A INTRUSA - CAPÍTULO 11 - 05/09/2024


A INTRUSA

CAPÍTULO 11

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI




CENA 1. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE CAROLINA E MARCO AURÉLIO. INT. NOITE

 

SONOPLASTIA – OLHA – MARIA BETHÂNIA

 

A suíte está envolta numa penumbra elegante. O abajur projeta uma luz âmbar sobre os lençóis de linho. Vivi, no papel de Carolina, está de camisola longa, de seda perolada, sentada à beira da cama, escovando os cabelos diante do espelho. O reflexo revela mais do que o rosto: mostra o peso da farsa, da memória, da escolha.

A porta se abre discretamente. Marco Aurélio entra, já de pijama, o olhar mais brando que de costume.

MARCO AURÉLIO - (sorrindo de leve) Soube que o Daniel levou um fora hoje vindo de você. (pausa) Acho que ainda existe algo aqui. Algo que vale a pena lutar.

Vivi se vira devagar, medindo as palavras, mas antes que diga algo, ele se aproxima.

MARCO AURÉLIO - (mais baixo) Quero você de volta, Carolina. Como antes. Melhor que antes.

Ele a beija. Um beijo seguro, maduro, carregado de desejo, mas também de uma tentativa desesperada de recomeço. Vivi hesita, o corpo tenso… depois se entrega, por um breve instante. Fecha os olhos. Deixa-se beijar. Um eco do passado, da dúvida, do que poderia ter sido.

Mas então ela se afasta com delicadeza, apoiando as mãos no peito dele.

VIVI - (baixo, com doçura) Deixa eu dormir, Marco. (um sorriso triste)
Hoje foi um dia longo.

Ele a observa em silêncio. Toca o rosto dela com os dedos, como se tocasse uma lembrança. Assente com um meio sorriso e sai do quarto.

Vivi caminha até a cama. Deita-se. Os olhos fixos no teto. A mão toca os lábios, como quem tenta entender o próprio coração.

SONOPLASTIA SOBE – Maria Bethânia canta com alma: “Olha, você tem todas as coisas que um dia eu sonhei pra mim…”

A câmera se afasta lentamente, revelando a mulher no centro de um campo de guerra emocional: dividida entre a verdade, o disfarce, o passado e o futuro.

CORTA PARA:

 

CENA 2. MANSÃO DOS GODOY BUENO. JARDIM. EXT. NOITE

O jardim está silencioso, com as luzes da mansão refletindo na piscina. Daniel fuma encostado numa coluna de mármore. O terno semiaberto, o olhar perdido, o cigarro queimando devagar.

Lívia surge atrás dele, com um robe de seda leve, como quem flutua. Aproxima-se sorrateira e o beija no pescoço. Daniel se esquiva, sem violência, mas com firmeza.

DANIEL - (baixo, direto) Não.

LÍVIA - (puxando o cigarro da mão dele) Vai me dizer que virou santo agora? Que vai voltar pra “Carolina”?

Ele respira fundo. A voz sai fria, quase melancólica.

DANIEL - Eu amo a Carolina. Sempre amei. E vou reconquistar ela. Não importa quanto tempo leve.

Lívia ri, amarga. Balança a cabeça.

LÍVIA - Você é patético. Vive correndo atrás de uma mulher que nunca te quis. Eu sou melhor do que ela em tudo — e você sabe disso!

DANIEL - (olhando nos olhos dela, cortante) Você serve pra brincar, Lívia. Não pra casar.

Silêncio. Lívia leva um segundo para entender. O golpe vem seco, e sangra por dentro. Ele joga a bituca no chão, apaga com o sapato, dá meia-volta e entra na casa sem olhar pra trás.

A câmera permanece em Lívia, sozinha.

Ela dá um passo para trás. Depois outro. Senta no banco de pedra. As mãos trêmulas, os olhos fixos no nada.

SONOPLASTIA — PRÓPRIAS MENTIRAS – DEBORAH BLANDO


A melodia entra como uma confissão sussurrada, envolta em seda e veneno.

Lívia permanece estática, como se o golpe de Daniel a tivesse transformado em estátua. Mas seus olhos — orgulhosos, feridos — queimam com algo que não é só dor: é rancor.

Ela se senta no banco de pedra como uma rainha destronada, mas não vencida. O robe de seda escorrega levemente pelos ombros, revelando uma beleza fria, quase trágica. A luz da piscina reflete em seus olhos marejados, que brilham não de lágrimas, mas de cálculo.

A câmera se afasta lentamente, como se respeitasse o luto de uma vilã prestes a se reinventar.

A música sobe. E o jogo também.

CORTA PARA:

 

CENA 3. SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO. AMANHECER. EXT. DIA


SONOPLASTIA – “PADAM PADAM” – KYLIE MINOGUE

 

A batida eletrônica pulsa junto com o coração das metrópoles.

SÃO PAULO.
A câmera plana sobre a Avenida Faria Lima, os prédios espelhados refletindo a primeira luz do dia. O tráfego começa a despertar, engravatados tomam café apressados, o concreto respira ambição.

CORTA PARA:

RIO DE JANEIRO.
O sol nasce preguiçoso atrás do Pão de Açúcar. O mar ondula num brilho dourado, surfistas entram no mar como bailarinos. Na orla, as palmeiras balançam com o vento, indiferentes ao caos das paixões humanas.

CORTA PARA:

SÃO PAULO.
Helicópteros cortam o céu. Uma taça de champanhe pousa sobre uma mesa de vidro — mãos femininas, joias discretas, poder evidente. Um close de salto alto entrando num carro de luxo.

CORTA PARA:

RIO DE JANEIRO.
Cortinas brancas dançam ao vento em uma varanda de hotel. Um corpo adormecido entre lençóis de cetim. Um celular vibra. Uma notificação brilha. Segredos, desejos e negócios atravessam fronteiras.

CORTA PARA:

CENA 4. HOTEL COPACABANA PALACE. SUÍTE DE ARMAND. INT. DIA

Com a sonoplastia da cena precedente, a luz da manhã atravessa as cortinas de linho branco, tingindo de dourado o quarto amplo e luxuoso. Em meio a almofadas de seda e lençóis revirados, Lari Pacotão — de robe curto, cabelos ainda desalinhados — caminha com passos de diva recém-acordada.

Armand, vestindo apenas calça social e camisa de linho aberta, se aproxima com um sorriso malicioso.
Ele estende um cartão de crédito preto com discrição teatral, como quem entrega uma joia rara.

ARMAND - (em espanhol, sedutor) Para ti, mi reina. Precisas de algo digno de un tapiz rojo.

LARI - (pega o cartão como quem recebe uma coroa) Armand você é a resposta da Chanel pro meu boleto.

Ela o agarra, beijos estalados, risadas abafadas. O clima é leve, mas cheio de uma intimidade construída no luxo e no prazer sem culpa.

ARMAND - (entre beijos) Quiero que el mundo te vea como yo te veo.

LARI - (fingindo modéstia) Linda, rica e escultural?

ARMAND - (beija o pescoço dela, rindo) Y un poco peligrosa.

Eles caem juntos sobre a cama, se envolvendo em lençóis brancos. Ao fundo, a trilha termina num sussurro eletrônico.

CORTA PARA:

CENA 5. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA DE JANTAR. INT. DIA

A mesa do café da manhã está impecavelmente posta. Louças francesas, frutas cortadas com perfeição, sucos em taças de cristal. O ambiente tem o silêncio elegante das famílias que evitam falar demais para não revelar o que pensam.

Valquíria está sentada na cabeceira, impecável num robe de seda com detalhes em renda preta. Marco Aurélio folheia o jornal. Daniel mexe preguiçosamente o café. Vivi (disfarçada de Carolina) observa tudo com atenção.

VALQUÍRIA - A festa será no jardim. (pausa, afiada) Quero todos à altura do nome Godoy Bueno. Nenhum escândalo, nenhum vexame, nenhuma cena patética de família desestruturada. (olha diretamente para Daniel) Nem mesmo uma embriaguez.

DANIEL - (morde a língua, irônico) Prometo tentar não manchar o gramado com champanhe e vergonha.

MARCO AURÉLIO - (sem levantar os olhos do jornal) Você mancha tudo em que encosta, Daniel. Até o sobrenome.

DANIEL -Engraçado, mamãe sempre disse que eu era o mais brilhante. Talvez ela estivesse apenas mais lúcida quando não tomava calmantes prescritos por advogados.

VALQUÍRIA - (seca, voz fria e cortante) Basta. (ergue o guardanapo com elegância) Este salão já testemunhou escândalos suficientes. Se for pra continuar ouvindo insinuações baratas, prefiro tomar café com as esculturas do jardim. Ao menos são mudas — e decorativas.

VIVI - (tentando intervir, suave) Podemos ao menos tentar um café em paz?

VALQUÍRIA - (encarando Vivi com leve desconfiança, mas tom impecável) Paz, querida? Aqui (sorri, ferina) Só existe em porta-retratos antigos — ou na lápide dos que souberam a hora de se retirar.

Todos silenciam. O som de talheres é o único ruído. A tensão é quase tangível. Vivi toma um gole de café, tentando conter o tremor na mão.

CORTA PARA:

CENA 6. RUA VISCONDE DE PIRAJÁ. EXT. DIA

O sol se espalha pela calçada nobre de Ipanema. As vitrines brilham. Lari Pacotão, exuberante, desfila com sacolas de grife nos braços. Nanny Who caminha ao lado, de óculos escuros, abanando-se com um leque rosa-chiclete. As duas conversam animadas, mas com afeto no olhar. Há cumplicidade.

LARI PACOTÃO - (suspira, dramaticamente) Você tem noção do que é a Vivi estar lá, no meio daquela gente, fingindo ser a Carolina? Jantando com Valquíria Godoy Bueno como se fosse parte da dinastia? Isso é novela, Nanny. Novela das oito.

NANNY WHO - (com doçura e um leve humor) E sem dublê. A bicha tá se virando com garfo, faca de prata e passado alheio. Eu fico nervosa só de imaginar.

LARI PACOTÃO - (séria, mas com brilho nos olhos) A Carolina sumiu, foi trancada num spa na Suíça e agora a Vivi tá ali no lugar dela. Sozinha. Rodeada de cobra de salto alto, vivendo essa mentira por causa de um amor mal resolvido. Se a Valquíria descobrir… é degola em praça pública com direito a flash da Caras.

NANNY WHO - (abraça uma sacola com força) A Vivi sempre foi valente, mas dessa vez é perigoso demais. Aquela família não perdoa deslize, Lari. Eles te destroem com sorriso nos lábios e taça de champanhe na mão.

LARI PACOTÃO - (para diante da vitrine de uma loja luxuosa, mas sem desviar o foco) E o pior é que ela tá se apaixonando pelo Marco Aurélio. Você acredita? Como se o coração dela não vai apanhar. 

NANNY WHO - (baixando o tom, emocionada) Eu amo essa menina. Vivi sempre foi meu talismã. Se ela cair não sei se levanta de novo.

LARI PACOTÃO - (decidida) Então a gente segura. Eu vou ficar de olho nela na festa. Qualquer sinal de fraqueza, eu entro em cena. Não deixo ninguém encostar um dedo na Vivi. Principalmente aquela cobra da Lívia.

NANNY WHO - (sorri, emocionada) Você é luz, Lari.

LARI PACOTÃO - (pisca o olho, debochada) Sou alarme de incêndio em salão de luxo, meu amor. E se tentarem apagar a Vivi… eu boto fogo no figurino inteiro.

As duas caem na risada, cúmplices. O reflexo do vestido na vitrine cintila como um prenúncio de drama e glamour.

CORTA PARA:

 

CENA 7. BOUTIQUE DE LUXO. INT. DIA

 

SONOPLASTIA – I’M EVERY WOMAN – CHAKA KHAN

 

Lari Pacotão e Nanny Who entram na loja, deslumbrantes. Saltos, sacolas de grife, perfume caro no ar. A boutique é sofisticada, espelhada, silenciosa. A vendedora, branca, cis, arrogante, ajeita o cabelo ao vê-las, mas o olhar é de desprezo velado.

VENDEDORA - (com um sorriso cínico) Pois não, procuravam alguma peça específica?

LARI PACOTÃO - (abrindo um sorriso radiante) A gente tá caçando um look que grite “hei, cheguei e sou mais cara que o champagne do evento”.

NANNY WHO -(pisca, charmosa) Mas com tecido que abrace. Porque se for pra causar desconforto, a gente já tem a família da Vivi.

vendedora avalia com os olhos. Baixa o tom, muda a entonação.

VENDEDORA - (forçando simpatia) Ahn talvez a coleção passada seja mais… acessível.

LARI PACOTÃO - (franze o cenho, sem perder o glamour) Acessível pra quem, meu amor? Porque pra mim, acessível é a praia. Eu vim aqui é pra arrombar. Não pra liquidação.

NANNY WHO - (sorri, venenosa) Ah, entendi. Acessível porque a senhora achou que a gente ia pagar com vale-refeição, né?

VENDEDORA - (sem jeito) Imagina, não foi isso…

NANNY WHO - (voz baixa, cortante) Foi exatamente isso. Olha, mana, a gente já entrou em lugar pior. Tipo no coração de ex. Mas sabe qual é a diferença? Nenhum deles tentou esconder o preconceito com perfume francês.

LARI PACOTÃO - (triunfante, erguendo uma sobrancelha) Querida se eu quiser, compro essa loja. E transformo em salão de vogue. Mas tô sem tempo.

NANNY WHO - (encarando a vendedora, teatral) Você devia saber: transfobia sai de moda rapidinho. E volta como processo.

As duas se viram com elegância calculada. A câmera acompanha enquanto desfilam rumo à saída como duas rainhas de desfile final. A porta se abre automática, como se o mundo as reverenciasse.

LARI PACOTÃO - (rindo alto, já na calçada) E ainda me pergunto por que prefiro o look “destruidora” ao “boazinha”.

NANNY WHO - (soprando um beijo pra vitrine) Porque ser boazinha não paga o trauma.

vendedora observa, pálida, estática. O reflexo delas se afasta na vitrine, enquanto a música sobe com força.

A canção explode no refrão.

CORTA PARA:

 

CENA 8. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE DE AURORA. INT. DIA

Luz suave entra pela janela semiaberta. Aurora dorme tranquilamente, respirando com leveza. Ao lado da cama, Ana Maria está sentada. Observa a criança com os olhos marejados, tentando conter a emoção. Penteia delicadamente os fios de cabelo da menina com os dedos.

Porta se abre. Entra Marco Aurélio, impecável, tenso.

MARCO AURÉLIO – Ana (pausa) Eu vim te falar pessoalmente. A Carolina e eu estamos tentando recomeçar. A partir de hoje, o que tínhamos fica no passado.

ANA MARIA - (sem encará-lo) Entonces ya está decidido…

MARCO AURÉLIO - Não é fácil pra mim também.

ANA MARIA - (interrompe, ainda olhando Aurora) Por favor. Não diga isso. Não me falte al respeto.

MARCO AURÉLIO - (em silêncio por um instante) Você continua sendo importante pra Aurora. Nosso vínculo profissional continua.

ANA MARIA - Claro. Profesional.

Ele hesita, depois se aproxima, inclina levemente a cabeça em um gesto frio de despedida e sai. Fecha a porta.

Silêncio.

Ana Maria permanece imóvel. Só os olhos traem sua dor. Uma lágrima escapa. Ela a seca discretamente.

ANA MARIA - (voz baixa, quase um sussurro) Así es la vida, uno entrega el alma, y se la devuelven con silencio.

Ela ajeita o lençol de Aurora, beija-lhe a testa com ternura, e fecha os olhos por um instante.

CORTA PARA:

CENA 9. HOTEL COPACABANA PALACE. SUÍTE DE ARMAND. INT. DIA

 

SONOPLASTIA — PADAM PADAM – KYLIE MINOGUE

 

Lari Pacotão surge do banheiro, vestindo um look deslumbrante — moderno, exuberante, digno de capa de revista. Ela gira sobre os saltos, provocante, cheia de si.

Armand, sentado na poltrona com um copo de espumante na mão, paralisa. Os olhos brilham.

ARMAND - (com sotaque francês-espanholizado) Mon amour… c’est un escândalo. Una obra de arte com pernas.

Ele se levanta e a beija com entusiasmo. Lari dá uma risadinha satisfeita, pega a bolsa nova de grife, e encara o espelho, se admirando.

ARMAND - O helicóptero já nos espera. Saint-Tropez que se cuide!

LARI PACOTÃO - (piscando) E eu achando que só ia até o Leblon…

Eles saem juntos, de mãos dadas, aos risos — um casal improvável, fabuloso, absurdamente apaixonado.

CORTA PARA:

CENA 10. RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO. ANOITECER. EXT.

Com a sonoplastia da cena precedente, começamos com os planos aéreos das duas metrópoles. O céu se tinge de tons dourados, azulados, depois roxos — o lusco-fusco que antecede o luxo.

No Rio, o Pão de Açúcar e o Cristo se iluminam lentamente. Carros desfilam pelas avenidas da zona sul. O Copacabana Palace ganha destaque, imponente, misterioso.

Em São Paulo, o skyline da Av. Paulista cintila como uma constelação urbana. Helicópteros cruzam o céu. As luzes dos grandes prédios corporativos se acendem em sincronia.

A cidade parece se preparar para algo grandioso. O clima é de expectativa silenciosa, como o respiro antes do primeiro acorde.

CORTA PARA:

CENA 11. PALÁCIO TANGARÁ. SUÍTE DE LAURA. INT. NOITE

Laura diante do espelho, finaliza os últimos detalhes de um vestido preto impecável. O corte perfeito, o tecido nobre.
O olhar é frio, calculado. A beleza, letal.

Ela abre a bolsa com elegância e encaixa o pen drive com a precisão de quem manuseia uma arma.
Fecha com um clique seco.

Encarando o próprio reflexo, ela sorri — um sorriso quase imperceptível, mas carregado de veneno.

LAURA - (baixa, firme) Eles que se preparem. Hoje a festa acaba.

A câmera se aproxima lentamente do espelho. O reflexo de Laura — mais nítido do que a própria imagem — assume o quadro.

CORTE PARA:

 

FIM

 

 

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