A INTRUSA
CAPÍTULO 15
UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI
CENA 1. HOSPITAL ALBERT EINSTEIN. SALA DE ESPERA. INT. NOITE
A câmera retoma do ponto exato em que parou: Valquíria, Daniel e Vivi, ainda sob a identidade de Carolina estão paralisados diante do Médico. O silêncio é pesado, cada segundo parece um século.
O médico respira fundo, mantendo a compostura profissional.
MÉDICO - Ele está estável. (pausa) A bala, por sorte, não atingiu nenhum órgão vital. O quadro é controlado.
Valquíria solta o ar num suspiro dramático, levando as mãos ao peito.
VALQUÍRIA - Graças a Deus...
Daniel apenas fecha os olhos, aliviado — mas o olhar que lança para Vivi carrega algo mais: suspeita. Vivi, por sua vez, mantém o semblante sério, tenso. A reação dela é contida demais.
VALQUÍRIA - Podemos vê-lo?
MÉDICO - (sério, profissional) -Somente pela manhã. Ele está sedado e em observação.
Ele dá um leve aceno de cabeça e sai discretamente, deixando o trio num silêncio estranho.
VALQUÍRIA - (vira-se, tentando parecer firme)
Vou tomar um café.
Ela sai com passos firmes e controlados. Assim que ela se afasta, Daniel se vira para Vivi, aproveitando a brecha.
DANIEL - Você não está aliviada? (seco) Seu marido não corre mais perigo de vida.
Vivi encara Daniel. O silêncio entre eles é incômodo. Há algo não dito pairando no ar, algo podre e irreversível.
Antes que Vivi responda, a porta se abre com leve estardalhaço e Lucinha entra apressada, aflita. Seus olhos brilham de angústia.
LUCINHA - Carolina!
Ela se aproxima e abraça Vivi com força, sincera. Vivi retribui o abraço, um pouco surpresa. Lucinha não percebe nada.
LUCINHA - (meio ofegante) Como ele tá?
VIVI - (numa voz baixa, mas firme) Ele vai ficar bem. Não corre perigo.
Lucinha fecha os olhos, aliviada, e segura as mãos de Vivi com gratidão.
Nesse instante, Valquíria retorna com um copo de café nas mãos. Ao ver Lucinha, a expressão fecha, fria.
VALQUÍRIA - Eu vou ficar aqui esta noite. Quero acompanhar tudo de perto.
Silêncio. Vivi respira fundo, toma coragem.
VIVI - (com firmeza, sem hesitar) Não. (olha nos olhos de Valquíria) Quem vai ficar sou eu. Sou a esposa do Marco Aurélio.
As palavras ecoam pela sala. Lucinha observa, surpresa. Valquíria arqueia uma sobrancelha, pronta para atacar, mas é interrompida.
DANIEL - (intervindo, conciliador) Nenhuma das duas precisa ficar (para as duas) Não vão deixá-las entrar no quarto mesmo. Eu fico.
Silêncio. Valquíria parece considerar. Vivi, desconfiada, hesita.
DANIEL - (olha direto para Vivi) Você acha mesmo que eu seria capaz de machucar meu irmão?
Vivi não responde. O olhar dela vacila. A dúvida está no ar, densa como fumaça.
Valquíria, impaciente, quebra o momento.
VALQUÍRIA - Vamos, então?
Lucinha se junta às duas. Vivi encara Daniel por um instante a mais, antes de ceder.
As três saem da sala, com passos firmes. A câmera acompanha as costas de Daniel, agora sozinho, imóvel no centro da sala de espera.
Ele respira fundo. A sombra do mistério o envolve.
CORTA PARA:
CENA 2. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE VALQUÍRIA. INT. NOITE
SONOPLASTIA - TZIGANE – DALIDA.
O som dramático da música preenche o ambiente com intensidade e mistério. A suíte de Valquíria está envolta por uma penumbra elegante. Luzes suaves delineiam os móveis imponentes, espelhos dourados e cortinas de veludo pesado que sussurram com o vento da madrugada.
A porta se abre devagar. Laura — conhecida por todos como Selma — surge com sua postura altiva e passos controlados. Ela entra sem pressa, como se já pertencesse àquele espaço.
Fecha a porta com delicadeza e, antes de se mover, lança um olhar calculado ao redor. Um leve sorriso se forma no canto dos lábios. Laura murmura para si:
LAURA - (baixo, venenosa) O que será que eu posso encontrar aqui... que me ajude a ganhar a confiança da Carolina?
Ela avança pelo quarto, observando os detalhes com olhos treinados. Penteadeira, perfumes, joias. Tudo no lugar. Impecável. O mundo de Valquíria exala riqueza, vaidade e poder.
Laura se aproxima de uma cômoda. Abre uma gaveta com discrição. Vasculha rapidamente. Encontra lenços de seda, uma nécessaire, caixas pequenas. Nada.
Abre outra. Revira com mais firmeza — sem pressa, mas com método.
Então, jogado sem cuidado no fundo da gaveta, ela encontra um bilhete amassado. Pega o papel com os dedos firmes, desdobra devagar. Lê em silêncio.
Close no rosto de Laura. Seus olhos se estreitam. O conteúdo do bilhete não é revelado ao público — apenas a sua reação, um misto de prazer e triunfo silencioso.
A câmera se aproxima. A música cresce. Laura ergue o olhar para o espelho à sua frente, encara seu reflexo e diz com frieza, com voz baixa e venenosa.
LAURA — Em casa de cobra criada ninguém entra de pé.
A música atinge o ápice. Laura sorri. Lenta, fecha a gaveta. A câmera sobe, revelando a suíte luxuosa vista de cima — agora com uma presença clandestina e venenosa escondida em seu coração e a sonoplastia cessa, juntamente com a câmera que escurece.
CORTA PARA:
CENA 3. SÃO PAULO. AMANHECER. EXT.
SONOPLASTIA - DEVIL PRAY – MADONNA.
A cidade de São Paulo desperta sob um céu cinzento, melancólico.
Planos aéreos cruzam a metrópole: os arranha-céus envoltos em neblina, o trânsito começando a ganhar corpo nas marginais, o concreto úmido refletindo a primeira luz do dia.
A batida grave da música cria um contraste inquietante com a calma aparente da manhã. As notas ecoam como um presságio.
CORTA PARA:
Câmera desliza suavemente por bairros residenciais adormecidos, ruas vazias e silenciosas, até que a imagem pousa sobre os muros altos e ornamentados da mansão dos Godoy Bueno.
O portão de ferro forjado está fechado. Câmeras de segurança vigiam discretamente. A fachada imponente surge emoldurada pela luz do amanhecer: um palacete neoclássico de colunas brancas e jardins cuidadosamente esculpidos.
As janelas estão fechadas. Atrás daquelas paredes, há mais segredos do que qualquer um poderia imaginar.
A trilha continua enquanto a câmera se aproxima lentamente da mansão.
CORTA PARA:
são no rosto, está prestes a sair. Abre o closet, pega uma bolsa. Vai em direção à porta. Está apressada.
CENA 4. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE CAROLINA E MARCO AURÉLIO. INT. DIA
A luz do dia entra pelas grandes janelas da suíte. Um feixe dourado atravessa as cortinas de linho, tocando de leve a cama impecavelmente arrumada. Tudo ali carrega o peso do silêncio e da ausência — Marco Aurélio no hospital, Carolina em um disfarce impossível.
Vivi, ainda com os traços de tensão no rosto, está prestes a sair. Abre o closet, pega uma bolsa. Vai em direção à porta. Está apressada. Ela ouve uma batida discreta na porta.
Vivi hesita por um segundo, respira fundo e abre a porta.
Laura surge com uma expressão contida de apreensão. Sua voz sai suave, mas cheia de intenção.
LAURA - (com doçura ensaiada) Desculpe incomodar, Carolina (pausa) Eu fiquei preocupada com o que encontrei ontem à noite. Não consegui dormir. Achei melhor te mostrar.
Vivi franze o cenho, curiosa e desconfiada.
VIVI - (tentando manter a postura) Encontrou o quê, Selma?
Laura ergue um papel ligeiramente amassado, com a borda rasgada. Entrega como quem carrega uma bomba nas mãos.
LAURA — Achei que era melhor você mesma ler...
Vivi pega o papel e, ao desdobrar, seus olhos percorrem a caligrafia trêmula. O texto está em espanhol. Seu rosto empalidece. O tempo parece parar.
CLOSE NO PAPEL:
"Si no puedo vivir sin él, mejor no vivir."
As mãos de Vivi tremem. A câmera capta o instante em que ela compreende o que está lendo. Ela olha para Laura, tentando manter o disfarce, mas seus olhos denunciam o pânico.
VIVI - (tensa) Onde exatamente você achou isso?
LAURA - (fazendo-se de santa) Estava no chão, no corredor, mas, confesso, acho que caiu da bolsa da Valquíria. Vi ela mexendo nela um pouco antes. Achei que você deveria saber.
O silêncio paira. Vivi, tentando conter o colapso, guarda rapidamente o bilhete na bolsa.
VIVI - (curta, seca) Eu preciso ir pro hospital.
Sai apressada, quase em fuga. A câmera acompanha Vivi se afastando pelo corredor largo da mansão, com o papel queimando em sua bolsa.
CORTE PARA: LAURA
Parada na porta, sozinha, observando a saída de Vivi. Um sorriso discreto e venenoso surge em seus lábios. Ela se vira, fecha a porta devagar.
LAURA - (para si, sussurrando) Uma peça por vez e o tabuleiro é meu.
CORTA PARA:
CENA 5. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE VALQUÍRIA. INT. DIA
Valquíria está só. A luz do dia entra filtrada pelas cortinas fechadas. A atmosfera é abafada, pesada.
Ela caminha até a cômoda com passos firmes. Abre a gaveta com determinação. Vazia.
Por um segundo, sua expressão se mantém neutra, mas logo se desmancha em pânico silencioso. Os olhos arregalados. A respiração presa no peito. Ela fecha a gaveta com força.
INSERT – MANSÃO DOS GODOY BUENO. ESCRITÓRIO. INT. NOITE. FLASHBACK.
A cena é fria, silenciosa. Apenas o som do relógio de parede.
Ana Maria está caída no chão do escritório. Ao lado do corpo, um bilhete manuscrito em espanhol:
"Si no puedo vivir sin él, mejor no vivir."
A câmera foca nos dedos delicados da jovem, que repousam próximos à folha. Há uma flor caída também, como símbolo de algo interrompido.
Valquíria olha com nojo contido para o corpo. Suspira com impaciência.
VALQUÍRIA - (mordaz, sem alma) Já não bastava uma babá de terceiro mundo (irônica) “se matar na minha casa”, agora o meu filho leva um tiro? Isso aqui virou novela mexicana.
Ela caminha até o bilhete, apanha o papel com dois dedos, com nojo. Olha de novo o corpo de Ana Maria como se olhasse uma poça no chão.
Em silêncio, rasga o bilhete com calma. Depois pega um novo papel de dentro de um fichário de couro. Escreve com a mesma letra — firme, pausada.
CLOSE NO NOVO BILHETE:
"Si no puedo vivir con él, ninguno de los dos debe vivir."
Ela dobra, cuidadosamente, e coloca o novo bilhete no chão, ao lado do corpo.
Em seguida, se aproxima da janela. Puxa as cortinas com violência, como se quisesse varrer o drama para longe.
VALQUÍRIA - (para si, fria, venenosa)Se você morrer, meu filho a empresa não vai junto. E eu serei mais eficiente que a justiça para encontrar o seu atirador.
FIM DO INSERT.
Valquíria volta do transe. Está novamente diante do espelho da penteadeira. Os olhos fixos em sua imagem. A maquiagem perfeita. O cabelo impecável. Mas o rosto trincado pela ansiedade.
Ela leva a mão até a gaveta onde escondia o bilhete.
A câmera se aproxima lentamente de seu reflexo.
Ela sussurra para si, num fio de voz, carregado de veneno e medo:
VALQUÍRIA — É só uma questão de tempo até alguém farejar esse cadáver ...
Ela sorri nervosa. Mas o sorriso desaparece antes mesmo de se formar. Um vestígio de culpa? Não. Apenas cálculo.
CORTA PARA:
CENA 6. HOSPITAL ALBERT EINSTEIN. QUARTO DE MARCO AURÉLIO. INT. DIA
SONOPLASTIA – TANGO DA BRONQUITE - ANGELA RÔ RÔ – INSTRUMENTAL
Marco Aurélio repousa na cama, inconsciente, conectado a máquinas. Seu rosto está pálido, um curativo cobre parte do abdômen. A tela do monitor cardíaco exibe batimentos regulares.
Daniel está de pé ao lado da cama, olhos inflamados de desejo e inveja.
DANIEL - (baixo, irônico) Você não pode me ouvir, irmãozinho. Nem reagir. (pausa) A Carolina é minha. Casou com você, mas sempre me amou. (ri com escárnio) E agora me rejeita?
Ele dá uma volta pelo quarto, passa os dedos nos móveis. Sente-se à vontade.
DANIEL - (continua) Mas e se você estiver morto? Será que continua assim?
Ele solta uma risada contida. Caminha até o armário, abre com naturalidade, retira um travesseiro. A música cresce sutilmente.
Daniel retorna dançando, passos leves, quase performáticos. Uma dança macabra. Sorri. Aproxima o travesseiro do rosto de Marco Aurélio.
Close no monitor cardíaco — os batimentos diminuem gradualmente.
Daniel observa, excitado com o poder, os olhos marejados de adrenalina.
Quando o som do monitor beira o alarme — A PORTA SE ESCANCARA.
Vivi (disfarçada de Carolina) entra correndo, grita.
VIVI — O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?
Daniel recua, assombrado. Larga o travesseiro. Marco Aurélio permanece inconsciente, mas vivo.
DANIEL - (transtornado, sincero) Tô encontrando um jeito de ficar com você, Carolina!
VIVI — Não me chama assim.
Ela retira o bilhete do bolso e o ergue diante de Daniel, os olhos duros:
VIVI - (seca) Foi você quem tentou matar o Marco Aurélio ontem à noite?
Daniel pisca, atordoado. A cor foge de seu rosto.
DANIEL - (confuso) O quê? Não (pausa) Eu achei que tinha sido a Ana Maria! (ele respira ofegante) Eu perdi o controle agora, aqui. Mas não premeditei nada. Jamais contrataria um matador...
VIVI - (irônica) Mas mataria com um travesseiro?
DANIEL - (quase infantil) Não é o que parece, Carolina, eu...
VIVI - (cortando, dura) Sai do quarto, Daniel. Agora. Ou eu chamo a segurança.
Daniel hesita. Queria dizer algo mais. Mas sai — silencioso e derrotado.
Silêncio.Marco Aurélio abre os olhos.
MARCO AURÉLIO - (fraco) Você não é a Carolina.
Vivi se aproxima da cama. Abaixa o tom.
VIVI:
— Quando a gente saiu de casa pra ir à delegacia alguém atirou em você. (pausa) Disseram que foi a Ana Maria. Mas eu vi o bilhete original, a Valquíria plantou outro pra incriminar ela.
Marco Aurélio fecha os olhos por um segundo. Reabre. Entende tudo.
MARCO AURÉLIO — E você acha quem atirou em mim (pausa) Foi quem matou a Carolina?
VIVI — É o que eu acho. E acho que essa pessoa tá mais perto do que a gente imagina.
OLHAR TENSO ENTRE OS DOIS.
Nesse instante, o celular de Vivi vibra. Ela vê a notificação.
MENSAGEM ANÔNIMA: “Dessa vez foi de raspão. Na próxima, quem abrir a boca morre.”
Vivi treme. O celular escorrega da sua mão.
Ela recolhe e entrega a Marco Aurélio.
VIVI - (em choque) Olha isso...
Close no rosto de Marco Aurélio, agora desperto, alerta, assustado.
Close em Vivi, entre o pavor e a decisão.
CORTA PARA:
FIM
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