A INTRUSA - CAPÍTULO 16 - 11/09/2025

 


A INTRUSA

CAPÍTULO 16

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI


CENA 1. HOSPITAL ALBERT EINSTEIN. QUARTO DE MARCO AURÉLIO. INT. DIA

 

Marco Aurélio ainda deitado, o celular de Vivi repousa sobre a mesinha. Ambos ainda impactados com a mensagem anônima.

MARCO AURÉLIO - (com dificuldade, mas firme)O meu casamento com a Carolina já tinha acabado. A verdade é que (pausa) Eu só quero descobrir quem fez isso com ela.

Vivi abaixa o olhar. Uma sombra de culpa atravessa seu rosto, mas ela respira fundo e se recompõe.

VIVI - (decidida) A gente não pode envolver a polícia. Não ainda. Quem fez isso tá por perto e qualquer passo em falso pode custar a vida de mais alguém.

Marco Aurélio a observa com atenção. Ele enxerga mais do que palavras: enxerga coragem, determinação e algo mais.

MARCO AURÉLIO — Tudo bem. Vamos fazer do nosso jeito. (pausa, sincero) Mas você precisa prometer que não vai se colocar em risco. (mais baixo) Eu gosto de você, Vivi. E do jeito como tem cuidado da minha filha.

Clima. O silêncio é denso, carregado. Vivi sente. Sabe o que ele está dizendo, mesmo que ele não diga com todas as palavras.

VIVI - (doce, firme) Eu prometo. (sorri, segura a mão dele) E sei exatamente por onde começar.

MARCO AURÉLIO - (curioso) Por Quem?

VIVI - (encarando-o) Lívia.

CORTE SECO PARA:

CENA 2. HOSPITAL ALBERT EINSTEIN. FACHADA. EXT. DIA

O dia está nublado, pesado, como se o céu pressentisse o que está por vir. Pacientes e visitantes entram e saem pela porta giratória do hospital, mas à margem da movimentação, encostado em uma pilastra lateral, Daniel fuma com pressa. O gesto revela tensão: tragadas curtas, mãos trêmulas, olhar perdido no horizonte, como se tentasse controlar algo que escapa por entre os dedos.

Surge Lívia, impecável como sempre — óculos escuros, postura elegante, sorriso cortante. Ela caminha como quem domina o terreno. Quando se aproxima, a presença dela corta o ar, carregada de intenção.

 

LÍVIA — Vai acabar se matando assim. (aponta o cigarro com desdém) Ou está esperando que alguém te salve do incêndio que você mesmo acendeu?

DANIEL - (não disfarça o incômodo) Não estou com paciência, Lívia. (traga longa) Briguei com a Carolin, depois do que aconteceu no quarto do Marco, ela deve me odiar.

LÍVIA - (finge empatia, mas o tom é venenoso) A Carolina é um caso perdido. Dramática, cansativa. (pausa, com meio sorriso) Você merece mulheres melhores.

DANIEL - (olha para ela, ácido) Tipo você?

Lívia ri. Um riso pequeno, arrogante, de quem já conhece o jogo e está sempre dois lances à frente.

LÍVIA — Eu não disse isso. Mas se fosse (debochada) Já teria sido bem mais divertido, admita.

DANIEL - (frio, cortante) Você foi só uma trepada. (declara) Eu amo a Carolina.

LÍVIA - (aproxima-se devagar, como uma pantera elegante) Então preste atenção, Daniel. Porque seu “grande amor” pode não estar mais entre nós por muito tempo.
(baixa o tom) E da próxima vez, ninguém vai atrapalhar.

Ela sorri. Um sorriso gelado, de quem já selou um destino. Daniel tenta manter a pose, mas sente o gelo subir pela espinha.

CORTA PARA:

 

CENA 3. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE AURORA. INT. DIA

 

O quarto de Aurora é um refúgio de delicadeza: tons claros, móveis antigos restaurados com cuidado, brinquedos dispostos com perfeição sobre prateleiras. A luz entra filtrada pelas cortinas de voil, criando um clima sereno e onírico. Uma antiga caixa de música toca baixinho, embalando o ambiente com melancolia infantil.

Laura, sentada na poltrona de leitura, segura um livro ilustrado aberto no colo. Aurora, de pijaminha de algodão, está deitada na cama, atenta e com os olhos arregalados de encantamento.

Laura fecha o livro com um gesto teatral e afetuoso.

LAURA - (voz terna, pausada) E então, a princesinha subiu bem alto, tão alto que virou uma estrelinha no céu. (sorri doce) Lá, onde brilham as pessoas que a gente ama muito.

AURORA - (olhar curioso e inocente) Ana Maria virou uma estrelinha?

Laura hesita por uma fração de segundo. Depois, responde com o tom delicado de quem embala um segredo perigoso.

LAURA — Sim, meu amor. Ana Maria agora brilha lá de cima, cuidando de quem ficou aqui.

Aurora abaixa os olhos, pensativa.

AURORA — E a mamãe? E o papai? Eles também vão virar estrelinhas?

Laura respira fundo. Pousa o livro sobre a mesa lateral. Caminha até a cama e se senta na beira, acariciando os cabelos da menina.

LAURA — Às vezes, pessoas más tentam machucar quem é bom. Machucaram o seu pai, mas a sua mamãe está cuidando dele agora, como uma heroína (pausa) E sabe o que acontece quando a gente cuida de alguém com amor?
(sorri) A luz fica mais forte. Tão forte que espanta até as sombras mais escuras.

Aurora a encara, vulnerável.

AURORA — E se machucarem eles dois? (voz baixa, com medo) O que acontece comigo?

Laura engole seco, tocada pela pergunta. Ela olha para Aurora com um carinho que beira o desconcertante. Uma emoção verdadeira atravessa sua frieza habitual.

LAURA — Quando eu era do seu tamanho meus pais também viraram estrelinhas. (voz firme, maternal) E eu cresci sem eles. Foi difícil. Mas eu sobrevivi. E prometi que, se um dia encontrasse alguém especial como você (sorri) u cuidaria com toda a minha força. Até o último segundo.

Aurora se aproxima, tímida.

AURORA — Você pode ser minha mamãe se alguma coisa acontecer com a minha?

Laura segura a mão da menina, com doçura.

LAURA — Se um dia isso acontecer(olhar fixo, juramento velado) Eu serei tudo o que você precisar.

Aurora sorri, abraça Laura. A câmera fecha no rosto da mulher. Por um instante, há afeto verdadeiro. Mas logo seus olhos endurecem. Um leve sorriso, ambíguo, toma seus lábios. É doçura, é poder. É algo mais.

CORTA PARA: 

CENA 4. TEATRO MUNICIPAL. PALCO. INT. DIA

 

SONOPLASTIA - SWAN LAKE, OP. 20, ACT 2: NO. 10, SCENE. MODERATO — TCHAIKOVSKY 

O palco ganha vida em tons azulados e neblina tênue. Luzes frias recortam os movimentos com precisão quase cirúrgica. Madson, em pleno ensaio, personifica Odette com uma delicadeza avassaladora — seus braços flutuam como asas feridas, seus pés tocam o chão como se implorassem por redenção. O teatro vazio reverbera apenas o som da orquestra e dos suspiros discretos de quem assiste.

Ela dança como se o mundo a observasse. Como se essa fosse a última vez.

A música termina. Um silêncio respeitoso paira antes de um aplauso espontâneo explodir de parte do corpo de baile. Todos a admiram. Menos Rudolfe.

Ele caminha até o centro do palco com passos firmes, paletó impecável, rosto impenetrável. Aplausos cessam.

RUDOLFE - (olhar frio) Je viens de voir une ballerine médiocre.
(pausa, depois em português) Quase nada do que pedi estava ali. Você está muito abaixo do nível desta companhia. Precisa de mais.

MADSON - (ofegante, magoada, mas firme) Isso foi o meu “mais”. O melhor que eu consegui. O marido da minha melhor amiga está no hospital. E o você sequer me deixa mandar uma mensagem para ela.

RUDOLFE - ) sorri com desprezo, aproxima-se, sussurrando) Se não melhorar quem vai parar no hospital com as duas pernas quebradas é você. (uma pausa calculada) Só assim posso anunciar uma substituta sem estragar o brilho da estreia.

Madson o encara com nojo.

MADSON — Eu vou até o hospital. E vou te esperar lá (olhar cortante) Pra quebrar minhas duas pernas. Uma de cada vez.

Rudolfe sorri. Em um movimento súbito e violento, agarra o braço dela e a arrasta até um canto escuro do palco, longe do olhar dos outros bailarinos. O som ambiente se desfaz. Apenas respiração e tensão.

MADSON - (baixo, com dor) Você está me machucando...

RUDOLFE - (sádico, quase sereno) Eu te avisei para fazer o développé com o tornozelo em demi-plié. (pausa) Ignorou. Caiu e machucou a mão.
(sorri, gélido)

Com uma pressão seca e calculada, ele quebra um dos dedos da mão dela. Madson solta um som abafado de dor, mais pela humilhação do que pelo ferimento.

RUDOLFE — Vai pro hospital. Hoje, sem ensaio. (aproxima o rosto ao dela) Porque se continuar nessa toada, outras partes podem quebrar também.

Ele se afasta com elegância cruel. Madson segura a mão ferida. O rosto dela endurece. Ela engole a dor. O aplauso de minutos atrás já não significa nada.

A orquestra retoma, mas agora é apenas um fundo distante. O cisne está ferido. Mas não morto.

CORTA PARA:

 

CENA 5. HOSPITAL ALBERT EINSTEIN. CONSULTÓRIO DE CECÍLIA. INT. DIA

 

A luz suave atravessa a persiana semiaberta, banhando o ambiente com tons claros e frios. O consultório tem uma elegância discreta: móveis minimalistas, livros alinhados, um aroma sutil de lavanda no ar. O único som é o chiado da máquina de café expresso ao fundo, como um coração ansioso tentando se manter calmo.

Cecília se move com cuidado, como se não quisesse quebrar o silêncio — ou talvez a realidade frágil que criou. Coloca uma xícara diante de Vivi, com um sorriso afetuoso, mas o cansaço lhe pesa nos ombros. Seus olhos são ternos, levemente marejados.

CECÍLIA - (baixo, com culpa contida) Me desculpa por não ter ficado ao seu lado ontem à noite (pausa, suspira)
A Lívia desapareceu.

Vivi levanta os olhos, tensa. O nome a golpeia como um vento gelado. Tenta esconder o susto, mas o silêncio entre elas amplia tudo.

VIVI - (cautelosa) A Lívia sumiu?

CECÍLIA - (assente, olhando o vazio) Depois da confusão da festa não a vimos mais. Não atendeu mais o celular. (pausa breve) Eu e o Carlos rodamos metade da cidade procurando. Voltou de manhã, molhada da chuva, sem dizer onde esteve. (pausa, mais baixa) Só disse que precisava dormir. Mas logo saiu de novo.

Cecília segura a xícara entre as mãos, como se tentasse esquentar um coração congelado.

CECÍLIA - (olha para Vivi, íntima, preocupada)
Mas eu conheço minha filha. Tem algo errado. Ela está tomada por alguma coisa.

VIVI - (engolindo em seco)
Por Daniel?

CECÍLIA - (simples, como quem não precisa pensar) Claro que é por ele.
(pausa) Sempre foi intensa, mas agora tá diferente. Obsessiva. (olhar firme) E ele, Carolina, você sabe como ele é. Volúvel, sedutor, perigoso.

Vivi abaixa os olhos. O nome Daniel parece rasgar algo dentro dela. Ela segura a xícara com força, sem perceber o leve tremor em seus dedos.

CECÍLIA – (mais suave, tocando-lhe o braço) Você sempre teve um juízo melhor. (olha nos olhos de Vivi) Confio em você. Fique de olho nela. Se protejam. As duas.

Vivi força um sorriso, mas seus olhos não sorriem. Por dentro, a mente gira como uma tempestade. A última frase de Cecília ecoa no ar — não como um conselho, mas como uma sentença. A máquina de café para. O silêncio pesa.

CORTE PARA:

CENA 6. SÃO PAULO / RIO DE JANEIRO. EXT. DIA

SONOPLASTIA - PADAM PADAM – KYLIE MINOGUE

A cidade de São Paulo pulsa em sua intensidade habitual. Prédios espelhados refletem o céu cinza, enquanto carros disputam espaço na Marginal e pedestres apressados atravessam avenidas largas. Um helicóptero cruza o horizonte, reforçando a imagem de uma metrópole que nunca para. No alto da Avenida Paulista, antenas parecem tocar o céu.

Corta para o Rio de Janeiro. O contraste é imediato. O sol banha a Baía de Guanabara em dourado. O Pão de Açúcar se impõe, silencioso e belo, sobre o movimento dos barcos. Em Ipanema, mulheres passam de biquíni, um vendedor grita “olha o mate, olha o biscoito!” e crianças brincam na areia. A cidade vibra em outro ritmo, mais leve, mais sedutor.

A câmera acompanha um táxi antigo que serpenteia pela orla de Copacabana. A trilha sonora cresce suavemente. O carro para diante do Copacabana Palace. A fachada branca, imponente, reluz sob a luz do dia. Bandeiras tremulam ao vento. A música atinge seu ápice, e o tempo parece suspenso por um instante.

Corta.

 

CENA 7. HOTEL COPACABANA PALACE. SUÍTE DE ARMAND. INT. DIA

Com a sonoplastia da cena precedente, a câmera percorre a suíte como se entrasse em um templo profano: lençóis de linho branco em desalinho, taças de espumante vazias, pétalas de rosa ainda úmidas no chão. O sol do Rio invade pelas cortinas entreabertas, desenhando formas na pele suada de Armand e Lari Pacotão, que ainda estão entrelaçados na cama de casal.

Lari está sobre Armand, ofegante, vibrando em êxtase. Ele sorri com malícia e acaricia sua nuca. O celular vibra pela terceira vez no criado-mudo. Ele ignora.

LARI PACOTÃO - (brincando, entre beijos) Se for a tua mãe, diz que eu sou uma santa.

Armand sorri até ver o nome no visor."Abuela". Ele paralisa. A cor sai do rosto.

ARMAND - (sussurrando, tenso) Mierda...

Ele empurra Lari suavemente para o lado, se senta na cama e atende. A voz muda, o tom também.

ARMAND - (ao telefone, contido) Hola, abuela...

CORTE PARA:

 

CENA 8. IBIZA. MANSÃO DE ISABELLE LECLERC. EXT. DIA

 

SONOPLASTIA – IBIZA  -TYGA – INSTRUMENTAL

 

A vista é deslumbrante. A mansão branca de Isabelle Leclerc parece cravada na falésia, debruçada sobre o Mediterrâneo. Tudo é luxuoso e minimalista, com arte contemporânea e móveis assinados.

Isabelle Leclerc, 60 e poucos, uma força da natureza. Olhos protegidos por óculos escuros Dior, batom vermelho e taça de espumante na mão. Ela usa um kaftan branco que esvoaça ao vento. É a definição de poder.

Ela está em pé diante de uma varanda de vidro.

ISABELLE - (en español, fria y cortante) Armand, voy al Brasil.

ARMAND (V.O.) - (en español, nervioso)  ¿Ahora? ¿Por qué?

ISABELLE - (continua, com uma ironia letal)  Quiero conocer a esa mujercita que llevaste a la fiesta de los Godoy Bueno. (pausa, toma un sorbo)  Porque hacerme subir a un avión para cruzar el Atlántico ya es una ofensa. (se vira para a câmera) Pero hacerme pasar la línea del Ecuador y aterrizar en un país gobernado por la izquierda... (sorri com desprezo)  Eso sí, Armand, eso es casi una sentencia de muerte.

Ela sorri com o canto da boca, e desaparece para dentro da casa com sua taça. O som de seus saltos ecoa no mármore.

 

CENA 9. HOTEL COPACABANA PALACE. SUÍTE DE ARMAND. INT. DIA

 

Lari Pacotão está agora sentada no parapeito da janela, de calcinha e a camisa dele, fumando com estilo. Observa Armand com olhar esperto e divertido.

LARI — E aí, gato? Quem era? (pausa teatral) Não me diga que era a rainha da Espanha…

Armand não responde. Ele está em pé diante do espelho, vestindo apenas uma cueca, com o celular ainda na mão. Respira fundo.

LARI - (em pajubá, provocando)  Armandito, você tá branco que nem pano de bunda. Desembucha logo! Quem é essa abuela?

ARMAND - (en español, resignado) El apocalipsis viene en avión. Y aterriza en Copacabana.

CORTA PARA:

CENA 10. HOSPITAL ALBERT EINSTEIN. CORREDOR. INT. DIA

O corredor branco e silencioso do hospital contrasta com a tempestade que se forma nos olhos de Vivi. Ela digita no celular, os dedos trêmulos: “Tá tudo bem. Depois te explico. Bjs.” — e envia para Lari Pacotão. Respira fundo. Seus olhos pousam na porta do quarto de Marco Aurélio. Ela hesita.

Com a mão prestes a tocar o trinco, uma outra mão surge — firme, fria. Lívia.

As duas se encaram. O silêncio é cortante. Um segundo de tensão que parece durar uma eternidade.

Lívia sorri, venenosa, quase divertida.

LÍVIA -  (com sarcasmo gelado) Ué (pausa) viu a mulher que quer te assassinar bem na sua frente?

Vivi engole seco. O olhar treme. A porta do quarto permanece fechada. A tensão explode no silêncio.

CORTA PARA:

 

FIM

 

 

 

 

 

 

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