A INTRUSA - CAPÍTULO 01 - 25/08/2025


A INTRUSA

CAPÍTULO 01

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI


 CENA 1. GRAMADO. EXT. CLIPE. 2020

 

SONOPLASTIA - MEMORIES - MAROON 5

 

Imagens aéreas da cidade de Gramado, no Rio Grande do Sul. O céu cinzento dá um tom melancólico à paisagem. As ruas de paralelepípedo, geralmente movimentadas, estão estranhamente vazias. Poucos carros circulam pela Avenida Borges de Medeiros. As lojas e cafés icônicos têm placas informando "Fechado Temporariamente".

No Lago Negro, um casal caminha usando máscaras, mantendo distância. Os pedalinhos estão ancorados, intocados. O famoso pórtico de entrada da cidade, normalmente cercado por turistas tirando fotos, agora está deserto. No Mini Mundo, os pequenos prédios em miniatura permanecem intocados, sem visitantes. A Rua Coberta, que costuma estar cheia de turistas aproveitando os restaurantes e bares, agora tem cadeiras empilhadas e letreiros apagados. Um funcionário desinfeta as mesas com um borrifador.

No horizonte, um letreiro luminoso pisca: "FIQUE EM CASA". A trilha sonora carrega uma melancolia suave. O vazio da cidade contrasta com a beleza de Gramado, reforçando a sensação de incerteza do momento.

CORTA PARA:

 

CENA 2. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA. INT. DIA

 

A sala da mansão dos Godoy Bueno é ampla e moderna, com enormes janelas de vidro que permitem uma vista panorâmica da cidade de Gramado. A luz natural invade o espaço, realçando a sofisticação da mobília em tons neutros. A brisa suave balança levemente as cortinas, trazendo uma sensação de calma aparente.

Carolina, uma jovem de olhar inquieto e postura elegante, segura o telefone com firmeza. Ela veste uma roupa confortável, apropriada para sua gestação no segundo trimestre. Apesar do ambiente sereno, há uma tensão em seu rosto enquanto conversa com sua mãe, Cecília, que está do outro lado da linha, em São Paulo, no Hospital Albert Einstein, onde trabalha.

CECÍLIA -(VOZ FIRME, MAS TERNA, MANTENDO UM TOM PROFISSIONAL E ACOLHEDOR) Filha, eu chequei tudo. O Doutor Roberto vai cuidar de você. Ele é um dos melhores obstetras da região, muito respeitado na comunidade médica. Você está em boas mãos.

Carolina respira fundo, tentando absorver as palavras da mãe. Seus olhos vagueiam pela paisagem visível através do vidro, mas sua expressão não relaxa.

CAROLINA - (HESITANTE, MAS TENTANDO MANTER A CALMA) Eu sei, mãe (T) Mas estou sentindo algo ruim. Não sei explicar, é como se algo estivesse errado.

Em São Paulo, Cecília está em seu consultório no Albert Einstein, vestindo um jaleco impecável. Do outro lado da linha, ela percebe a angústia da filha e busca tranquilizá-la. Seu tom mistura autoridade e carinho.

CECÍLIA - (MAIS FIRME, TENTANDO DISSIPAR A INSEGURANÇA DA FILHA) Carolina, gravidez traz muitas emoções, é natural. Mas eu estou aqui, e você não precisa ter medo. Confie em mim.

Carolina fecha os olhos por um instante, mas a inquietação não desaparece. Seu instinto lhe diz que algo realmente está errado.

A câmera se aproxima lentamente de seu rosto, capturando seus olhos arregalados, a respiração contida, um aperto sutil nas mãos sobre a barriga. O silêncio pesa no ambiente. A angústia cresce.

CORTA PARA:

 

CENA 3. CONSULTÓRIO DO DOUTOR ROBERTO. INT. DIA

 

O consultório do Doutor Roberto é impecavelmente organizado, com tons claros e uma iluminação fria e profissional. Um monitor exibe imagens médicas, e o som ambiente é quase inexistente, exceto pelo leve zumbido do ar-condicionado.

Carolina está deitada na maca, relaxada, conversando com o médico. Aos poucos, ela parece se sentir confortável na consulta. Doutor Roberto, um homem de postura tranquila e voz controlada, mantém um tom amável e seguro, conduzindo a conversa com suavidade.

DOUTOR ROBERTO - (SORRINDO, TENTANDO SOAR NATURAL) Você está se cuidando bem, Carolina. É importante que sua gestação siga sem sobressaltos.

CAROLINA- (ACENA COM A CABEÇA, AINDA TRANQUILA) Sim, tenho seguido todas as orientações.

O médico consulta algumas anotações, depois levanta o olhar para ela, assumindo um tom profissional.

DOUTOR ROBERTO - (COM UM TOQUE PESSOAL, RELAXANDO A POSTURA) Sei bem como é esse momento. Minha esposa, Laura, também está grávida. Vamos ter nosso primeiro filho.

Carolina esboça um sorriso discreto. A câmera corta para uma fotografia estrategicamente posicionada no consultório, mostrando Laura e Roberto juntos, abraçados, sorrindo. A imagem sugere uma família feliz, um homem dedicado, alguém confiável.

O momento breve cria um clima de aparente segurança.

DOUTOR ROBERTO - (VOLTANDO AO TOM PROFISSIONAL, APÓS UM INSTANTE DE PAUSA) Ótimo. Agora, preciso que você abra as pernas. Preciso fazer um exame de rotina.

Carolina franze a testa, estranhando a solicitação. Sua postura, antes relaxada, se altera.

CAROLINA - (DESCONFIADA, HESITANTE) Mas, doutor, já estou no segundo trimestre. Esse tipo de exame ainda é necessário?

DOUTOR ROBERTO - (COM UM TOM PACIENTE, MAS ASSERTIVO) Sim, é apenas procedimento de rotina. Nada demais, só uma checagem rápida.

Ele calça uma luva, mantendo a mesma expressão calma e profissional. Carolina observa o movimento, claramente incomodada.

O médico se aproxima, mas, antes de tocá-la, retira a luva discretamente. O gesto é sutil, quase imperceptível, mas a câmera registra a ação em detalhe, reforçando o desconforto de Carolina.

Quando Doutor Roberto penetra o dedo, Carolina enrijece, sua respiração prende por um instante. Sua expressão muda bruscamente: incômodo, desconforto, repulsa. Seus olhos se arregalam levemente, e sua mão aperta o lençol da maca, num reflexo involuntário.

O ambiente, antes frio e clínico, agora parece sufocante. O silêncio pesa.

CORTA PARA:

 

CENA 4. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA. INT. DIA

 

A sala é ampla, com grandes vidraças que oferecem uma vista panorâmica de Gramado. A luz natural entra suavemente, mas há uma sensação de frieza no ambiente. O espaço, que deveria ser acolhedor, parece vazio, sufocante.

Carolina está sentada no chão, descalça, com os joelhos dobrados, o olhar perdido. O silêncio na sala é interrompido apenas pelo som distante do vento e do leve tilintar do gelo dentro de um copo de vinho, colocado à sua frente, intocado.

A porta se abre. Marco Aurélio entra com sua pasta de couro em uma mão e o paletó na outra. Seu semblante carrega o peso de um dia exaustivo. Ele larga os pertences sobre o sofá e, ao notar Carolina no chão, franze a testa.

MARCO AURÉLIO - (FRIO, CONTIDO, SEM DISFARÇAR O INCÔMODO) Carolina, por que você tá sentada aí? E esse vinho?

Carolina levanta os olhos lentamente para ele. Seu rosto está pálido, os olhos vermelhos, mas ela não chora. Há algo quebrado dentro dela, algo que ele ainda não percebeu.

CAROLINA - (VOZ BAIXA, COMO SE ESTIVESSE CONFESSANDO ALGO PARA SI MESMA) Aconteceu uma coisa hoje...

Marco Aurélio observa a esposa por alguns segundos, tentando entender. Ele se aproxima, mas não se abaixa ao lado dela. Mantém-se em pé, distante, rígido.

MARCO AURÉLIO - (IMPACIENTE, TENTANDO SOAR PRÁTICO)  Que coisa, Carolina?

Ela respira fundo, tentando juntar forças para dizer as palavras. Sua voz sai trêmula, mas firme.

CAROLINA - (ENGOLE EM SECO, ENCARANDO O COPO DE VINHO)  No consultório. O Doutor Roberto, ele...

Ela fecha os olhos por um instante, as mãos trêmulas sobre as pernas, antes de finalmente soltar a frase, com uma dor cortante:

CAROLINA - (VOZ BAIXA, MAS CARREGADA DE PESO) Ele me estuprou, Marco Aurélio.

Um silêncio brutal invade a sala.

O rosto de Marco Aurélio se contrai, como se processasse a informação em câmera lenta. Ele piscou duas vezes, tentando encontrar algo para dizer, mas sua boca permanece entreaberta, muda. Ele não esperava por isso.

MARCO AURÉLIO - (HESITANTE, DESCONFORTÁVEL, TENTANDO ORGANIZAR OS PENSAMENTOS) Carolina (T) você tem certeza?

Ela levanta o olhar para ele, e, pela primeira vez, seus olhos transbordam em lágrimas contidas. A dor se transforma em indignação.

CAROLINA - (COM A VOZ EMBARGADA, MAS CHEIA DE REVOLTA) Certeza? Eu preciso provar que fui violada? Você tá perguntando isso pra mim?!

Marco Aurélio passa a mão pelo rosto, confuso. Ele não sabe como reagir. Ele quer dizer algo, mas nada parece certo. Seu silêncio é um soco na alma dela.

CAROLINA - (SE LEVANTANDO, FURIOSA E FERIDA AO MESMO TEMPO) Eu quero prestar queixa! Eu vou à polícia, Marco Aurélio!

Marco Aurélio desvia o olhar, respira fundo. Ele não nega, mas também não encoraja. Há um conflito interno visível nele: o instinto de apoiá-la versus o medo do impacto da denúncia.

Carolina percebe essa hesitação. E isso a destrói ainda mais.

Ela dá um passo para trás, como se estivesse se afastando de alguém desconhecido. Seu olhar para ele agora é frio, machucado, decepcionado.

CAROLINA (VOZ BAIXA, CORTANTE) — Você tá com medo do escândalo? Do que vão dizer?

Marco Aurélio levanta o olhar, o orgulho ferido, mas sem resposta.

Carolina balança a cabeça, incrédula, uma lágrima escorrendo sem que ela tente limpá-la.

CAROLINA - (VOZ ENGASGADA, MAS FIRME) Ele destruiu alguma coisa dentro de mim, Marco Aurélio. Eu nunca mais vou ser a mesma.

Ela vira as costas e sai, deixando Marco Aurélio paralisado, sozinho com sua indecisão e o peso do momento.

A câmera se aproxima lentamente do copo de vinho, ainda cheio, a única coisa que permaneceu intacta naquela sala.

CORTA PARA:

 

CENA 5. GRAMADO. ANOITECER. EXT.

 

SONOPLASTIA - FEELING GOOD - NINA SIMONE

 

O sol se põe lentamente sobre Gramado, tingindo o céu de tons alaranjados e lilases. A cidade, conhecida por sua beleza e pelo movimento constante de turistas, agora está estranhamente silenciosa. As ruas, que costumavam ser preenchidas pelo burburinho das pessoas e pelo cheiro de chocolate quente, estão quase desertas.

As luzes dos postes começam a se acender, refletindo sobre o asfalto úmido da neblina que começa a subir. Algumas lojas, com as vitrines decoradas para a temporada de outono, têm suas portas fechadas, com placas escritas à mão anunciando: "Fechado temporariamente – Voltaremos em breve".

O Lago Negro, um dos cartões-postais da cidade, está vazio, sem turistas passeando em pedalinhos. Apenas a água tranquila reflete as últimas cores do dia. No centro, a Igreja de Pedra, com sua iluminação noturna acesa, contrasta com o vazio da praça em frente, onde antes famílias e casais costumavam caminhar.

Ao longe, um carro de aplicativo cruza lentamente a avenida Borges de Medeiros, seu motorista de máscara, enquanto um ciclista solitário passa apressado, também de máscara, como se fugisse de algo invisível. Em algumas sacadas de hotéis, hóspedes observam a cidade com olhares melancólicos, presos entre a beleza do lugar e o peso do isolamento.

O som ambiente é baixo, abafado. O vento frio sopra entre as construções de arquitetura europeia, balançando as árvores silenciosas, como se Gramado estivesse contida em um grande suspiro.

A câmera se afasta lentamente, capturando a cidade adormecida sob o peso do tempo incerto.

CORTA PARA: 

 

CENA 6. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA. INT. NOITE

 

A sala da mansão dos Godoy Bueno mantém sua imponência. Vidraças amplas revelam a vista noturna de Gramado, agora envolta em uma leve neblina. O ambiente sofisticado é decorado com móveis contemporâneos, obras de arte discretamente luxuosas e um tapete persa que se estende pelo chão de madeira. A iluminação é suave, refletindo nos copos de cristal e na garrafa de vinho intocada sobre a mesa de centro.

Marco Aurélio está sentado em uma poltrona, segurando um copo de whisky enquanto fala ao telefone. Sua expressão é tensa, mas ele tenta manter a compostura. Do outro lado da linha, Valquíria, sua mãe, recebe convidados em um jantar luxuoso em sua casa no Jardim América, em São Paulo. O som de risadas, brindes e música ambiente preenche o fundo da chamada.

MARCO AURÉLIO - (IRRITADO) Valquíria, você está dando um jantar? Em plena pandemia?

VALQUÍRIA (RINDO COM DESDÉM) - Ora, Marco Aurélio, meu filho, o Brasil é uma terra sem dono. Quem manda aqui é o dinheiro na carteira de cada um. O resto? O resto é ruído.

MARCO AURÉLIO (PASSANDO A MÃO NO ROSTO, TENSO) - Não é só isso. A Carolina denunciou o médico.

Valquíria faz uma pausa do outro lado da linha. O som das taças tilintando ainda pode ser ouvido.

VALQUÍRIA - (IMPACIENTE) E você deixou? Meu Deus, Marco Aurélio! Que escândalo desnecessário.

MARCO AURÉLIO - (ERGUENDO A VOZ) Ela foi estuprada, mãe. Você tem noção disso?

VALQUÍRIA - (SUSPIRANDO, DESDENHOSA) E daí? Talvez uma dedada a tornasse uma mulher mais forte.

Marco Aurélio se levanta, indignado. Sua expressão se endurece.

MARCO AURÉLIO - (FURIOSO) Você tá ouvindo o que está dizendo? Carolina é minha esposa. Ela merece justiça.

Valquíria solta uma risada seca. No fundo, um garçom serve mais champanhe, e uma conversa animada segue ao redor da mesa.

VALQUÍRIA - (DESINTERESSADA)  Marco, querido, você sempre foi muito sensível. Mas eu tenho uma festa para continuar. Boa noite.

Ela desliga. Marco Aurélio permanece parado por um instante, segurando o telefone com força. Ele joga o aparelho sobre a mesa e vira o resto do whisky em um único gole. Sua expressão agora é sombria, um misto de raiva e impotência.

CORTA PARA:

 

CENA 7. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SUÍTE PRINCIPAL. INT. NOITE

 

SONOPLASTIA - CRUSHED AND CREATED - CAITLYN SMITH

 

A suíte principal da mansão dos Godoy Bueno é um espaço amplo e sofisticado, com uma decoração que equilibra luxo e conforto. Cortinas de tecido leve balançam suavemente com a brisa noturna que entra pela sacada, revelando a cidade de Gramado sob uma névoa fria. A luz do abajur sobre o criado-mudo projeta sombras suaves no papel de parede delicado.

Carolina está sentada na cama, abraçada a um travesseiro. Seu rosto está marcado pelo choro, os olhos vermelhos, a respiração entrecortada. Na mão trêmula, segura o telefone celular. Do outro lado da linha, sua mãe, Cecília, ainda está no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. A voz de Cecília é doce, terna, mas firme, tentando passar segurança à filha.

CAROLINA - (VOZ EMBARGADA) Eu fiz a denúncia, mãe.

CECÍLIA - (DO OUTRO LADO DA LINHA, COM SUAVIDADE) Eu sei, meu amor. Fizeram o certo em garantir que seu nome fique em sigilo. Você não está sozinha, Carolina. Eu vou contratar os melhores advogados. Vou fazer de tudo para te proteger.

Carolina aperta os olhos fechados, tentando conter as lágrimas, mas seu corpo estremece em um soluço profundo. A mão que segura o telefone aperta o aparelho com força, como se nele encontrasse algum tipo de apoio.

CAROLINA - (CHORANDO) Mãe (T) Eu tô com medo.

CECÍLIA - (COM FIRMEZA, MAS ACOLHEDORA) Eu sei, meu amor. Mas você é mais forte do que imagina. Respira fundo. Eu tô aqui. Sempre vou estar.

Carolina fecha os olhos e respira fundo, tentando se acalmar com as palavras da mãe. O silêncio entre elas é cheio de significados, um espaço de conforto e compreensão.

CAROLINA - (VOZ BAIXA) Obrigada, mãe.

Ela desliga o telefone com delicadeza, ainda segurando o aparelho contra o peito. Fica em silêncio por um momento, olhando para o nada, até que um novo soluço a domina. Carolina enterra o rosto no travesseiro e chora em silêncio. A câmara se afasta lentamente, mostrando a solidão e fragilidade da personagem no vasto espaço da suíte.

CORTA PARA:

 

CENA 8. GRAMADO. AMANHECER. EXT.

 

A sonoplastia da cena precedente se dissolve na trilha sonora suave do amanhecer. A transição ocorre gradualmente, dando lugar ao som dos primeiros pássaros e ao vento gelado que sopra pelas ruas vazias da cidade.

A câmera percorre os principais pontos de Gramado, revelando uma cidade silenciosa, envolta pela névoa matinal. A Avenida Borges de Medeiros, normalmente movimentada, agora está quase deserta. Lojas fechadas, restaurantes com cadeiras empilhadas e placas informando "Atendimento apenas por delivery".

A icônica Rua Coberta, com suas luzes ainda acesas da madrugada, exibe poucos transeuntes, todos de máscara, caminhando apressadamente. A tradicional beleza turística da cidade contrasta com a sensação de vazio e incerteza trazida pelo momento pandêmico.

A câmera foca em um grupo de trabalhadores da saúde deixando um hotel transformado em alojamento para médicos e enfermeiros. Eles seguem para o hospital, exaustos, ajustando suas máscaras.

Em seguida, a imagem se abre para uma vista panorâmica da cidade, banhada pelo primeiro raio de sol da manhã, enquanto o letreiro surge na tela:

QUINZE DIAS DEPOIS

Os sons da cidade, agora mais presentes, tomam conta da cena, preparando o espectador para os próximos acontecimentos.

CORTA PARA:

 

CENA 9. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA. INT. DIA

 

A sala mantém sua imponência e elegância, com amplas vidraças proporcionando uma vista privilegiada de Gramado. Agora, a atmosfera está mais carregada, refletindo a tensão do momento.

Marco Aurélio e Carolina estão de pé, cada um segurando uma xícara de café. O olhar de ambos está fixo na televisão, onde a jornalista Cristina Ranzolin apresenta uma reportagem especial.

CRISTINA RANZOLIN - (EM TOM FORMAL E OBJETIVO) O renomado obstetra Doutor Roberto Vasconcellos, uma das referências médicas de Gramado, foi denunciado por abuso sexual. A vítima, cuja identidade está sendo mantida em sigilo, registrou a ocorrência há pouco mais de duas semanas.

Carolina segura a xícara com força, seu rosto demonstrando tensão.

CRISTINA RANZOLIN - (NA TV)  Desde que a primeira denúncia veio à tona, outras seis mulheres procuraram as autoridades para relatar experiências semelhantes com o médico. O caso está sendo investigado e, segundo fontes do Ministério Público, um mandado de prisão pode ser expedido a qualquer momento.

A TV exibe imagens da fachada do consultório de Roberto, seguida por cenas dele saindo de uma delegacia, rodeado por jornalistas.

CAROLINA - (COM UM FIO DE VOZ, SEM DESVIAR O OLHAR DA TV) Mais seis…

Marco Aurélio a observa de soslaio, percebendo o impacto da notícia sobre ela.

CRISTINA RANZOLIN - (NA TV) Em nota, a defesa do médico alega que todas as acusações são infundadas e que o doutor Roberto está colaborando com as investigações. A defesa reforça que ele sempre agiu dentro da ética médica e que provará sua inocência no decorrer do processo.

A imagem muda para um advogado diante de microfones, dando declarações.

CAROLINA - (APERTA A XÍCARA COM FORÇA) "Provar a inocência"…

Marco Aurélio inspira fundo e desvia o olhar da TV. Ele então se aproxima, pousando uma das mãos no ombro da esposa.

MARCO AURÉLIO- (COM FIRMEZA) Isso significa que você não está sozinha.

Carolina solta um suspiro trêmulo e fecha os olhos por um instante. O noticiário continua na TV, mas a voz de Cristina Ranzolin vai se tornando um ruído distante. A câmera foca na expressão de Carolina, refletindo um misto de alívio, angústia e apreensão pelo que ainda está por vir.

CORTA PARA:

 

CENA 10. MANSÃO DOS VASCONCELLOS. SALA. INT. DIA

 

A mansão dos Vasconcellos exala sofisticação. A decoração clássica e imponente contrasta com a tensão que se instala no ambiente. Laura, uma mulher elegante e charmosa, caminha pela sala com sua barriga já avançada no terceiro trimestre de gestação. Seu jeito altivo e impaciente transparece quando escuta a campainha tocar.

LAURA - (EM UM TOM LIGEIRAMENTE IMPACIENTE, ECOANDO PELA CASA) Já vai!

Ela ajusta o robe de seda, respira fundo e abre a porta. Do outro lado, dois policiais de terno escuro a encaram com seriedade. Laura ergue uma sobrancelha, incomodada.

POLICIAL 1 - (FIRME) Senhora Laura Vasconcellos?

LAURA - (CRUZANDO OS BRAÇOS) — Sim. O que desejam?

POLICIAL 2 - (MOSTRANDO UM DOCUMENTO) — Temos um mandado de busca e apreensão. Precisamos falar com seu marido, o doutor Roberto Vasconcellos.

LAURA - (FECHANDO UM POUCO MAIS A PORTA, IRRITADA) Ele não está.

POLICIAL 1 - (SÉRIO) Precisamos verificar isso.

Laura empurra a porta na tentativa de fechá-la, mas os policiais impedem a ação com firmeza.

LAURA - (EXPLODINDO) Vocês não podem entrar assim na minha casa!

POLICIAL 2 - (SECAMENTE) Podemos, senhora. Temos um mandado.

Ele faz um sinal, e mais dois agentes surgem na entrada, adentrando a casa com determinação. Laura assiste, indignada, enquanto os policiais iniciam a busca.

A câmera acompanha o movimento acelerado dos agentes pela mansão. Gavetas sendo abertas, portas escancaradas, armários revistados. O ritmo é intenso. Laurade braços cruzados, observa tudo, os olhos faiscando de ódio.

LAURA - (COM VENENO) Vocês vão se arrepender disso.

A câmera fecha em seu rosto. Sua expressão não é apenas de indignação – há também um rastro de preocupação e medo.

CORTA PARA:

 

CENA 11. MANSÃO DOS VASCONCELLOS. ESCRITÓRIO DE ROBERTO. INT. DIA

 

O escritório de Roberto Vasconcellos está mergulhado na penumbra. A única luz vem do monitor do computador, onde a mesma reportagem que Carolina e Marco Aurélio assistiam segue em exibição. A voz firme da jornalista ecoa no ambiente, anunciando a denúncia e a iminente prisão do médico.

Roberto está sentado em sua poltrona de couro. A barba por fazer, os olhos vermelhos e inchados denunciam noites sem dormir. Ele segura um copo de uísque, leva-o à boca e toma um longo gole. Seus dedos trêmulos descansam sobre o braço da cadeira por um instante, antes de se moverem em direção à gaveta da escrivaninha.

Ele a abre com um estalo seco e, sem hesitar, puxa uma arma. O brilho metálico reflete a tela do computador, onde sua própria imagem aparece em fotos da matéria jornalística.

Roberto inspira fundo. Seus olhos recaem sobre a fotografia dele com Laura, estrategicamente posicionada sobre a mesa. Ele a encara por um longo momento. Sua expressão é um misto de desespero e resignação.

CLOSE-UP na mão de Roberto, apertando firmemente a arma.

O som do disparo rompe o silêncio da sala.

A câmera não mostra o impacto. Em vez disso, se fixa no porta-retrato. O vidro estilhaçado, a imagem do casal agora manchada de sangue. A cena se mantém ali, estática, enquanto o eco do tiro ainda ressoa pela mansão.

CORTA RAPIDAMENTE PARA:

 

CENA 12. MANSÃO DOS VASCONCELLOS. SALA. INT. DIA

 

A movimentação da polícia na mansão é intensa. Os oficiais vasculham o local, enquanto Laura permanece próxima à porta, inquieta. Ela tenta disfarçar a tensão, mas seus olhos percorrem o ambiente com nervosismo.

SOM DO TIRO.

O estrondo ecoa pela casa, interrompendo a busca. Laura arregala os olhos, a polícia saca as armas.

POLICIAL 1- (OLHANDO PARA OS COLEGAS) O som veio do escritório!

Os agentes correm pelos corredores, com Laura logo atrás, aflita. Ela alcança a porta aberta do escritório de Roberto e estaca ao ver a cena diante dela.

Close-UP em Roberto, sentado na poltrona, inerte, com a arma caída no chão e o sangue escorrendo lentamente da ferida. O porta-retrato ao lado ainda tremula com o impacto do disparo.

Laura solta um grito sufocado, levando as mãos ao rosto. Ela se joga ao chão, abraçando o corpo do marido, seus olhos transbordando em desespero.

LAURA - (SOLUÇANDO, GRITA) Não, não, meu amor! Meu Deus, por quê?!

A câmera se aproxima lentamente, registrando o desespero de Laura, o olhar perplexo dos policiais e a atmosfera pesada que agora domina a mansão.

CORTA PARA:

 

FIM

Nenhum comentário:

Postar um comentário