A INTRUSA
CAPÍTULO 12
UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI
CENA 1. MANSÃO DOS GODOY BUENO. JARDIM. EXT. NOITE
SONOPLASTIA - PRIVATE DANCER – TINA TURNER
O jardim da mansão transborda opulência discreta. Lustres de cristal pendem de estruturas metálicas cobertas por heras, e arranjos florais assinados por designers cariocas exalam um perfume caro e discreto. A noite é de gala, mas com o rigor sutil da elite que não precisa provar nada.
VALQUÍRIA está impecável, como sempre. Recebe os convidados com a cordialidade afiada de quem nasceu para comandar. DANIEL a acompanha com sobriedade e charme contido. MARCO AURÉLIO mantém o sorriso falso de anfitrião que precisa sustentar aparências.
CECÍLIA, CARLOS e LÍVIA se aproximam do trio anfitrião. As três figuras são elegantes, mas é LÍVIA quem exala veneno em perfume francês.
CECÍLIA - (sussurrando para Lívia) E a Carolina? Vai fazer todo mundo esperar?
LÍVIA - (sorrindo, ferina) A estrela da noite sempre atrasa. É o efeito do holofote.
MARCO AURÉLIO - (calmo) Ela está prestes a descer.
O burburinho cessa por instantes. Todos olham na direção da escadaria central, que desce em curvas pelo jardim iluminado. E então — ela aparece.
Vivi — travestida de Carolina — surge no topo da escada. Um impacto visual. O vestido preto é escultural, colado ao corpo com elegância e perigo. As joias lançam brilhos discretos sobre o colo. O cabelo está preso com austeridade. Ela é o centro das atenções. E sabe disso.
Com passos calculadamente suaves, Vivi desce. O som de “Private Dancer” embala cada movimento como se ela estivesse em um desfile invisível, cujo público é a elite inteira de São Paulo. Ela se aproxima de MARCO AURÉLIO, que a recebe com um beijo na boca. Eles se olham como um casal forjado no gelo.
VALQUÍRIA - (satisfeita, para Daniel) Eu disse que ela saberia se portar. Está deslumbrante.
DANIEL - (sem emoção) A festa agora tem protagonista.
CECÍLIA -(feliz) Filha, você está divina.
VIVI - (sorrindo, impecável) Obrigada, mãe. Que bom que vieram.
Ela cumprimenta Lívia com um beijo no rosto. Lívia retribui o gesto — gelada.
LÍVIA - (baixa, sussurrando com doçura ácida) Cuidado com a altura, querida. Quanto mais alto, mais dura a queda.
Vivi sorri com os lábios, não com os olhos. O jogo está só começando.
Câmeras discretas capturam a cena. Fotógrafos se preparam para o clique oficial da “grande dama” da noite. VIVI se junta aos anfitriões para receber os convidados.
CORTA PARA:
CENA 2. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA DE ESTAR. INT. NOITE
A sala está envolta em meia-luz, com iluminação suave refletida em espelhos franceses e obras de arte contemporânea cuidadosamente escolhidas por um decorador milionário. O burburinho da festa ecoa ao fundo. Na penumbra discreta da elegância, duas figuras se destacam.
Lucinha — silhueta escultural, look exuberante, maquiagem meticulosamente aplicada — segura uma taça de champanhe com a delicadeza de uma arma pronta. Olhar de felina entediada, mas alerta. Ao lado, MADSON — vestido branco de renda, o rosto andrógino e frágil — ri baixo, tenso.
LUCINHA - (olhos semicerrados, venenosa) Não foi só no aeroporto. No café da manhã, Patrícia serviu suco pro Rubinho com uma intimidade que (pausa dramática) Não combina para tratar o padrasto.
MADSON - (rindo nervoso) Você anda vendo série demais, Lucinho. Isso é coisa de roteiro.
LUCINHA - (sempre teatral) E desde quando a realidade não é mais podre que a ficção?
Ela sorve o champanhe como quem digere um segredo. MADSON tenta parecer relaxade, mas derrama um pouco da bebida ao rir. A maquiagem borra levemente no canto da boca, revelando um corte quase escondido.
LUCINHA - (imediatamente atenta) O que é isso na sua boca?
MADSON - (tentando limpar, evasive) Nada. Me cortei abrindo um vinho.
LUCINHA - (incrédula, arqueando a sobrancelha) Com o quê? Uma adaga medieval?
MADSON - (baixa o olhar, sorri sem graça) Deve ter sido o vidro. Nem vi direito.
LUCINHA - (aproximando-se, doce como veneno diluído em Chanel nº5)Você tá bem, Madson?
Madson não responde. Apenas sorri com os olhos marejados, tentando recuperar o controle. A taça trêmula denuncia mais do que gostaria. LUCINHA toca de leve o ombro dele.
LUCINHA - (mais baixa) Se alguém encostou um dedo em você eu mato.
Elas se encaram. A cumplicidade é profunda — mas há um mar de silêncio entre elas. A música da festa invade o ambiente por instantes, abafando a tensão.
CORTA PARA:
CENA 3. MANSÃO DOS GODOY BUENO. JARDIM. EXT. NOITE
SONOPLASTIA - I HEARD IT THROUGH THE GRAPEVINE – MICHAEL MCDONALD
A música toca ao fundo, entre risos e brindes; a noite está sofisticada, porém com um ar de mistério no ar.
Lari Pacotão surge tombando! Look colorido, turbante glamouroso, saltos altos que desafiam a gravidade. Armand a acompanha com elegância francesa e um charme de cinema antigo.
Todos olham. Ela adora. Ela sabe. Ela joga cabelo e sorri para os flashes invisíveis.
LARI PACOTÃO - (em voz alta, performática) Cheguei, manas! Podem cancelar a festa... porque o close principal já está garantido!
ARMAND -(rindo) Mi amor, você é um desfile por onde passa.
Enquanto caminham, são interceptados por Valquíria, que se aproxima com curiosidade e um sorriso contido. Elas nunca se viram antes.
VALQUÍRIA - (com falsa simpatia) Você deve ser?
LARI PACOTÃO - (colocando a mão no peito, dramática) A própria! Lari Pacotão, diva, empreendedora, destruidora de padrões e servidora de looks. E você, mana, é quem?
VALQUÍRIA - (levemente incomodada, mas mantendo o tom) Valquíria Godoy Bueno. A dona da casa.
LARI PACOTÃO - (olhando ao redor) Ahhh, então é você que montou esse bapho de evento. Um luxo com um toque de loja de cortina, mas um luxo.
VALQUÍRIA - (presa entre rir e atacar) Interessante (T) Nunca tinha ouvido falar de você.
LARI PACOTÃO - (afiada) Normal, benzinha. Quem tá acostumada com tapete vermelho não desfila em beira de calçada. Mas tô aqui, ó (PAUSA) descendo a ladeira da alta sociedade com salto quinze!
ARMAND - (tentando amenizar, entre risos) Acho que vocês duas acabaram de se conhecer e já parece final de reality.
VALQUÍRIA - (engolindo o veneno com champanhe)
Bom (PAUSA) Aproveitem a festa. É aberta para todos os estilos.
Ela sai. Lari faz biquinho e sussurra para Armand:
LARI PACOTÃO - Amor, essa aí tá precisando de uma dose de glitter no coração.
VIVI (como Carolina, surge discretamente e fala em tom baixo para Lari) – Lari, preciso falar com você. Agora.
LARI PACOTÃO - (muda o tom, séria) Opa. Bora, mana.
As duas entram, mantendo a compostura. A tensão é discreta, mas real.
Corte para Daniel, que assiste a tudo do outro lado do jardim, intrigado. Ele acompanha com os olhos a entrada de Vivi e Lari na casa.
CORTA PARA:
CENA 4. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE CAROLINA E MARCO AURÉLIO. INT. NOITE
A suíte é o ápice da sofisticação, com uma vista deslumbrante para o jardim iluminado e uma decoração que transita entre o clássico e o moderno. O clima da noite envolve o ambiente como uma nuvem carregada, aguardando a tempestade. Na cama, rodeada de almofadas e lençóis de seda, Vivi está deitada, com os olhos pesados, o olhar perdido em algum ponto da parede. Ao seu lado, Lari Pacotão — sempre perfeita, mas com a expressão desconfiada de quem sabe que algo está prestes a explodir. Um copo de champanhe ainda em suas mãos, mas o brilho nos olhos é outro.
VIVI - (suspira fundo, voz embargada, sem se olhar no espelho)
Lari, eu estou nesse jogo há uma semana e não sei o que aconteceu com a Carolina. Não sei onde ela está… ou o que fizeram com ela.
(pausa, mais grave)
E não foi uma escolha minha. Recebi uma mensagem. Um aviso. Eu tinha que assumir a identidade dela… ou…
(olha para Lari, sem coragem de completar a frase)
LARI PACOTÃO - (coração acelerado, tomando um gole do champanhe, seu tom cheio de malícia e veneno) Mensagem? (ri secamente, tentando esconder a preocupação)Quem foi essa maluca, hein? Uma coisa dessas, só se fosse gente grande. Se é pra se meter, tem que saber quem tá jogando o jogo, minha flor. E tu aqui, com essa cara de quem foi pega no pulo…
VIVI - (passa a mão no cabelo, nervosa) Fui ameaçada. A troca foi uma ordem. (olha para Lari com uma expressão de desespero) E eu não sei até quando vou conseguir segurar essa mentira. Cada dia é uma máscara nova… uma mentira maior que a outra.
LARI PACOTÃO - (sorri com um brilho afiado nos olhos, vira a taça de champanhe com uma dose a mais de veneno) Ah, minha amada, se você não souber o que fazer com as mentiras, elas é que vão te engolir, viu? Fica tranquila, se você conseguir jogar o jogo direito, é tudo uma questão de tempo. Vai fundo, mas tem que ser inteligente. (olha com um sorriso de quem já viu todo o filme acontecer antes) Agora, investiga! Tem que saber quem é o figurino e quem é a maquiagem, menina. Não vai fazer o que a Lívia e esses outros fantasmas querem, né? Sabe como é, a máscara, uma hora cai. E a tua, minha amiga, tá prestes a virar farofa, se não tomar cuidado.
VIVI - (sorri forçadamente, a dor nos olhos é transparente) Eu sei, Lari, já estou começando a ter uma ideia de quem está por trás disso tudo.
FLASHBACK
EXT. FRENTE À CASA DE CAMPOS DO JORDÃO. NOITE
Ela se aproxima de Vivi e a abraça num gesto performático. Durante o abraço, sussurra no ouvido dela, gelada:
LÍVIA - (voz baixa, afiada) Você vai pagar caro por ontem à noite.
Afasta-se com um sorriso largo, como se nada tivesse acontecido. Volta ao carro com elegância, entra e parte em alta velocidade, deixando um rastro de tensão no ar.
CENA DE VOLTA À SUÍTE
VIVI - (sussurrando, com a cabeça abaixada, mas olhos fulminantes) Já tenho uma suspeita, Lari. E não é só a Lívia. (olha para ela com um olhar determinado) Eu sei o que preciso fazer agora.
LARI PACOTÃO - (se aproxima, uma piscadela maliciosa, deixando o tom de sua voz ainda mais afiado) Então, menina agora sim, você vai botar as garras de fora, porque não tem mais espaço pra medo. O babado é grande, a casa tá pegando fogo, e quem não tiver coragem vai dançar. Não tem meio termo, já era. Se for pra brilhar, que seja com todo o glamour mas tem que ser esperta, viu? O jogo é jogado por quem sabe andar na linha tênue entre o luxo e o veneno.
Vivi desvia o olhar, como se estivesse apenas começando a desvendar o caminho tortuoso que terá que seguir. Lari observa com atenção, um olhar misto de confiança e ceticismo. Ambas sabem que a verdade é apenas o começo de uma guerra que ainda nem começou a esquentar.
CORTA PARA:
CENA 5. MANSÃO DOS GODOY BUENO. JARDIM. EXT. NOITE
No coração da festa, a música ecoa, os convidados estão embriagados pelo luxo e pelo glamour. As luzes piscam, iluminando o ambiente de forma sensual. Valquíria sobe ao palco com sua família, o olhar altivo, a postura impecável. Todos param para prestar atenção. Ela está no centro da cena, é a estrela da noite.
VALQUÍRIA - (voz firme, cheia de autossuficiência, exalando um ar elitista) É com imensa honra que nos reunimos aqui para celebrar mais um marco de nossa grande empresa! (sorri, como se fosse a dona do mundo) O sucesso de nossa família é reflexo de muito trabalho, dedicação e, claro, de sabermos exatamente o nosso lugar. (olha para os convidados com um sorriso superior) Que todos saibam que o nome Godoy Bueno representa poder, riqueza, e, acima de tudo, classe!
A câmera desliza pela mesa de som, onde Laura observa, com um olhar frio, calculista. Ela segura uma taça de champanhe, de olhos fixos no técnico de som que está operando o sistema.
LAURA - (de maneira quase imperceptível, como se estivesse calculando cada movimento) Ups... (sem mais palavras, ela derrama o champanhe sobre o técnico de som. Ele se apressa em correr, desesperado, em direção ao banheiro.)
Com o caminho agora livre, Laura se aproxima da mesa de som, com um sorriso de satisfação. Ela insere rapidamente o pen drive. A tela do palco brilha com uma luz vermelha, e o vídeo começa a ser exibido.
Na tela, imagens cruas e íntimas de Marco Aurélio e Ana Maria se beijando apaixonadamente na garagem da empresa. É um momento sem censura, a câmera de segurança não mentindo, mostrando o quanto eles estavam envolvidos um com o outro.
O choque é imediato. O ambiente da festa, antes animado e glamouroso, se transforma em um frenesi de sussurros e olhares perplexos. O choque toma conta de todos.
Vivi, agora em seu traje impecável, desce do palco com passos rápidos e imponentes. A câmera segue, capturando a expressão de surpresa e indignação de Cecília e Carlos. Mas é Lívia, com um sorriso malévolo, quem se destaca, observando a cena com um ar de satisfação quase perversa.
LÍVIA - (sussurrando para si mesma, com um sorriso afiado) Eu sabia (ri) eu sabia. Nada como a verdade vindo à tona.
Enquanto Vivi se afasta rapidamente, Marco Aurélio vai atrás dela, com o rosto contorcido pela ira e vergonha. A câmera passeia, capturando os rostos dos convidados. A tensão é palpável.
Madson e Lucinha estão na mesa, se entreolhando, claramente indignados.
MADSON - (sem conseguir disfarçar a raiva, a voz venenosa) Imagina a cara dessa mulher, depois dessa bomba.
LUCINHA - (fazendo um gesto de desgosto) Um escândalo, não é? Com essa cara de moralista, todo mundo sabia que ele não prestava. (olha para a tela com desdém)
A câmera se move rapidamente, capturando Rubinho e Patrícia, que observam com certo prazer a desgraça de Marco Aurélio.
A câmera segue, indo até LARI PACOTÃO e ARMAND. LARI, com o olhar astuto e o sorriso irreverente, observa o caos com satisfação. Ela solta, em alto e bom som, com uma voz cheia de veneno e sarcasmo:
LARI PACOTÃO - (sem esconder a surpresa e o escárnio) Puta merda (leva a mão na boca) Esse circo é melhor que qualquer show de palco. (sorri, sarcástica, se sentindo a verdadeira estrela da noite)
Enquanto isso, os Paparazzi não perdem tempo. Câmeras flashes disparam incessantemente, como se estivessem em um jogo de caça. Stories começam a ser feitos na frente do palco, capturando todos os ângulos possíveis.
A festa, que deveria ser um evento de pura classe, se transforma em um frenesi de escândalos e fofocas. Todos estão olhando para os lados, sussurrando, apontando, criando novas alianças, e dividindo ainda mais as lealdades. É o auge da decadência social — e todos sabem que nada vai mais ser como antes.
CORTA PARA:
CENA 6. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE CAROLINA E MARCO AURÉLIO. INT. NOITE
Vivi chora, o rímel escorrendo pelos olhos, mas ainda bela, em ruínas. A maquiagem borrada não diminui o impacto da cena. O vestido preto colado ao corpo contrasta com o drama exposto.
Marco Aurélio entra, transtornado. Fecha a porta com força. Caminha até ela.
MARCO AURÉLIO - (voz contida, mas firme) Eu posso explicar. Isso com a Ana Maria terminou. Foi um erro. Um deslize. Um momento.
VIVI - (aflita, os olhos marejados, a dor transbordando em raiva) VOCÊ ME FEZ DE PALHAÇA NA FRENTE DAQUELA GENTE TODA! NUNCA, NUNCA NA MINHA VIDA EU FUI TÃO HUMILHADA!
MARCO AURÉLIO - (sarcástico, ferido no ego) Engraçado você dizer isso. Quer que eu te lembre do Daniel?
VIVI - (gelando por um instante, mas não recua) Ao menos o meu nunca foi filmado. E muito menos projetado num telão, na frente da imprensa, dos seus sócios, da sua mulher!
MARCO AURÉLIO - (caminha até ela, o olhar fixo, sem piscar) Você teve a audácia de me cobrar fidelidade… depois do que fez no Caribe, no ano passado?
Vivi engasga. Vacila. Um segundo de silêncio. O tempo parece parar.
MARCO AURÉLIO - (voz fria, cortante como aço) Você hesitou. Carolina jamais hesitaria.
Vivi permanece em silêncio. Os olhos arregalados. O coração batendo como um tambor)
MARCO AURÉLIO - (agora implacável, dedo em riste, como um executor) VOCÊ NÃO É A CAROLINA. (aproxima-se lentamente) Quem é você, afinal?
SILÊNCIO ABSOLUTO.
Vivi treme. A verdade ameaça explodir. O jogo vira.
CORTA PARA:
FIM
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