

CENA 9. SÃO PAULO. ANOITECER. EXT.

 

SONOPLASTIA — “ANOTHER DAY IN PARADISE” – CAT VS CAT & JOYNER – INSTRUMENTAL

 

O céu de São Paulo se tinge de roxo, com nuvens pesadas atravessando os arranha-céus. As luzes dos faróis já começam a dominar as ruas enquanto o dia morre lentamente. Helena sai pela porta lateral do Hospital Albert Einstein. O jaleco dobrado sobre o braço, os passos calmos, mas alertas. Ela respira fundo, como quem tenta soltar o peso das últimas horas.

A trilha toma corpo. É melancólica, mas elegante — como se traduzisse a solidão da cidade grande e a sensação de que algo está por vir.

Helena entra em seu carro, um sedã discreto, e parte. A câmera acompanha o veículo em plano aéreo, cruzando avenidas, viadutos, ruas estreitas. São Paulo se move em sua habitual dança nervosa: buzinas, motos cortando o trânsito, gente apressada.

Mas há um segundo carro. Ele surge discreto no espelho retrovisor, mantém distância, jamais se aproxima demais. Apenas observa. A cada curva que Helena faz, ele a repete. É uma sombra.

Enquanto a trilha cresce, os olhos de Helena aparecem no espelho — por um instante ela parece sentir algo, mas segue dirigindo. O carro dela dobra uma esquina arborizada, entrando nos Jardins.

O carro que a segue desacelera.

O plano final revela a fachada da Mansão de Helena. A luz da garagem acende automaticamente com a aproximação. Helena desce, olha brevemente para a rua. Não vê nada.

A câmera se afasta. Lá ao fundo, entre os galhos de uma árvore na calçada, vemos dois olhos atentos.

CORTA PARA:

 

CENA 10. MANSÃO DE HELENA. PISCINA. EXT. NOITE

 

SONOPLASTIA — “ANOTHER DAY IN PARADISE” – CAT VS CAT & JOYNER – INSTRUMENTAL

 

A noite caiu sobre São Paulo como um véu de luto disfarçado. A piscina da mansão reflete um azul doentio, quase radioativo, como se soubesse demais. O cenário é tão belo que chega a ser cruel.

Helena está sentada à beira da piscina, num robe de seda vermelho que desliza por sua pele como um amante antigo. O tecido molhado na barra toca o mármore frio. As pernas nuas e imaculadas descansam como estátuas de um tempo que já a traiu. O copo de gin tônica escorre nas mãos finas. As rodelas de pepino flutuam, frágeis como promessas ditas na juventude.

O batom vermelho — perfeito como sempre — parece pintar sua armadura. Mas os olhos... os olhos estão noutro lugar. Fitos na água, na memória, no que se perdeu sem nunca ter sido dito.

HELENA - (voz baixa, quase um sussurro para o azulejo) Não é sempre que a gente consegue fazer a coisa certa...

O silêncio é de cristal, quebrado apenas pela brisa que toca seus cabelos como dedos de um morto querido. Então, algo se desloca. Um som abafado, denso, como se o próprio ar hesitasse. Passos.

Helena não se vira. Mas sente. O sorriso que surge é um vinagre servido com gelo: irônico, sem afeto.

HELENA - (sem olhar) Vivi, você nem imagina o que eu descobri...

Ela gira lentamente o rosto.

E o sorriso evapora.

Não é Vivi.

A câmera permanece subjetiva — somos os olhos do invasor. Helena não recua, mas algo nela cristaliza: um desdém antigo que sabe o caminho de volta.

HELENA - (baixa, gélida) Você não deveria estar aqui.

O som do gelo partindo no fundo do copo soa como um ultimato.

HELENA - (ainda firme, num tom aprendido em guerras domésticas) A porta da rua. é a serventia da casa.
(pausa) Saia. Antes que eu chame a polícia.

A frase final não é uma ameaça — é um epitáfio.

Uma mosca pousa em sua coxa, e ela não a espanta. Porque o que está diante de Helena agora não é um inseto. É um erro antigo. De carne. E olhos conhecidos.

CORTA PARA

 

CENA 11. SÃO PAULO. NOITE. EXT.

 

SONOPLASTIA — “ANOTHER DAY IN PARADISE” – CAT VS CAT & JOYNER – INSTRUMENTAL

 

A cidade pulsa sob a névoa quente da madrugada. As luzes vermelhas dos faróis refletem nas calçadas molhadas como rubis manchados. Uma São Paulo indiferente e brutal desfila diante do carro de Vivi, que dirige em silêncio. Os olhos marejados, mas fixos no retrovisor — como se estivesse fugindo de algo que a segue de dentro.

O carro negro serpenteia pela Avenida Europa, depois pelas alamedas sombreadas do Jardim América. A trilha sonora, melancólica e elegante, parece sair do próprio asfalto: um lamento sofisticado de quem já não espera redenção.

Vivi, vestida com um robe de seda sobre a camisola, parece fora de lugar, como se tivesse sido arrancada de uma cena de amor para entrar num filme de mistério. Mas ela mantém o controle. Ou tenta.

Ela estaciona com firmeza diante da mansão de Helena, uma construção imponente, cercada por trepadeiras e silêncio. A câmera permanece no exterior do carro por um segundo a mais — captando o momento em que Vivi respira fundo. A respiração de quem sabe que o que vem depois pode não ter volta.

Ela sai do carro. O salto ecoa no piso de pedras portuguesas. A câmera a acompanha de costas, numa tomada longa, sem cortes, até que ela para diante da porta e toca a campainha. Um breve close em seu rosto revela: ela está diferente. Mais determinada. Mais quebrada. Mais perigosa.

CORTA PARA:

CENA 12. MANSÃO DE HELENA. SALA DE ESTAR. INT. NOITE

 

SONOPLASTIA — “ANOTHER DAY IN PARADISE” – CAT VS CAT & JOYNER – INSTRUMENTAL

A porta da mansão está apenas encostada. Um vento indeciso da madrugada a empurra para dentro, fazendo-a ranger como se reclamasse da própria existência.

Vivi, ainda com os olhos marcados pela noite anterior, entra. Está sóbria, mas seu corpo ainda carrega o cansaço do que não se diz. A luz pálida da lua invade o ambiente com uma frieza quase cirúrgica, desenhando sombras longas sobre os móveis de design francês — tudo tão impecável quanto estéril.

VIVI - (baixinho) Helena?

Nada. Apenas o som rascante da vitrola girando em algum canto, repetindo a melodia instrumental como um suspiro pós-morte.

Ela caminha lentamente. Cada passo de salto alto no mármore é como um tapa na cara do silêncio. Ao longe, uma luz tremula no pátio interno. A porta de vidro para a área da piscina está escancarada, como se o fim estivesse ali, à mostra, para quem quisesse ver — ou suportasse.

Vivi atravessa a sala com um instinto que mistura coragem e derrota.

A brisa que entra pela casa brinca com seus cabelos. Não há pressa, só tensão. Ao chegar à beira da piscina, o quadro se forma com a precisão cruel de uma obra expressionista: Helena flutua de bruços, imóvel, como uma boneca esquecida por alguém que cresceu rápido demais. O robe de seda — branco, outrora luxuoso — flutua ao redor de seu corpo, tingido agora de um vermelho elegante e escandaloso. O sangue se dissolve lentamente, feito perfume caro na água.

Vivi para. Os olhos fixos. A respiração trava. Um segundo, dois.

A boca se abre, e sai aquilo que só uma mulher como Vivi pode dizer naquele momento:

VIVI - Puta que pariu.

Não é apenas um xingamento — é um diagnóstico. É o Brasil. É São Paulo. É a vida dela.

Ela leva a mão à boca, recua meio passo, como se o mundo tivesse perdido a compostura de vez. A lua se reflete na água, na pele de Helena, e no olhar atônito de Vivi.

A câmera recua. Sobre lentamente. Deixa o corpo. Deixa a piscina. Deixa a mansão. Sobe até ver a cidade, São Paulo, brilhando impassível e caótica. Uma selva que não se comove.

Nada está a salvo.
Nem mesmo o silêncio.

CORTA PARA:

FIM

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