A INTRUSA - CAPÍTULO 36 - (04/10/2025)

        

A INTRUSA

CAPÍTULO 36

UMA NOVELA DE TAÍS GRIMALDI


CENA 1. CARRO EM MOVIMENTO – RODOVIA DESERTA. EXT/INT. NOITE

 

SONOPLASTIA — “ANOTHER DAY IN PARADISE” – CAT VS CAT & JOYNER – INSTRUMENTAL

 

O vento açoita a vegetação rasteira nas margens da rodovia. A escuridão é profunda, cortada apenas pelos faróis de um carro parado no acostamento, cercado por uma névoa baixa que sobe do asfalto quente. O silêncio da noite parece conter a respiração do mundo.

Lari Pacotão fuma um cigarro com elegância blasé, apoiada na lateral do carro. Seu vestido preto contrasta com a luz amarelada que emana dos faróis. Vivi — que todos acreditam ser Carolina — está tensa, os olhos fixos na estrada vazia.

LARI PACOTÃO - (relaxada) Mana, fica na sua. A Selma vai cair e a Aurora vai ficar bem. Confia na mãe aqui.

Vivi arranca o cigarro das mãos de Lari com raiva contida, tragando profundamente como se aquilo fosse coragem líquida.

VIVI - (dura, amarga) Eu vou. Sozinha. Foi isso que ela pediu.

Marco Aurélio, de braços cruzados, observa a cena com os olhos marejados. Ele dá um passo à frente, a voz carregada de sentimento.

MARCO AURÉLIO - Eu não vou te deixar ir sozinha. A gente tá junto em tudo, lembra? Tudo.

Eles se encaram. O ar entre os dois vibra. Há amor, mas há também o peso do medo. Vivi desvia o olhar.

VIVI - O que eu preciso agora é de coragem. E isso eu tenho de sobra.

Faróis se aproximam ao fundo. Um segundo carro freia bruscamente atrás do deles, levantando poeira. A delegada Clara salta com energia. O sobretudo se move com o vento.

CLARA - (selando a tensão) Ela deu sinal de novo? Alguma mensagem?

Todos negam com a cabeça. Clara respira fundo. O cansaço e a urgência estão estampados no rosto dela.

CLARA - Acionei o cruzamento de dados com os registros médicos. Se a tal “Selma” for quem eu acho que é, vamos descobrir hoje.

PATRÍCIA - (surpresa, desconfortável) Mas isso é legal? Quer dizer, ético?

CLARA - (sarcástica, mordaz) Ética não salva ninguém quando a próxima bala pode ser na cabeça.

VIVI - (sorrindo de lado) E muito menos a falta de ousadia.

Num movimento rápido, quase cinematográfico, Vivi se aproxima de Clara, puxa a arma do coldre na cintura dela — a câmera foca no brilho do metal sob a luz do carro — e antes que alguém reaja, ela atira nos quatro pneus da viatura de Clara.

O som dos disparos ecoa pela rodovia. Os faróis tremem. Vivi pula para dentro do seu carro, vira a chave com decisão.

VIVI - (gritando para os demais) Não me sigam.

O carro arranca com violência, sumindo na estrada como uma flecha noturna em direção ao caos.

Clara grita um palavrão, já no rádio.

CLARA - (alterada) Quero uma equipe completa na casa de Campos do Jordão dos Godoy Bueno! E outro carro no GPS que eu vou mandar agora!

Lari apaga o cigarro, o rosto tomado pelo pavor.

LARI PACOTÃO Ela vai morrer. A ajuda vai chegar a tempo?

Clara observa a estrada onde Vivi desapareceu.

CLARA -(séria, sombria) Agora só nos resta esperar.

A câmera se afasta, subindo pela rodovia. O som da música cresce, melancólico. A estrada escura se torna um símbolo do destino em colisão.

CORTA PARA:

 

CENA 2. CAMPOS DO JORDÃO. AMANHECER. EXT.

 

SONOPLASTIA — “DO I WANNA KNOW?” – ARCTIC MONKEYS – INSTRUMENTAL

 

A névoa matinal dança preguiçosa entre os pinheiros altos e as casas de madeira em estilo europeu. O sol rompe timidamente por entre as montanhas, tingindo de dourado a paisagem fria de Campos do Jordão. A música ecoa como um sussurro do inconsciente — pesada, sensual, quase um aviso.

Um carro preto corta a estrada sinuosa e molhada, subindo em direção ao topo, onde repousa imponente a mansão de inverno dos Godoy Bueno.

A fachada da casa parece uma fortaleza de silêncios e segredos enterrados sob a neve fina que ainda cobre parte do telhado.

O carro desacelera e para diante da entrada. A porta do motorista se abre. É Vivi, que todos acreditam ser Carolina. Ela desce em silêncio, vestida de maneira sóbria, os olhos carregados por noites sem descanso.

Ela observa a mansão como se fosse a primeira vez. Ou talvez a última. O vento balança seus cabelos, e o som da vitrola imaginária continua embalando seus pensamentos.

A porta da frente se abre lentamente. Alguém a esperava.

CORTA PARA:

 

CENA 3. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA DE ESTAR. INT. AMANHECER

 

SONOPLASTIA — REQUIEM – LACRIMOSA DE MOZART


A canção ecoa baixinho, como se viesse de um canto do inconsciente, embebida em saudade e melancolia.

A luz do amanhecer atravessa as janelas com um cinza frio, lavando a sala com tons de desespero contido. Há poeira suspensa no ar, como partículas de passado ainda não resolvido.

Vivi entra devagar, a arma firme nas mãos trêmulas, os olhos atentos — como se cada sombra da casa pudesse atirar de volta. Ela está tensa, cansada, suja de tudo que viveu até ali. Ainda usa a roupa da noite anterior. O silêncio da casa pesa como chumbo.

No alto da escada, Laura — vestida de vermelho como um presságio — surge com uma arma em uma mão e um copo de uísque na outra. O batom borrado, o cabelo desalinhado. Um quadro de desequilíbrio elegante. Ela desce com calma ensaiada.

LAURA - (baixa, irônica) Shhh. Aurora tá dormindo. E sono, Carolina, é essencial pro desenvolvimento infantil.

VIVI - (sarcástica, mas ferida) Desde quando você se importa com Aurora de verdade?

LAURA -(com um riso quase infantil) Eu amo crianças. Inclusive, o motivo de eu estar aqui, também é uma criança.

VIVI - (franzindo o cenho) Como assim?

Elas estão frente a frente. Armas apontadas. As duas trêmulas — mas só uma com convicção no olhar.

LAURA - Há cinco anos você denunciou o Roberto. Meu marido. Chamou ele de estuprador. Sabia que no dia em que ele se matou, no dia em que ele ensanguentou o quarto inteiro, eu também perdi um filho?
(pausa) Sim, eu tava grávida. Feliz. Depois de perder meus pais, depois de passar a vida querendo uma família. Você me tirou tudo.

VIVI - (baixa, comovida, mas cautelosa) Selma...

LAURA - (corta, ríspida) LAURA. Isso mesmo. Nem depois de tudo você se deu conta. Eu nunca fui a maldita da Selma. Eu sou LAURA, a mulher que teve a vida destruída.

O descontrole toma conta dos olhos de Laura. O copo de uísque treme.

LAURA -Sabe o que é passar cinco anos num manicômio? Hein? Cinco anos ouvindo vozes, sem saber o que era verdade ou delírio? Isso, graças a você.

VIVI - (sem baixar a arma) Você nunca recuperou a sanidade.

LAURA -(se aproxima) Abaixa essa arma, Carolina ou eu atiro.

VIVI - E se eu te contar que você passou todo esse tempo infernizando a mulher errada?

Laura congela.

LAURA - Mentira.

VIVI - (olhando nos olhos) Dois meses atrás, eu cheguei nessa casa pra ver Carolina. Minha irmã. Mas só encontrei um bilhete. Dizendo que, ela tava morta e se eu não quisesse morrer também, deveria assumir o lugar dela. (pausa) Eu sou Vivi Veneno. Carioca. Ex-prostituta. E, agora, tua pior confusão.

LAURA - (tonta) Mais louca que eu. isso é mais novela mexicana que novela mexicana!

VIVI – (sorri) Prazer, Vivi Veneno.

A arma de Laura treme. Ela parece finalmente acreditar. Um fiapo de lucidez atravessa seu rosto.

LAURA - Onde tá Carolina?

VIVI - Morta. Alguém chegou antes de você. Parabéns, querida. Nem pra matar você serve.

A câmera sobe, mostrando as duas como peças de um jogo doentio, suspensas num duelo onde a verdade fere mais que a bala.

CORTA PARA:

 

 

CENA 4. MANSÃO DOS GODOY BUENO. FACHADA. EXT. AMANHECER

 

O céu de Campos do Jordão é um laranja pálido que escorre preguiçoso pelas ruas ainda úmidas. A fachada da mansão dos Godoy Bueno ganha tons surreais sob a luz do amanhecer. Um silêncio breve antecede o estrondo das sirenes.

A polícia chega em formação. Não apenas viaturas: é uma operação em escala — cavalaria, agentes federais, carros civis. Os portões são cercados com precisão cirúrgica. Alguns vizinhos surgem nas janelas com seus roupões de seda e olhos arregalados. O escândalo finalmente chegou ao berço da aristocracia.

De um dos veículos, descem com pressa a delegada Clara, determinada como sempre, Patrícia, ainda com o rosto inchado do luto e da raiva, Lari Pacotão, com óculos escuros e um casaco rosa choque completamente fora de tom, e Marco Aurélio, de terno amassado, como se tivesse dormido com ele.

Ao avistar a fachada da casa, Marco Aurélio para. Seus olhos lacrimejam. Ele estremece. Depois explode.

MARCO AURÉLIO - (berrando) Ela tá lá dentro! Vocês não entendem? Eu tenho que entrar!

Clara tenta contê-lo, mas ele empurra os policiais e corre em direção à entrada. Um policial tenta detê-lo, mas Clara faz um gesto.

CLARA - (baixa, firme) Deixa. Às vezes o instinto é o que a gente tem de mais puro.

Marco Aurélio abre os portões e invade a mansão, ofegante, coração disparado.

CORTA PARA:

 

CENA 5. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA DE ESTAR. INT. AMANHECER

 

SONOPLASTIA — REQUIEM – LACRIMOSA DE MOZART


O lamento sagrado invade o ambiente como se antecipasse o fim — não só de uma noite, mas de um ciclo inteiro de mentiras, mortes e farsas.

A luz azulada do amanhecer entra pelas janelas altas da mansão. A aurora pinta o cenário com tons frios, revelando a poeira da decadência sobre os móveis imponentes.

Laura está de pé, ainda vestida de vermelho, os cabelos desalinhados, o batom borrado como sangue seco nos lábios. Ela segura uma arma com mãos firmes e um olhar perdido — um misto de euforia e abismo. Do outro lado da sala, Vivi, que todos acreditam ser Carolina, também empunha uma arma. Mas nela há um tremor — não de medo, mas de cansaço.

A câmera se move lentamente, captando o suor na testa de Laura, a respiração ofegante de Vivi, o contraste entre as duas: a loucura e a lucidez, o caos e a coragem.

Pela fresta das cortinas, Laura espreita o jardim: carros da polícia cercam a casa como predadores pacientes. Sirenes desligadas, homens armados aguardando a ordem final.

VIVI -(sem elevar a voz, mas firme) Não tem mais pra onde fugir, Selma. Ou devo te chamar de Laura? Está cercada. Acabou.

Laura gargalha. É um riso cruel, desafinado, teatral. Ela se vira devagar, encara Vivi como quem observa a própria criação.

LAURA - (um sorriso torto) Sempre tem uma saída, meu bem. Sempre. A morte é uma senhora pontual (pausa, sarcástica) Podemos, inclusive, tomar café com a Carolina no inferno. Já pensou que delícia?

Ela dá um passo à frente. Vivi não recua.

LAURA - (rindo em sua queda final) Você acha que me venceu, Vivi? Você mal sabe o nome que carrega…

O silêncio pesa. Um som ao fundo — talvez o rangido da porta principal sendo arrombada, talvez apenas o destino rangendo os dentes.

A câmera fecha no rosto de Laura. Seu olhar é uma despedida. A trilha atinge o auge. A loucura encontra sua cúpula.

CORTE PARA:

 

CENA 6. MANSÃO DOS GODOY BUENO. QUARTO DE AURORA. INT. AMANHECER

 

SONOPLASTIA - COMPTINE D'UN AUTRE ÉTÉ- DIE FABELHAFTE WELT DER AMÉLIE - INSTRUMENTAL

 

A luz do amanhecer entra suave pelas frestas da cortina, pintando o quarto com tons dourados e rosa. Pelúcias adormecidas, brinquedos espalhados, um castelo de plástico com luzes piscando ainda ligado.

Aurora desperta lentamente, os olhos curiosos se abrindo para o novo dia. Espreguiça-se com doçura, como uma princesa de um conto distorcido. Levanta-se da cama vestindo uma camisola com estampa de fadas, os pés descalços tocando o tapete fofo.

Ela caminha até a janela e afasta a cortina com as mãozinhas pequenas. Lá embaixo, a movimentação intensa: carros de polícia, homens de terno, flashes de luzes vermelhas e azuis se projetando nas paredes do casarão.

A menina observa tudo com encantamento, como se visse uma cena de desenho animado. Sorri, inocente, e diz com uma voz suave:

AURORA — Bem que a tia Selma disse que a gente ia brincar de polícia e ladrão...

E, com a segurança de quem acredita que tudo é uma aventura mágica, ela se vira e sai do quarto, os cabelos despenteados balançando.

A câmera permanece na janela, enquanto a música ao fundo ganha força. Lá fora, a alvorada se impõe — um dia de revelações está prestes a começar.

CORTA PARA:

 

CENA 7. MANSÃO DOS GODOY BUENO. SALA DE ESTAR. INT. AMANHECER

 

SONOPLASTIA — REQUIEM: LACRIMOSA – MOZART

 

A luz do amanhecer invade a sala com timidez, filtrando-se por entre as cortinas pesadas. Um silêncio litúrgico paira no ar, cortado apenas pelo som angustiado da música — como se a própria casa pressentisse o desfecho trágico.

Marco Aurélio irrompe pela porta, tenso, com os olhos inflamados de medo. Laura está ali, triunfante, em pé sobre os destroços de uma noite sem retorno. Veste um robe de seda ensanguentado e segura uma arma com o mesmo entusiasmo de uma criança que ganhou um brinquedo novo — só que o brinquedo dela é letal.

LAURA - (sarcástica, em êxtase) Se veio salvar a esposa, chegou tarde. Carolina está morta, meu bem (pausa, sorri com crueldade) E infelizmente não foi pelas minhas mãos. Mas veja pelo lado bom: sobrou a cópia barata pra eu dar cabo.

Marco Aurélio a encara sem medo. Seu amor venceu o pavor.

MARCO AURÉLIO - (voz firme) Eu sei de tudo. Ajudei a Vivi a fingir esse tempo todo. Pra manter ela viva. E pra achar quem matou a irmã dela.

Laura gargalha como se ouvisse uma piada perversa saída da sua própria mente.

LAURA -Apaixonado pela falsificação? Que coisa patética(pausa) O melhor de tudo é que vocês vão morrer juntos. Romeu e Julieta dos Jardins.

Ela ergue a arma e aponta para Marco. O dedo no gatilho. O olhar desvairado. É o fim.

LAURA - Joga a arma no chão, Vivi.

Vivi hesita. Mas sua prioridade é Marco. Ela abaixa a cabeça e obedece. A arma escorrega pelo chão até parar aos pés do tapete de linho grosso.

E então — um som leve. Um passo infantil na escada. Aurora. Pequena. Descalça. Em sua camisola com estampa de bichinhos. Um anjo perdido no apocalipse.

LAURA - (não percebe Aurora) Digam suas últimas palavras!

Laura está de costas para a menina. Marco tenta avisar, mas o tempo está suspenso.

Aurora vê a arma caída. Pega. Aponta. Acha que é brincadeira. Mas a vida, cruel como ela é, não tem roteiro leve.

LAURA - (engatilhando, pronta pra disparar) Adeus.

AURORA - (sorrindo, inocente) Tia Selma, peguei você.

Três tiros. Três. Rápidos, secos, fatais. A barriga de Laura explode em sangue.

Ela olha para a menina. Surpresa. Quase com ternura. O que vê antes de cair é a ironia final: a inocência é uma arma carregada.

Laura tomba no chão, os olhos abertos, ainda pintados de preto, como um quadro expressionista. Está morta. Está livre.

Marco Aurélio corre até a filha, a abraça com força. Vivi se junta, as três vidas entrelaçadas no meio do caos.

Mas algo mudou. Aurora sorri. Mas não é mais a mesma. Ela matou alguém. E a infância ficou para trás.

CORTA PARA:

 

CENA 8. CAMPOS DO JORDÃO. EXT. DIA

 

SONOPLASTIA – “CARINHOSO” – ELIS REGINA

 

A luz da manhã enfim vence a penumbra. O sol revela a vastidão elegante e gélida de Campos do Jordão, seus chalés impecáveis, a fumaça das lareiras ainda dançando no ar. Uma névoa fina serpenteia pelas árvores, como se sussurrasse segredos antigos à cidade.

Do alto da escada da casa, Marco Aurélio desce com Vivi — que todos ainda acreditam ser Carolina — nos braços, envolta num casaco de lã branco. Aurora, dormindo nos braços dela, repousa como símbolo de inocência em meio a tanto caos. O momento é de alívio e promessa.

Na base da escada, Lari Pacotão — num look dramático, preto com brilho, óculos escuros exagerados — corre para abraçá-los. Patrícia, de moletom de grife e olhos vermelhos de choro, os envolve num segundo abraço. É como se a noite anterior fosse um pesadelo que a manhã tenta esquecer.

Enquanto as três mulheres trocam palavras de conforto e promessas sussurradas, vemos ao fundo a delegada Clara surgir, o rosto pálido e sério. Ela não diz nada. Apenas entra na casa com pressa.

Corta para uma sequência de imagens de Campos do Jordão — o teleférico, a pracinha com turistas tirando selfies, o trem turístico passando por entre as montanhas, as vitrines caras abrindo lentamente suas portas. Tudo segue. Como se nada tivesse acontecido.

Mas a câmera retorna à Mansão Godoy Bueno, e agora o foco é o jardim, o limite do terreno com o matagal fechado. O lugar onde a elegância termina e o mistério recomeça.

Serpetinha — sempre silencioso, sempre sombrio — está agachado. Com as mãos nuas e sujas de terra, termina de cavar. Um braço humano em decomposição desponta da cova rasa. Um osso quase limpo se mistura às raízes e folhas. Ele fala ao celular, a voz baixa e rouca.

SERPENTINHA — Tá feito. Vão encontrar.

E desaparece entre as árvores como um espectro.

Instantes depois, dois policiais que fazem varredura no terreno encontram o corpo. Um deles grita por reforço. A trilha aumenta. O ritmo acelera.

CORTA PARA:

CENA 9. MANSÃO DOS GODOY BUENO. FACHADA. EXT. DIA

SONOPLASTIA — “ANOTHER DAY IN PARADISE” – CAT VS CAT & JOYNER – INSTRUMENTAL

Aurora, envolta por uma manta térmica, está sentada na ambulância. O rosto infantil, abatido e atônito, parece distante de tudo ao redor. Seus olhos fixam um ponto vago no horizonte como se ainda não tivesse voltado completamente à realidade. O apito de uma sirene ao fundo desaparece conforme o caos é substituído pelo peso do silêncio.

Vivi — que todos ali acreditam ser Carolina — está ao lado da criança. Também com um cobertor sobre os ombros, ela segura a mão de Aurora com firmeza, como se aquela conexão frágil fosse a única coisa capaz de ancorá-las. Marco Aurélio, de pé ao lado, acompanha tudo em silêncio. Seu olhar passa de Aurora para Vivi, sem dizer uma só palavra — há carinho, mas também uma culpa silenciosa.

A delegada Clara se aproxima. Seu semblante é sério, mas respeitoso.

CLARA - (com empatia) Ela vai precisar de acompanhamento psicológico. E urgente.

VIVI - (sem desviar o olhar de Aurora) Todos nós vamos. Mas ela, precisa de alguém que acredite nela. Que fique ao lado dela, contra o mundo.

Clara assente com o olhar. A câmera se afasta um pouco, revelando a mansão ao fundo — imponente, mas agora como uma carcaça vazia de significado.

O momento é quebrado por um jovem policial, ainda ofegante, que se aproxima da delegada com expressão grave.

POLICIAL - Delegada. Encontramos um corpo. No fim do jardim. Perto do pomar.

O tempo para. Clara ergue o olhar. Marco Aurélio e Vivi trocam um rápido olhar — perplexidade e horror. Vivi instintivamente aperta a mão de Aurora, que não entende, mas sente o calafrio se espalhar.

A sonoplastia cresce em tensão, quase imperceptível, o instrumental segue em tom grave, melancólico.

Câmera em travelling lento. Ela desliza pelo jardim silencioso, atravessa o pomar — onde as frutas maduras parecem apodrecer sob a lua — e encontra o bosque, denso e úmido como um segredo antigo. Ali, algo terrível nos espera. A tensão é palpável, o silêncio quase grita. O ar parece conter a respiração da cena.

CORTA PARA: 

FIM

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